terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Não deixe que prendam Nara Leão

Poema escrito por Carlos Drummond de Andrade ao marechal Humberto Castelo Branco, chefe da ditadura militar no Brasil, em 1966, pedindo que o regime não prendesse a cantora Nara Leão. A irmã de Danuza Leão e musa da Bossa Nova dera entrevista para os jornais na qual fez críticas aos militares, autores do golpe de 1964, que mudou pela força o sistema político brasileiro. Temendo a prisão de Nara, o poeta fez esse primor de apelo:


Não deixe que prendam Nara Leão

“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)
A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”

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