terça-feira, 11 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Chefe da Anvisa deu resposta precisa e certeira a Bolsonaro

O Globo

Foi, antes de tudo, precisa a resposta do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, às provocações do presidente Jair Bolsonaro a respeito da aprovação da vacina contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos. Precisa e certeira diante da irresponsabilidade de Bolsonaro.

Em entrevista à TV Nova Nordeste na semana passada, em meio às imprecações ofensivas e desrespeitosas à dor alheia já costumeiras na fala presidencial, Bolsonaro insinuou haver interesses escusos na aprovação da vacinação infantil. “O que está por trás disso?”, perguntou. “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina?”

Já é absolutamente inaceitável um presidente da República, movido tão somente pelo interesse de insuflar uma plateia fiel a seus despropósitos, desprezar o sofrimento das famílias que perderam suas crianças para a maior pandemia em mais de um século — no Brasil, a Covid-19 tem matado aproximadamente uma criança a cada dois dias. É ainda mais grave ele insinuar haver algum tipo de irregularidade ou interesse escuso da Anvisa sem exibir provas.

Qualquer um que acusa sem apresentar provas incorre no crime de calúnia, previsto no Código Penal. Se um gestor público toma conhecimento de provas de corrupção e não leva a denúncia adiante, aí incorre em prevaricação. Foi justamente esse o ponto destacado por Barra Torres na nota que emitiu em resposta a Bolsonaro. “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique”, escreveu. “Determine imediata investigação policial sobre minha pessoa, aliás sobre qualquer um que trabalhe na Anvisa, que com orgulho tenho o privilégio de integrar. Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate.”

Além de descrever os fatos com precisão, Barra Torres também demonstrou, em sua resposta, ter empatia e solidariedade com o sentimento das dezenas de milhões de famílias brasileiras atingidas pela pandemia. “Sofri a cada perda, lamentei cada fracasso e fiz questão de ser eu mesmo, o portador das piores notícias, quando a morte tomou de mim um paciente”, afirmou. “Vou morrer sem conhecer riqueza, senhor presidente. Mas vou morrer digno.” E encerrou com uma conclusão óbvia e singela: “Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário”.

Está aí, resumida em palavras simples, ao alcance de todos, a maior limitação de Bolsonaro: trata-se de alguém incapaz de ter a dignidade de reconhecer os próprios erros ou de se retratar de uma acusação falsa. É verdade que depois, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro tentou consertar o estrago, dizendo que não tinha acusado ninguém de corrupção. Ainda assim, voltou a levantar dúvidas sobre a Anvisa.

O presidente continua incapaz de manifestar um mínimo de empatia com a dor alheia. Isso vai além de seu desprezo pelos fatos, pela verdade ou pela ciência. É desprezo pela vida mesmo. Pode não haver uma lei específica contra isso, mas o país, enlutado pela perda de mais de 620 mil brasileiros para o vírus, certamente saberá lhe dar uma resposta à altura nas urnas.

Tragédia em cânion de Capitólio expõe negligência com prevenção

O Globo

A tragédia em Capitólio (MG), onde um paredão rochoso de um cânion desabou no sábado matando dez turistas e causando ferimentos em dezenas, expôs mais uma vez a negligência com a prevenção de desastres no país. Não são poucos os indícios de descaso com a segurança dos frequentadores. A queda do bloco de pedra poderia ser imprevisível, mas era possível ter reduzido os riscos para visitantes. Bastaria haver normas de segurança satisfatórias.

Como é de praxe, os atores envolvidos tentam se esquivar de responsabilidades. A Marinha, a quem cabe fiscalizar as embarcações que operam no Lago de Furnas, informou que o ordenamento do espaço caberia ao município. A prefeitura de Capitólio alegou que a responsabilidade é da Marinha. O jogo de empurra explica muita coisa.

Considerando o fluxo de turistas, seria razoável supor que houvesse um mapeamento e um monitoramento geológico do rochedo, especialmente na área da cachoeira, onde lanchas lotadas de turistas costumavam se concentrar. Na tarde de sábado, havia sete embarcações no local, quatro delas foram atingidas pelas pedras. A prefeitura admitiu que esse estudo nunca foi feito.

“Se existisse na região um mapeamento técnico-geológico sobre os blocos de rocha, as fraturas indicando os locais de possíveis quedas, essa região em época de chuva deveria ter sido interditada”, disse ao Fantástico Joana Paula Sánchez, professora de mapeamento geológico na Universidade Federal de Goiás. “A gente nunca acredita que uma rocha tão grande, tão dura, vá ceder ou cair, mas o local já apresentava indícios há muitos anos de separação desse bloco que caiu do maciço rochoso principal onde ele era ‘colado’. Então essa tragédia poderia ter sido evitada.”

Como mostrou reportagem do GLOBO, o médico Flávio Freitas, que visitou o Lago de Furnas dez anos atrás, publicou nas redes sociais uma foto do bloco rochoso com a legenda: “Essa pedra vai cair”. A imagem, republicada após o acidente, era apenas a observação de um leigo. O aviso deveria ter ensejado ao menos uma inspeção.

A presença de turistas no local fica ainda mais inexplicável porque às 10h20 (duas horas antes do desabamento) a Defesa Civil emitira alerta de chuva forte, recomendando evitar as cachoeiras de Capitólio. Havia precedentes. No ano passado, três turistas morreram em consequência de uma cabeça-d’água numa cachoeira.

Evidentemente, é preciso que se investiguem as causas do desabamento e as responsabilidades de cada um na tragédia que matou dez brasileiros que queriam apenas passar um sábado agradável com suas famílias. Tão importante quanto apurar os fatos é fazer um estudo sobre os pontos vulneráveis do cânion e criar normas rígidas de segurança impedindo que os turistas se aproximem demais dos paredões e determinando que os passeios sejam suspensos em condições meteorológicas desfavoráveis. Não reparará os danos, mas pelo menos poderá evitar que tragédias semelhantes aconteçam.

Resposta adequada a uma leviandade

O Estado de S. Paulo.

Não se sabe se Bolsonaro responderá legalmente pela acusação feita contra os servidores da Anvisa, mas nota de Barra Torres está à altura da agressão

No sábado passado, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, publicou uma nota corajosa, em tom marcadamente pessoal, como resposta à grave acusação feita pelo presidente Jair Bolsonaro de que interesses escusos de servidores da agência sanitária teriam motivado a aprovação da vacinação de crianças entre 5 e 11 anos contra a covid-19. “Qual o interesse da Anvisa? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacinas?”, insinuou Bolsonaro, em mais uma demonstração de que é indigno do cargo no qual, infelizmente, foi investido.

O tempo vai dizer se a acusação leviana – mais uma do presidente, digase – terá alguma consequência legal. A rigor, deveria ter. O que Bolsonaro fez foi lançar dúvidas infundadas sobre a honestidade de servidores públicos que, após analisarem os estudos de segurança e eficácia do imunizante da Pfizer para o público infantil, o mesmo já aplicado em crianças daquela faixa etária em diversos países, decidiram autorizar a vacinação infantil como forma de aumentar o nível de proteção dos brasileiros contra uma doença que já causou a morte de mais de 620 mil pessoas no País. Entretanto, ao menos por ora, a nota do contra-almirante Barra Torres já é por si só uma eloquente resposta à irresponsabilidade e à falta de espírito público que marcam a atuação de Bolsonaro no curso da pandemia.

Como diretor-presidente de uma agência estatal que, na insinuação do presidente da República, agiria motivada por interesses antirrepublicanos, se não criminosos, Barra Torres, com razão, sentiu-se pessoalmente atacado por Bolsonaro em sua honra e profissionalismo. O tom de sua nota, portanto, não haveria de ser outro que não o de uma resposta pessoal e direta a seu acusador. Com a indignação típica dos que se veem acusados de um crime que não cometeram – “Vou morrer sem conhecer riqueza, senhor presidente, mas vou morrer digno” –, e decerto respaldado pela autonomia que lhe assegura seu mandato à frente de um órgão de Estado, e não de governo, Barra Torres exortou Bolsonaro a agir como manda a lei, nada mais. “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro”, escreveu o diretor-presidente da Anvisa, “não perca tempo nem prevarique. Determine a imediata investigação policial sobre minha pessoa, aliás, sobre qualquer um que hoje trabalhe na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar.”

No início de seu mandato, havia dúvidas se Barra Torres, indicado pelo presidente da República para o cargo, não seria mais um esbirro de Bolsonaro na defesa de seus desatinos, e justamente no momento mais dramático da história da agência. Mas o tempo se encarregou de dissipar essas dúvidas. Como destacou em sua nota, o também médico Barra Torres tem marcado sua gestão à frente da Anvisa por colocar a ciência acima da política, “a razão à frente do sentimento”, o interesse público acima dos interesses eleitorais de quem o indicou.

Afirmando ser “cumpridor dos mandamentos” cristãos e jamais ter levantado “falso testemunho”, Barra Torres pediu que Bolsonaro “exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”.

É improvável que o presidente mande instaurar investigação ou se retrate. Primeiro, porque não há indício de corrupção envolvendo a aprovação técnica das vacinas pela Anvisa a ensejar a abertura de um inquérito policial. Segundo, porque este é exatamente o modus operandi do presidente da República: a Bolsonaro não interessam os fatos, interessa apenas lançar mentiras e teorias conspiratórias no ar para que elas circulem no esgoto das redes sociais e dos aplicativos de mensagem, onde ganham vida própria e excitam a base de apoio radical ao presidente.

Bolsonaro desconhece limites legais, institucionais e morais para fazer valer seus interesses particulares. A acusação infundada contra os servidores da Anvisa é uma pequena amostra do que ele será capaz de fazer neste ano eleitoral, quando o que está em jogo é a continuidade de seu projeto pessoal de poder.

A PM não é uma força incontrolável

O Estado de S. Paulo.

Conter a cooptação de forças do Estado para satisfazer interesses políticos particulares é, antes de tudo, salvaguardar o regime democrático no Brasil

O comando da Polícia Militar (PM) do Estado de São Paulo publicou uma diretriz no dia 27 de dezembro para disciplinar o uso de redes sociais e aplicativos de mensagem por policiais militares. O regramento das manifestações públicas dos militares do Estado é uma oportuna medida neste ano eleitoral.

Ao longo de sua vida pública, o presidente Jair Bolsonaro deu mostras de que não mede esforços – não raro violando as leis e a Constituição – para engajar as forças de segurança pública em seu projeto de poder. Portanto, conter a cooptação da força de segurança ostensiva do Estado para satisfazer interesses políticos particulares significa, antes de tudo, salvaguardar o regime democrático no Brasil.

A diretriz da PM paulista proíbe manifestações “políticas, reivindicatórias ou depreciativas” a outras instituições e órgãos públicos nas redes sociais e aplicativos de mensagem, como Whatsapp e Telegram. Também veda aos policiais militares, da ativa e da reserva, publicar imagens de símbolos, fardas e armas como forma de autopromoção. “Os PMS devem estar cientes de que seus comportamentos nas redes sociais podem afetar a credibilidade de seu trabalho, da instituição e do Estado”, afirmou o comandante-geral da PM paulista, coronel Fernando Medeiros.

As novas regras estabelecidas pelo Estado-maior da PM de São Paulo ainda impedem a chamada monetização dos canais dos policiais militares, sobretudo no Youtube. Há casos de PMS que exploram símbolos e equipamentos da corporação em vídeos que divulgam até mesmo operações policiais. O objetivo é atrair seguidores e, assim, aumentar o engajamento e a remuneração por visualizações. Ou bem se é policial militar ou celebridade da internet.

Além dos próprios méritos, o acerto da diretriz da PM paulista também pode ser atestado pela reação que provocou em próceres do bolsonarismo, a começar pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O filho “03” do presidente da República repudiou as restrições impostas aos policiais militares paulistas e afirmou que, “se a Ditadoria (sic) quer o apoio da PM, basta cumprir com suas promessas”. O deputado Capitão Augusto (PL-SP), outro nome ligado ao bolsonarismo, alegou que a publicação da nova diretriz “é ato típico de estado totalitário ditatorial”, seja lá o que isso signifique.

Ambas as reações revelam a má concepção do papel da PM por parte dos bolsonaristas que desejam cooptá-la como força política, como se o Estado Democrático de Direito se sustentasse como tal havendo militantes políticos no seio de instituições que detêm o monopólio do uso da violência.

Ao longo do ano passado, o País assistiu estarrecido ao comportamento indigno e inconstitucional de alguns policiais militares, incluindo oficiais de alta patente, a partir de uma visão muito deturpada do que vem a ser liberdade de expressão. Absurdos, quando não crimes, foram cometidos em nome dessa garantia constitucional. Em países democráticos como o Brasil, polícia e política são como água e óleo. Tudo o que é feito dentro da lei para manter essa separação é muito salutar. A Polícia Militar, nunca é demais reforçar, é uma instituição de Estado, que atravessa sucessivos governos. Não se presta à balbúrdia e à insubordinação nem tampouco se pode deixar levar pelas paixões inerentes às lides políticas.

No dia 6 passado, o comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, também publicou diretriz para disciplinar o comportamento de suas tropas nas redes sociais, atualizando normas determinadas por seu antecessor, o general Edson Leal Pujol, em março de 2020. Mais do que as manifestações de natureza política, já vedadas pela legislação militar, a preocupação do general Paulo Sérgio é a disseminação de notícias falsas não só por militares, como também por seus familiares. O general Paulo Sérgio determinou ainda que os militares devem se vacinar contra a covid19, salvo “casos omissos”, que deverão ser tratados pelo Departamento-geral do Pessoal (DGP) do Exército. Tratase de um claro sinal de afastamento do Exército de temas caros a Bolsonaro.

Capitólio cabloco

Folha de S. Paulo

Forças Armadas se previnem contra o risco de Bolsonaro querer emular Trump se perder a eleição

No dia 6 passado, completou-se um ano do infame episódio em que manifestantes incitados pelo então presidente Donald Trump invadiram o Capitólio em Washington, o mais sagrado templo da democracia norte-americana.

Além do rastro de destruição e das cinco mortes ocorridas, o episódio gerou uma ampla investigação para localizar e punir seus perpetradores. No futuro, Trump pode vir a engrossar a lista.

O que faziam os bárbaros? Buscavam inviabilizar a sessão do Congresso que ratificaria a vitória do democrata Joe Biden sobre o republicano, no novembro anterior.

Além de toda a retórica incendiária de que o pleito havia sido fraudado, refutada de ação em ação, Trump montou um palanque em frente à Casa Branca e reuniu suas hordas para criticar até seu vice, Mike Pence, presente à sessão.

A sedição proposta virou um roteiro para o bolsonarismo, um filhote bastardo do trumpismo. O presidente do Brasil nunca escondeu sua admiração pelo americano, disse sem provas que a eleição nos EUA havia sido roubada e que o Capitólio poderia se repetir aqui.

Parte significativa do entorno que ajudou a gestar Trump, a começar pelo ex-assessor Steve Bannon, é frequentadora dos ambientes reais e virtuais do clã presidencial —o filho Eduardo estava em Washington no dia da invasão.

Como a cruzada de Jair Bolsonaro contra a urna eletrônica e a crise institucional levada ao paroxismo no 7 de Setembro provam, não terá sido por falta de aviso se o país tiver de enfrentar uma turbulência análoga à americana neste 2022.

Se Bolsonaro parece mais domesticado após ter aderido ao centrão para salvar seu governo, é ocioso dizer que sua posição frágil em pesquisas sugere uma radicalização no decorrer da campanha.

Até as Forças Armadas, que o presidente vê como um de seus esteios, já perceberam isso. Como mostrou esta Folha, o Exército decidiu adiantar o cronograma de todos seus 67 exercícios militares do ano.

Eles deverão acabar até setembro, liberando a tropa para eventualidades a seguir. Generais minimizam o risco de uma versão cabocla do Capitólio e falam mais em risco de confrontos na polarização, mas o fantasma está posto.

Ele pode se materializar de várias formas, como numa negativa do presidente de intervir em um conflito estadual, já que o emprego dos fardados é sua prerrogativa. Isso poderia levar a uma judicialização inédita da questão, com consequências institucionais funestas.

Após passarem três anos negando aventuras golpistas do chefe cujo governo ajudaram a montar, é alvissareira a sinalização militar. Espera-se que ela se mantenha firme e na linha da constitucionalidade.

Livre negociação

Folha de S. Paulo

Em meio a judicialização, locadores e inquilinos têm liberdade para escolher indexador de contratos

Entre os inúmeros desequilíbrios provocados pela pandemia, milhões de inquilinos de imóveis no país vêm arcando com reajustes salgados em seus aluguéis por conta da disparada do indexador mais comum nesse tipo de contrato.

Herança do período de inflação descontrolada, a aplicação do IGPM (Índice Geral de Preços - Mercado) em acordos formais é agora contestada na Justiça, que, em muitas decisões recentes, tem determinado a sua substituição pelo índice oficial de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo.

Diferentemente do IPCA, que calcula a oscilação final de preços aos consumidores, o IGP-M avalia esse comportamento nas etapas anteriores, ou seja, ao longo da cadeia produtiva, nas relações entre produtores, distribuidores, varejistas e outros participantes. Assim, o índice acaba incorporando muito da variação do dólar, que indexa preços de commodities e matérias-primas importadas.

A pandemia e a disparada de 40% da moeda norte-americana nos últimos dois anos alargou a diferença entre os dois índices. Em 2021, para um IPCA (calculado pelo IBGE) de 9,26%, o IGP-M (da Fundação Getulio Vargas) subiu 17,78%.

Supremo Tribunal Federal adia desde abril do ano passado o julgamento de uma ação que pede para a corte determinar que o reajuste no aluguel de imóveis com contratos pelo IGP-M se dê pelo IPCA. Também tramita no Senado projeto de lei na mesma direção.

A própria FGV prevê lançar em breve um novo índice que melhor reflita as relações entre locadores e locatários, pois o IPCA também não é considerado ideal —especialmente por desconsiderar que os donos dos imóveis deveriam esperar alguma remuneração sobre o capital imobilizado e não apenas a correção do aluguel pela inflação.

Uma das ideias é fazer parcerias com imobiliárias e sites especializados para ter acesso a um fluxo constante de dados em contratos, de modo a ter um indicador mais realista e baseado no mercado.

Neste ano, espera-se uma convergência entre o IGP-M e o IPCA ao final do primeiro trimestre, fato que tende a diminuir muitos dos conflitos em torno do assunto.

De qualquer modo, proprietários e inquilinos são livres para negociar qualquer indexador. O ideal é que essa escolha considere sobretudo as expectativas das partes e a destinação do imóvel —deixando para trás o ato corriqueiro de copiar e colar regras ultrapassadas.

Clima piora e põe em dúvida resultados da agropecuária

Valor Econômico

Pode não vir da agropecuária o esperado alívio na inflação

A expectativa de que a agropecuária possa salvar o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, evitando uma dolorosa recessão, está sob ameaça. A piora das condições climáticas está pondo em risco a safra recorde, dada como certa há algumas semanas. A produção de grãos, de leite e até a pecuária vem sendo prejudicada por um clima mais desfavorável do que o registrado no início do plantio da safra 2021/22. O ano passado começou bem no campo, mas terminou mal. Agora, o risco é que já comece negativo.

Conforme relatou o Valor (7/1), enquanto o Paraná divulgava na semana passada uma estimativa para sua safra de grãos quase 40% menor do que a anterior, por conta da estiagem, o Tocantins, que integra a fronteira produtora de soja conhecida como Matopiba, ao lado do Maranhão, Piauí e Bahia, decretava estado de emergência pelo excesso de chuva. A chuva em demasia causa problemas no desenvolvimento da soja e também dificulta a colheita mecanizada.

O impacto negativo do fenômeno climático La Niña era esperado. Começou em meados do ano passado e não chegou a prejudicar a safra de soja, que já havia sido plantada e foi recorde. Neste ano, porém, as consequências do La Niña se anteciparam e estão sendo potencializadas por outro fenômeno, o aquecimento das águas do Atlântico Equatorial, que banha o Nordeste.

Antes dessa virada do clima, as previsões feitas há um mês eram bastante positivas. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projetavam safra recorde. A mais recente estimativa da Conab era de produção de grãos com volume recorde de 291,1 milhões de toneladas, 15% superior ao de 2020/21, quando a lavoura de milho foi afetada pela falta de chuvas, e de aumento da área cultivada. Na estimativa do IBGE, que compreende o ano fechado, a safra também seria superior à de 2021 em 10% para 278 milhões de toneladas, e o clima era considerado favorável.

Estimativas mais atualizadas do efeito climático adverso na produção agropecuária serão divulgadas pela Conab nos próximos dias, mas o Valor apurou junto a consultorias privadas que a colheita brasileira de soja não vai atingir novo recorde, mas sim vai encolher de 11 milhões a 14 milhões de toneladas na comparação com 2020/21, resultado puxado principalmente pelos problemas no Paraná. No Rio Grande do Sul, as perdas parecem mais severas nas culturas do milho e do arroz. O clima afeta também a pecuária e a produção de lácteos, ao influenciar a disponibilidade de alimentos para os rebanhos nos locais já mencionados e em Minas Gerais.

O novo quadro pode frustrar a expectativa de que a agropecuária poderia sustentar a economia neste ano, evitando a temida recessão. A agropecuária representava 6,8% do PIB no terceiro trimestre do ano passado, segundo o IBGE, e o agronegócio, ao redor de 27%, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em novembro, o Bradesco chegou a estimar em 5% o crescimento do PIB agropecuário neste ano. Pouco antes do Natal, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) falava em crescimento de 2,8%. Depois disso, porém, os efeitos do fenômeno climático La Niña se intensificaram, causando forte estiagem nos Estados do Sul e no Mato Grosso do Sul, e chuvas abundantes em Tocantins e Bahia, pondo em dúvida as projeções.

A eventual redução da produção, por outro lado, tende a manter elevados os preços dos produtos agropecuários, tornando-se uma resistência à esperada redução da inflação. A CNA alerta para a expectativa de aumentos nos preços dos insumos, como fertilizantes, defensivos, combustíveis e até do crédito rural, que ficarão mais caros com a elevação dos juros e com o câmbio pressionado.

No ano passado, os alimentos já foram um dos fatores importantes de alta da inflação. A alimentação em domicílio acumulou em 2021 até novembro alta de 9,66%, até acima dos 9,26% registrados no mesmo período pelo IPCA. Outro indicador mostra alta até maior. O preço das commodities agropecuárias - carne de boi, carne de porco, algodão, óleo de soja, trigo, açúcar, milho, arroz, café, suco de laranja e cacau - capturado pelo IC-Br pelo Banco Central (BC) teve alta de 45,23% no ano passado.

O quadro indica que pode não vir da agropecuária o esperado contrapeso na atividade econômica ao impacto negativo já esperado do lado da indústria, nem algum alívio importante na frente da inflação.

 

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