sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Bernardo Mello Franco: Outras palavravas

O Globo

Ainda vai longe o debate sobre a liberação de paródias musicais nas eleições. Na quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça voltou a analisar o processo da editora de Roberto Carlos contra o deputado Tiririca. O ministro Luis Felipe Salomão considerou que o palhaço não precisa pagar indenização por ter imitado o Rei na campanha de 2014. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista.

Em mensagem enviada à coluna, Caetano Veloso se mostrou preocupado com as consequências da disputa judicial. “Nunca deixarei, se me for permitido impedir, que a melodia de ‘O leãozinho’ ou ‘Odara’, ‘Você é linda’ ou ‘Alegria, alegria’ seja usada para fazer eleitores votarem em figuras que representem o que eu abomino”, afirmou.

“Tampouco quero que qualquer canção minha sirva para vender produtos que eu considere malignos. Eu, que até hoje não vendi nem uma nota ou sílaba para publicidade”, prosseguiu. “Suponho que tenho direito moral personalíssimo sobre minhas composições.”

O jornalista, letrista e produtor musical Nelson Motta, meu colega aqui no GLOBO, manifestou o mesmo receio. “Como compositor que vive do seu trabalho, da exploração remunerada de sua criação, não me parece correto alguém usá-la de graça e ainda deturpá-la para se beneficiar numa eleição”, disse. “Eu não ficaria nada satisfeito se o Bolsonaro fizesse uma paródia de ‘Dancin’ days’ como ‘Abra suas asas/ solte suas feras/ sopre seu apito/ pra eleger o mito’ ”, brincou.

Caetano e Nelson participam ativamente do debate político, mas o tema também preocupa artistas que se mantêm longe dos palanques. “Jamais liberaria uma música minha para campanha política, nunca declarei voto antes de eleições e não gostaria que meu público tivesse a impressão de que eu autorizei o uso”, escreveu Marisa Monte.

Na visão de Joyce Moreno, a disputa entre o palhaço e o Rei pode criar “um precedente perigoso” e abrir caminho para um “vale-tudo na área autoral”. “Paródias podem ser excelentes, e quem acompanha o genial Edu Krieger sabe disso. O problema é o uso político, e muitas vezes mal-intencionado, da obra. Nesse caso específico, Tiririca x Roberto, os autores têm todo o direito de reclamar”, defendeu.

 

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