sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

São inaceitáveis os obstáculos contra vacinação infantil

O Globo

Era de esperar que, após os obstáculos iniciais, muitos deles criados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a vacinação infantil no país avançasse sem maiores sobressaltos. Mas não. Em algumas cidades, pais que levam os filhos aos postos de saúde são surpreendidos com exigências descabidas, como a obrigatoriedade de assinar um termo de consentimento, medida que contraria as normas do Ministério da Saúde e funciona como um desestímulo à vacinação.

Como mostrou reportagem do Jornal Nacional, pelo menos duas capitais — Salvador e Belém — estão cobrando o termo de consentimento para vacinar as crianças. Na capital baiana, os pais precisam preencher um longo formulário antes da imunização. A exigência se repete em cidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso.

No estado do Rio, como informou O GLOBO, o termo de responsabilidade estava sendo exigido pelas prefeituras de Itaguaí, Nilópolis, Japeri, Araruama e Mangaratiba. Em Itaguaí, autoridades de saúde chegam ao cúmulo de cobrar, além da autorização, cópia dos documentos dos responsáveis e da criança, absurdo que não tem amparo na legislação. Também funcionam como desestímulo alertas feitos nos postos sobre efeitos adversos das vacinas, que são raros. Algumas cidades recuaram após a repercussão negativa do caso.

Os argumentos para justificar a exigência são ridículos. Prefeituras alegam que é para evitar que posteriormente pais acusem o município de aplicar a vacina sem autorização — isso nunca existiu em outras campanhas. Afirmam ainda que seguem orientação do Ministério da Saúde, o que não é verdadeiro. A nota técnica do ministério recomenda que o termo seja assinado apenas na ausência dos pais ou responsáveis pelas crianças.

O próprio governo contribui para confundir e desinformar. Na quarta-feira, ao anunciar o envio aos estados de novas doses de vacina para crianças, o Ministério da Saúde pediu que os pais procurem a recomendação de um médico antes da vacinação. É preciso deixar claro que não existe essa orientação. Bolsonaro e Queiroga defenderam a vacinação com prescrição médica, mas esse despropósito felizmente foi derrubado pela audiência pública convocada pelo próprio ministro. Para vacinar crianças de 5 a 11 anos, basta levá-las aos postos.

A campanha de vacinação tem sofrido ataques desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do imunizante da Pfizer para crianças em 16 de dezembro. Contrário à imunização, Bolsonaro ameaçou divulgar nomes dos técnicos responsáveis pela aprovação, intimidação inaceitável. O ministro Queiroga inventou uma inédita consulta pública para discutir o óbvio, atrasando o início da campanha. Em algumas cidades, carros de som estão sendo usados para propagar mentiras sobre a vacina.

Imaginava-se que essa página estava virada, mas percebe-se que negacionistas continuam a boicotar a vacinação infantil. Ministério Público e demais órgãos de controle precisam agir para impedir esse absurdo, antes que prejudique a campanha. Crianças estão morrendo de Covid-19. A hospitalização tem crescido com o avanço da Ômicron — o número de crianças internadas em UTIs aumentou 94% nas últimas semanas. Criar obstáculos para que elas sejam protegidas com a vacina é um crime que precisa ser coibido.

País precisa encarar desafio de reduzir a alta letalidade policial

O Globo

Combater o abuso policial deve estar, de uma vez por todas, entre as prioridades do país. Para além de discursos, é preciso adotar medidas com metas ambiciosas e avaliações periódicas. O estudo Monitor do Uso da Força Letal na América Latina e no Caribe 2022, publicado pela Open Society Foundation na terça-feira, reforça o fato de que a polícia no Brasil mata de forma desproporcional. A conclusão não é fruto da comparação com os escandinavos. Por aqui, 11% do total de homicídios em 2019 foram provocados por policiais. Em El Salvador, o percentual foi de 8%, na Colômbia, 2%, no México, 1%. Entre os países pesquisados, somente a caótica Venezuela teve resultado pior.

Frequentemente, porta-vozes da polícia e parte dos políticos nas esferas estaduais e federal argumentam que as forças de segurança só matam porque são recebidas com violência quando abordam suspeitos de crimes. Corretamente, as leis determinam que os policiais podem responder com força letal quando entenderem que suas vidas ou a de terceiros correm iminente perigo. É verdade que situações assim acontecem. Mas dados indicam que a justificativa é bem menos comum do que esses porta-vozes e políticos apregoam.

A quantidade de civis mortos pela polícia em relação a mortes de policiais em serviço é um indicador que os especialistas em segurança pública usam para medir o que chamam de proporcionalidade. Como, em geral, agentes de segurança andam em grupo, usam bons equipamentos e coletes à prova de balas, é normal que, nos embates, morram menos. Mas há um limite e, desgraçadamente, o Brasil está bem acima dele.

Para cada agente brasileiro assassinado em serviço, morrem 114 civis. Um número acima de 10 é considerado excessivo. Colômbia e México, mesmo levando em conta prováveis problemas com os dados oficiais, têm indicadores bem menores. É inaceitável o que acontece aqui.

Se bem empregada, a tecnologia pode ser uma das ferramentas para punir policiais que matam em situações que exigem moderação, não dedo no gatilho. O uso de câmeras nos uniformes de parte dos agentes é uma realidade no Rio, em São Paulo, Santa Catarina e Rondônia. A experiência até agora mostra resultados encorajadores, mas é ingenuidade achar que a simples adoção do aparelho resolve tudo milagrosamente.

Algumas obviedades que, por via das dúvidas, é sempre bom repetir: a câmera precisa estar sempre ligada; tentativas de burlar a captação de imagens devem ser bloqueadas; pressões corporativas para que registros comprometedores sejam “esquecidos” devem ser combatidas; e as punições devem ser exemplares. Dessa forma, maus policiais tenderão a mudar o comportamento, e bons agentes poderão comprovar que só respondem de forma letal quando são atacados violentamente. É preciso dar um basta em tantas mortes desnecessárias.

A meta OCDE

Folha de S. Paulo

Entrar no clube não garante progresso; importa seguir princípios de governança

Em 2017, o Brasil fez o pedido formal de adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição da qual o país já é parceiro de alguma relevância desde 2007. Nesta semana, quase cinco anos depois, a candidatura foi aceita.

Trata-se apenas do começo de um processo que pode levar meia década. O mais recente integrante da entidade, a Costa Rica, membro desde 2021, esperou por seis anos.

A OCDE é um misto de clube, centro de estudos de políticas públicas, de divulgação de estatísticas padronizadas, de organização de tratados e de disseminação de padrões de governança.

Criada em 1961, foi uma espécie de sucessora da instituição que administrou o programa americano para a reconstrução da Europa no pós-guerra, o Plano Marshall. A princípio, seria uma contraparte econômica e de menor relevância da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar ocidental contra o bloco soviético, na Guerra Fria.

A adesão à OCDE exige compromissos, alguns de ordem legal. A organização recomenda princípios de governança adotados por democracias liberais de economias mais desenvolvidas ou que fazem parte do programa de organismos como o Banco Mundial.

Integrar-se ao grupo é, em resumo, um processo de sinalização de virtude segundo o critério de "melhores práticas internacionais" de bom governo. Em termos bolsonaristas, ironicamente, trata-se de rendição ao tal "globalismo".

Os princípios da organização dão ênfase a reformas de mercado, ao respeito à democracia, à promoção do desenvolvimento social e ambiental sustentável, à melhoria da educação e das condições de trabalho, ao combate à corrupção e à cooperação em liberdade de movimentos de capitais, proteção de investimentos e tributação.

No entanto o mero comprometimento legal ou político pode não bastar. No caso brasileiro, a ampla legislação ambiental é encoberta pela evidência de destruição crescente da Amazônia e do cerrado, além do desmonte institucional.

Além do mais, preferências políticas ou exigências paralelas de membros poderosos podem congelar uma candidatura.

Na prática, a adesão à OCDE não implica progresso garantido. Note-se que México e Colômbia são integrantes do clube de 38 países, além de Chile e Costa Rica, entre os latino-americanos.

Se o Brasil conseguisse de fato reformar sua economia, fosse responsável no ambiente e dedicado à melhoria da educação, provavelmente já contaria com sua carteirinha do clube. Muito mais importante, teria criado condições de crescer e se tornar mais civilizado.

SP menos mortal

Folha de S. Paulo

Com tendência incerta em outros crimes, estado prossegue em queda de homicídios

Estatísticas divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública paulista indicam que o estado teve em 2021 o menor número de vítimas de homicídio doloso (quando há intenção de matar) dos últimos 20 anos.

Foram 2.847 vítimas no ano passado ante 3.038 em 2020, queda de 6,3%. Em 2001, no início da série estatística, o estado contabilizou 13.133 homicídios. Na relação do número de assassinatos por 100 mil habitantes, a taxa despencou de 33,3, em 2001, para 6,04 em 2021.

Uma série de políticas implementadas nas últimas décadas geraram resultados positivos e deixaram São Paulo com uma taxa equivalente a um terço da nacional.

Paralelamente, registrou-se também queda de 30% na letalidade policial —de 814 vítimas em 2020 para 570 em 2021. A redução parece refletir uma mudança de orientação do governador João Doria (PSDB) —que surfara na onda bolsonarista, adotando em sua campanha e no início do mandato uma retórica agressiva na área de segurança.

O discurso tolerante com os enfrentamentos foi se atenuando com as mudanças do cenário político, que colocaram o governador em oposição ao presidente da República. Doria passou então a anunciar medidas para conter o número de mortos por policiais.

A mais significativa delas foi a implantação de câmeras corporais na Polícia Militar, providência que gera resultados promissores.

Em sentido contrário, houve no ano passado aumento em outras modalidades de crime, como o estupro —ocorrência, diga-se, tradicionalmente subnotificada.

Essa alta não se observou apenas em São Paulo, o que pode, em tese, sinalizar uma relação com as restrições de circulação impostas pela pandemia, com maior presença de pessoas dentro de residências.

Também os crimes patrimoniais, como furtos e roubos, subiram no território paulista em comparação a 2020. A maior expansão, de 21%, se deu no furto de veículos.

Chama a atenção que, embora se verifiquem oscilações nas estatística de 2021 em relação a 2020, a tendência geral é de queda na comparação com 2019, ano anterior ao início da pandemia.

Especialistas consideram que será preciso estudar com mais profundidade as causas do declínio recente dos homicídios e acreditam que, no tocante aos demais crimes, os dados precisarão ser testados nos próximos anos para que se confirme eventual mudança de patamar da criminalidade.

Bolsonaro hipoteca o futuro

O Estado de S. Paulo.

Cortes na educação em 2022 afetam especialmente a educação básica. Bolsonaro despreza até o que seria, segundo o discurso, uma prioridade do governo

O governo Bolsonaro é ruim em muitas áreas, mas é especialmente sofrível na educação. Ao longo desses três anos, o presidente deu mostras seguidas de que desconhece a importância da educação para o presente e o futuro do País, como também não faz ideia do papel que a União deve ter na coordenação e no diálogo com Estados e municípios a respeito das políticas educacionais. Trata-se de um escândalo completo, mas é também a natural decorrência da própria natureza do bolsonarismo. Um grupo que só se dedica a destruir é necessariamente incompetente para lidar com uma área cuja essência é construir.

O governo Bolsonaro destrói até o próprio discurso. Sem nunca ter apresentado nenhuma proposta para a educação, o bolsonarismo optou pelo caminho das ideias simplistas – e equivocadas. Por exemplo, mais de uma vez, o Ministério da Educação de Bolsonaro criticou a ampliação do acesso ao ensino universitário, como se fosse um capricho caro, desnecessário e incapaz de contribuir para a produtividade do País. A prioridade bolsonarista seria a educação básica, que inclui as três etapas iniciais: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

É uma obviedade, diga-se de passagem, priorizar o ensino básico. Ninguém discorda dessa ideia, nem mesmo quem defende ampliar o acesso à universidade. Afinal, a educação básica de qualidade é condição para qualquer avanço na formação das novas gerações.

No entanto, nem mesmo aquilo que seria, em tese, uma prioridade do governo Bolsonaro é levado a sério. Os vetos de Jair Bolsonaro relativos ao orçamento do Ministério da Educação de 2022 atingiram especialmente a educação básica. De um total de R$ 739,9 milhões de cortes na área educacional, R$ 402 milhões referem-se à educação básica, segundo o Todos Pela Educação.

A entidade emitiu um parecer mostrando preocupação com a decisão do governo. “A retomada das aulas presenciais, com todas as implicações decorrentes da pandemia, não suporta o corte no montante previsto e aprovado pelo Congresso na forma de emendas de comissão e de previsão de despesas discricionárias. Foram atingidas pelos vetos ações de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) relacionadas ao desenvolvimento da Educação Básica (R$ 325 milhões), infraestrutura (R$ 55 milhões) e transporte escolar (R$ 22 milhões). Essas ações são utilizadas para apoiar Estados e municípios na educação básica, especialmente em programas estratégicos, como o fomento às escolas de ensino médio em tempo integral”, disse a nota.

Além disso, essas programações de investimento já vinham sendo objeto de baixa execução por parte do Ministério da Educação. Por exemplo, até o segundo quadrimestre de 2021, houve queda de 63% na dotação discricionária de infraestrutura da educação básica. O Todos Pela Educação alerta que a falta de prioridade do governo em relação à educação básica coloca Estados e municípios “à mercê das indicações de emendas impositivas e de relator”.

Esta é a realidade do governo Bolsonaro: incompetência, omissão e confusão. Nunca é demais lembrar que Jair Bolsonaro chegou ao acinte de nomear para a chefia do Ministério da Educação o sr. Abraham Weintraub, aquele que, no cargo, bateu recordes de ineficiência e agressividade e ainda saiu às pressas do País, após ser incluído como investigado no inquérito referente a ameaças contra o Supremo Tribunal Federal. Como se isso não bastasse, o sr. Milton Ribeiro, sucessor de Weintraub, é também especialmente hábil em manifestar sua absoluta falta de afinidade com a administração de políticas públicas educacionais.

Enquanto corta verbas do ensino básico, Bolsonaro se esforça para manter e até mesmo ampliar os recursos requeridos por parlamentares para se promoverem e disputarem eleições. Ou seja, Bolsonaro hipoteca o futuro das crianças – que não votam – para pagar a conta de sua sobrevivência política. Assim, a passagem de Bolsonaro pelo poder deixará sequelas terríveis nas próximas gerações.

O dilema das usinas na Amazônia

O Estado de S. Paulo.

Estudos sobre novas hidrelétricas no Norte precisam estimar todos os custos com realismo para permitir à sociedade fazer escolha consciente

A retomada de estudos sobre a construção de hidrelétricas na Região Amazônica é uma boa notícia para o País, desde que os custos desses empreendimentos sejam devidamente catalogados e alocados nos projetos, e não apenas nas tarifas pagas pelo consumidor. Como o Estadão revelou, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a Eletrobras e sua subsidiária Eletronorte a elaborarem relatórios sobre a viabilidade técnica e econômica das Usinas de Jamanxim, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos Patos, na Bacia do Rio Tapajós, no Pará. Juntas, elas teriam capacidade de produzir energia suficiente para abastecer mais de 3 milhões de famílias.

A despeito das necessidades de expansão do sistema elétrico e do aumento de sua confiabilidade, evidenciadas ao longo de 2021, quando o País esteve à beira de apagões, a ideia só terá alguma chance de sucesso se todos os riscos do projeto forem devidamente considerados. Os desafios vão muito além de questões socioambientais. Embora seja plenamente possível construir usinas de grande porte na Região Norte, não se trata de tarefa fácil ou barata, e os problemas permanecem mesmo depois de anos de sua conclusão. É o caso das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, e de Belo Monte, na Bacia do Xingu.

Licitadas com alarde pelo critério da menor tarifa durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, essas três usinas são alvo recorrente de propostas de parlamentares que tentam socorrê-las por meio de jabutis embutidos em medidas provisórias. Os consórcios formados para disputa desses empreendimentos contaram com a participação de subsidiárias da Eletrobras, uma garantia de que não haveria obstáculos para renegociar as “patrióticas” taxas de retorno previamente estabelecidas. Em um enorme conflito de interesses, grandes construtoras se associaram aos projetos e contratavam a si mesmas para tocar as obras. Elevar os gastos era de interesse da empreiteira, enquanto a cobertura dos custos era dividida entre todos os integrantes da concessionária – que, depois, repassavam tudo para as contas de luz.

Outra despesa que foi menosprezada à época foram as redes de transmissão. As três usinas exigiram a viabilização de linhas de mais de 2 mil quilômetros de extensão para transportar eletricidade até a Região Sudeste, onde fica o maior mercado consumidor. Para reduzir o valor do investimento necessário, o governo propositalmente subestimou os custos dessa estrutura para os geradores, e quem pagou a conta, como sempre, foi o consumidor. Por fim, quem financiou 70% das obras foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas subsidiadas bancadas pelo Tesouro Nacional. Nem mesmo todos esses artifícios foram suficientes para resolver as dificuldades econômico-financeiras dessas usinas.

O potencial hidráulico inexplorado no País se concentra justamente na Região Norte. Nos últimos nove anos, porém, nenhuma usina de grande porte foi licitada, enquanto projetos cujos reservatórios afetariam diretamente terras indígenas tiveram o licenciamento ambiental arquivado. Dar andamento a esses estudos em um momento em que a política ambiental e indigenista do País é questionada no exterior pode ser um entrave. Por outro lado, um parecer que contemple compensações às comunidades afetadas pode ser encarado como uma sinalização de que o País levará a sério os compromissos de descarbonização. Por fim, não se pode ignorar o efeito das mudanças climáticas na região, que pode trazer impactos profundos no regime de chuvas e nos rios – e, consequentemente, na vazão das hidrelétricas, aumentando os gastos necessários e reduzindo o retorno do investimento. Todos esses fatores precisam ser estimados com precisão para que a sociedade possa fazer uma escolha consciente entre as diversas fontes de energia. Construir usinas na Região Amazônica é possível e pode ser de interesse da coletividade, mas levantar esses custos de forma artificial é seguir o caminho do fracasso que o País já conhece bem.

PEC de combustíveis traria um grande desperdício de recursos

Valor Econômico

Cada passo que Bolsonaro dá piora suas condições eleitorais

O governo de Jair Bolsonaro ampliou suas ações para destruir a ordem fiscal do país, com a profusão de projetos eleitoreiros que nada resolvem e ainda desfiguram a Constituição. A Proposta de Emenda Constitucional para retirar os impostos federais sobre combustíveis, e autorizar os Estados a fazerem o mesmo com o ICMS, parece, se for em frente, um exemplo acabado de proposta inócua para os fins a que se pretende, mas cujos malefícios para as contas públicas e saúde da economia são enormes. A disparidade entre possíveis benefícios e danos tende a fazer o governo mudar de ideia.

Bolsonaro está tornando a Constituição uma lata de lixo, usando-a para contornar e invalidar leis ordinárias que impedem o governo de agir irresponsavelmente, ou, então, anular cláusulas que tornam obrigatório o pagamento de dívidas pelo Estado, como no caso dos precatórios, em que a possibilidade de calote foi inscrita na Carta Magna, afrontando decisões da Justiça transitadas em julgado. A PEC dos combustíveis burla o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que a renúncia fiscal seja compensada por aumento de outras receitas. A PEC desobriga a compensação.

Como o presidente, com a ajuda de seus aliados do Centrão, só pensa em reeleger-se, o projeto poderia também incluir a retirada de PIS/Cofins das contas de energia elétrica. O custo disso seria enorme, bem superior aos R$ 50 bilhões que foram destinados ao Orçamento com a PEC do calote dos precatórios. Os impostos federais somam 10% do preço da gasolina e 6% do diesel (já isento da Cide). Sua arrecadação equivale a 0,8% do Produto Interno Bruto, ou seja, a renúncia apenas para combustíveis seria de algo em torno de R$ 63 bilhões. Estimativas para a isenção na energia elétrica acrescentariam mais R$ 50 bilhões. Somados, tornar-se-iam a maior renúncia de todas - foram R$ 315 bilhões que deixaram de ser arrecadados pela União em 2021.

Sem compensação de receitas, a PEC pioraria o déficit primário, previsto em R$ 170 bilhões em 2022, e aumentaria a dívida pública, porque os débitos serão pagos por títulos do Tesouro lançados a mercado, cujas taxas de juros estão em alta com a elevação da Selic e cujo custo implícito foi de 11,8% em novembro. Se a PEC for enviada, aprovada e aplicada por um ano, o custo da aventura subiria mais R$ 12 bilhões.

Sempre em guerra com os governadores, Bolsonaro julgou-se esperto ao arquitetar uma arapuca eleitoral para eles, podendo inserir na PEC uma permissão para que os Estados reduzam o ICMS. Não contou com a astúcia dos governadores, que decidiram manter o imposto sobre combustíveis sem aumentos por mais 60 dias. De qualquer forma, a renúncia custaria muito para os Estados, se fosse total, como a da União. Seriam R$ 170 bilhões, cerca de 23% de sua arrecadação total. Como não podem emitir dívida, perderiam muito em um ano eleitoral em que seus cargos estarão também em jogo.

Não bastassem os custos pesados dessa benesse com o dinheiro de todos, a medida seria de baixa ou nenhuma eficácia. A alta dos combustíveis se deve à evolução dos preços do petróleo, cujas cotações se elevarão em 2022, mas não tanto quanto em 2021, e do câmbio. O dólar subiu junto com as commodities, quando historicamente cairia, e não o fez pelas estripulias do governo Bolsonaro.

Dessa forma, a redução dos impostos federais poderia trazer uma economia muito provisória de R$ 0,61 por litro de gasolina e R$ 0,13 no diesel, ou 10% e 6% respectivamente. Analistas privados dizem que a defasagem de preços da Petrobras já é hoje de 6%. O petróleo ainda tem espaço de 7% a 15% para avançar, se as projeções do barril a US$ 90 e US$ 100 estiverem corretas. Ou seja, mesmo que o dólar fique parado, uma hipótese heroica com esse governo, os preços continuarão subindo.

Não há solução a curto prazo para o problema. A proposta no Senado de criação de um Fundo de Estabilização tem méritos, mas a baixa continuidade de políticas nas administrações federais possivelmente fariam com que o fundo fosse abandonado tão logo os preços se estabilizassem e o dinheiro seria usado para outros gastos. Sua capitalização, por outro lado, leva tempo.

Cada passo que Bolsonaro tenta dar piora suas condições eleitorais. Ele só pioraria seus problemas aumentando rombo fiscal, dificultando a queda da inflação e piorando ainda mais sua avaliação junto aos eleitores. Tudo leva a crer que ele não daria esse passo.

 

 

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