quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*: A volta dos negativados

Vejam eles aí! gritando: “Nós que vamos morrer te saudamos!” São os negativados.  Por necessidade gerada pela falta de emprego ou induzidos pelos bancos, em sua liquidez, os inadimplentes estão de volta. Foram surpreendidos por uma taxa de juros (Selic) pulando, em um curto espaço de tempo, de 2 para 10,75%, prometendo para breve superar a casa dos 12 %.  

Uma das primeiras vítimas, foi a política imobiliária, geradora de negócios e de emprego, Teve seu o índice potencial de vendas revisto de 300 mil para 160 mil compradores, o que pode provocar um maior desaquecimento do setor e agravar o número de desocupados no País.

Por sua vez, a inflação (IPCA) fechou janeiro, no acumulado, com uma elevação de 10,38 %, sendo que alguns produtos, inclusive de primeira necessidade, como as carnes, atingiram patamares superiores a 50%.  A inflação de 3,5% com tolerância, perseguida pelo BC, de mais 1,5%, fechou o ano em 10,38%. Para 2022, é estimada em 5,4% (Meta?!...) O pico da inflação previsto pelo Ministério da Fazenda para o último trimestre do ano, ou seja, para depois das eleições, segundo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai acontecer em abril e maio. O Ministério da Fazenda previra para o último trimestre do ano, depois das eleições.

As políticas públicas estão, algumas, sem direção e outras quase falidas. Para agravar esse quadro, as chuvas no Leste e no Centro-Oeste, e as secas no Sul coincidem com ano de safras ruins. Não tem magia que resolva essas coisas, adverte o presidente do Banco Central.

  

Diante de um quadro como esse, fica evidente que a avidez eleitoral de alguns para chegar à Presidência da República não passa de fantasias pessoais. Revela uma falta de conhecimento ou um total desprezo pelo quadro da economia que se anuncia para todo o ano de 2022, com previsões sombrias para 2023.

Em palestra, para banqueiros e empresários de São Paulo, o presidente do Banco Central deixou transparecer algumas dessas preocupações, e advertiu aos bancos, pontualmente, sobre a volta dos esquecidos negativados. Sempre foram muitos, mas agora são milhares, os que foram estimulados pela euforia das falsas estatísticas.

Por precaução, o Banco Central “já tem definida uma política para aqueles que estão comprometidos na cadeia de crédito”, revelou. Existem leis protegendo o consumidor e o cliente bancário, mas a desqualificação da governabilidade deixa credores e devedores inseguros e desconfiados. Em quem e em que dado se pode confiar! A recessão bate às portas de uma visível estagnação.

Pelo discurso oficial, a atividade econômica expandiu 4,5% em 2021. Ora, não é essa a questão. A economia brasileira está presa a verdadeiras “armadilhas”, representadas nos favores estatais, nas aplicações improdutivas e em baixas taxa de investimentos.   Os governantes   parecem ter perdido o controle dos indicadores, e a política fiscal sobre a economia, de tal forma que as metas para a inflação não conseguem mais dar certo.  O BC esquiva-se, tentando amparar-se em cenários e metas, que não se confirmam, e o Congresso faz prenúncios ainda de uma flexibilização fiscal.  Conserta-se depois ou nunca: empurrando com a barriga.  

A contrapartida empresarial é insistir na redução dos impostos e na manutenção dos privilégios fiscais, que não são poucos. Os estados reivindicam o direito ou a prerrogativa de eles mesmos estabelecerem os percentuais do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias, pelo qual guerreiam entre si, ignorando o Governo Federal e os consumidores.  Não estão nem aí para um endividamento astronômico, pressionando, seguidamente, por novos ajustes para a dívida astronômica, sempre acompanhado de novos pedidos de repasses federais.  Em época de eleição tudo é possível.

Voltando aos endividados e aos negativados mesmo, a assistência aos sem renda deve sofrer uma peneirada a partir de 2023. O empresariado está sendo aconselhado pelos think tanks da economia a ter em mente a “sustentabilidade”.  A política de “renda básica” para a população carente não deveria amparar-se mais somente na ideia de que a “demanda gera oferta”, porque esta pode estar escassa também.  

As empresas são advertidas a prestar atenção aos ativos intangíveis (ambientais, humanos, sanitários, e na distribuição mais justa dos salários), chamados de ESG, uma Governança Ambiental, Social e Corporativa. O modelo obriga os contadores a se tornarem especialistas em dados ambientais, sociais e de governança. Os outrora cabulosos, hoje simples relatórios ambientais, baseados nos ISOs (International Standard Organization), poderão ser enterrados, conforme prevêm esses senhores donos das novas tendências econômicas.   Vem aí a cobrança por uma “avaliação da consciência”, dizem.

Enfim, cada vez há menos espaço para as vulgaridades populistas: essa busca dos protagonismos pessoais nas eleições traçando quadros equivocados da realidade, geradores de falsas esperanças. A economia está requerendo esforços mais criativos e pragmáticos, o que, aparentemente, nenhum dos candidatos ofereceu até agora.  Uma coisa é certa: endividados, negativados, desempregados, carentes, doentes e analfabetos não só não estão mais sozinhos neste mundo, como já se reconhecem. 

*Jornalista e professor 

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