Folha de S. Paulo / O Globo
Márcio França, que governou São Paulo em
2018 e é candidato ao cargo, foi a última vítima do lavajatismo, a variante
espetaculosa e instrumental das iniciativas que combatem a corrupção na
administração pública.
A Polícia Civil de São Paulo, autorizada
pela Justiça, cumpriu mandados de busca e apreensão em 34 endereços de pelo
menos seis cidades do estado. Alguns deles estavam “ligados” a França. O que
significa “ligado”, não se sabe. A investigação, que corre em segredo de
Justiça, seguiu a regra básica do lavajatismo, com vazamentos dosados e
temperados com uma cifra: os acusados estavam metidos em operações que lesaram
a Viúva em cerca de R$ 500 milhões, numa estimativa de dezembro, feita pela
Corregedoria-Geral da Administração. (Isso tudo nos dias em que lembrou-se o
primeiro aniversário da invasão do Capitólio, em Washington. De lá para cá, o
Federal Bureau of Investigation prendeu centenas de pessoas sem espetáculo
algum.)
A blitz foi um prolongamento da Operação
Raio-X, iniciada em 2020. Ela investiga roubalheiras de Organizações Sociais
metidas na rede de saúde, com suas conexões políticas. Serviço bem feito, ela
operou sem espetáculos, cumpriu 327 mandados de busca, prendeu 64 pessoas,
levou o Ministério Público a denunciar mais de 70 e permitiu a condenação de
pelo menos 15 pessoas, uma delas a 104 anos de prisão. Tudo isso sem
espetáculo, monitorando os investigados que destruíam documentos.
Até os esparadrapos dos hospitais sabem como funcionam, em vários estados, algumas dessas organizações sociais, às vezes com nomes de santos. No Rio, o ex-governador Wilson Witzel levantou o tema, mas teve pouca atenção. O lavajatismo poluiu a Operação Raio-X valendo-se de uma velha receita. Pega-se uma roubalheira documentada, cria-se o enredo da busca e apreensão, divulga-se uma cifra, e nesse guisado entra o nome de um político. No caso, entrou na roda Márcio França. Como governador, dias antes de deixar o cargo, ele aliviou o acusado que mais tarde veio a receber a condenação centenária. Para a polícia, surgiram “indícios veementes de um forte vínculo entre os dois”. Em dezembro, a polícia apresentou à Justiça um documento reservado de 212 páginas pedindo os mandados de busca. França é o principal personagem em mais de 50 dessas páginas. Cabe à Justiça decidir o valor dessas acusações. Fora daí, é lavajatismo.
Desde abril do ano passado, o Ministério
Público paulista investiga, sem teatro, um irmão do governador. Ele tem
empresas na rede de prestação de serviços de saúde e foi grampeado em diálogos
impróprios, “estarrecedores”, na palavra da polícia. Esse foi o jogo jogado de
uma operação bem-sucedida.
O lavajatismo é a doença senil do combate à
corrupção e contaminou as atividades da República de Curitiba. Ela conseguiu
174 condenações, detonou o maior esquema de corrupção já descoberto na
República. Foi manchada pela instrumentalização política e pela
espetacularização de suas atividades.
Graças às investigações da Operação Raio-X,
na primeira quinzena de dezembro a Justiça de Penápolis (SP) condenou 12
pessoas, entre elas o ex-secretário de Saúde do município a 21 anos de cadeia.
Serviço bem feito não precisa de
coreografia. Num ano de eleições, será forte a tentação para instrumentalizar
ações policiais. Elas acabam viciando a boa causa.
França com o cajado
Em 2018, quando governava São Paulo, o
doutor Márcio França ensinou:
“As pessoas têm que entender que a farda
deles (PMs) é sagrada, é a extensão da bandeira do estado de São Paulo. Se você
ofender a farda, ofender a integralidade do policial, você está correndo risco
de vida. É assim que tem que ser”.
Passado o tempo, encrencado com a Polícia
Civil, França talvez tenha percebido que, com o cajado na mão, exagerou ao
falar em “risco de vida”.
Johnson sabia tudo
Lyndon Johnson, presidente dos Estados
Unidos de 1963 a 1969, foi um dos políticos mais espertos de seu tempo. Aqui
vai uma de suas histórias preferidas:
Numa pequena cidade do Texas, o candidato a
prefeito procura um amigo, diretor do jornal e, às vésperas da eleição,
pede-lhe que publique a notícia de que seu rival foi visto mantendo relações
sexuais com um animal.
Ele vai desmentir, diz o dono do jornal.
É exatamente isso que eu quero, responde o
candidato.
O médico avisou
O médico Antônio Luiz Macedo recomendou ao
paciente Jair Bolsonaro que caminhe mais e mastigue melhor. A ver.
Em setembro de 1982, o cardiologista
americano que acompanhava a saúde do presidente João Figueiredo escreveu-lhe:
“O senhor pode estar cavando sua sepultura
com o talher”.
Figueiredo não tomou jeito, e dez meses
depois estava no centro cirúrgico de Cleveland, onde puseram-lhe uma ponte de
safena e uma mamária.
Ele só foi para a sepultura em 1999, aos 81
anos.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e odeia vacinas. Ele
vai a Brasília para sugerir ao Ministério da Saúde que faça mais uma consulta
pública. Nela, tentará descobrir quem acredita no que o doutor Marcelo Queiroga
diz.
Bolsonaro e a morte
Em julho de 2020, quando a Covid havia
matado 30 mil pessoas, João Moreira Salles escreveu um artigo intitulado “A
morte e a morte”, no qual lidava com a relação de Jair Bolsonaro com o fim da
vida alheia:
“O luto lhe é estranho. Publicamente, sua
reação ao sofrimento alheio assume apenas duas formas: júbilo ou indiferença. É
preciso reparar nisso para compreendê-lo.”
Quem não reparou, que reparasse. A esta
altura, os leitores das folhas de chá das pesquisas eleitorais perceberam que a
falta de empatia com a morte (dos outros) é a pedra mais pesada na mochila de
sua rejeição.
Numa conta de padaria, estima-se que cada
morto pela pandemia irradiou sofrimento para cem pessoas. Admitindo-se que
metade desse bloco seja de eleitores, seriam 31 milhões de votos.
Boas notícias
Com tanta notícia ruim rodando por aí,
passam despercebidas as boas.
Segundo o IBGE, entre 2019 e 2020, a
pobreza brasileira caiu, na média, 1,8 ponto percentual. Em Sergipe, governado
por Belivaldo Chagas Silva (PSD), a queda foi de 8,9 pontos. No Pará, de Helder
Barbalho (MDB), a queda foi de 8,8 pontos. No Piauí, com Wellington Dias (PT),
6,7 pontos, e no Maranhão, de Flávio Dino (PSB), 5,6. (2021 veio para
estragar.)
Canibais de salto
A autofagia petista voltou a atacar, e de
salto alto. Há duas semanas, facções companheiras discutem a relevância de
Dilma Rousseff na campanha eleitoral.
Há fortes argumentos para afastá-la dos
holofotes, mas não é gentil diminuí-la, até porque ela leva sua vida em Porto
Alegre sem incomodar os outros.
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