sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

‘PL do Veneno’ traz riscos para a saúde e o meio ambiente

O Globo

Foi irresponsável a aprovação, pela Câmara, do projeto de lei 6.299/02, apelidado de “PL do Veneno” por flexibilizar o controle e a autorização de agrotóxicos no país. A pretexto de modernizar e desburocratizar as normas do setor, a proposta, mais uma das tantas “boiadas” que o governo Bolsonaro passa por cima da legislação e do bom senso, embute riscos seriíssimos ao meio ambiente e à saúde. A desfaçatez é tamanha que chega a trocar a nomenclatura de “agrotóxico” para “pesticida”, como se isso pudesse mudar os efeitos das substâncias químicas.

O projeto contém inúmeras aberrações. A primeira é conferir ao Ministério da Agricultura a competência exclusiva para autorizar novos agrotóxicos. Hoje, essa atribuição é compartilhada com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — que cuida da saúde dos brasileiros — e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) — que trata dos riscos ambientais. Pelo novo projeto, Anvisa e Ibama continuarão se pronunciando, mas não terão mais poder de veto. Infelizmente, se rompe o equilíbrio necessário num tema que não pode ser analisado de forma unilateral.

Outra barbaridade do projeto é prever proibição do agrotóxico somente em casos de risco “inaceitável”. Pergunta óbvia: até onde se aceitariam os riscos que poderão incidir sobre a saúde e o meio ambiente? Um terceiro ponto controverso é ele permitir o uso de agrotóxicos com registro temporário. A autorização provisória passaria a ser concedida automaticamente quando a análise ultrapassar os prazos previstos. Na prática, esse afrouxamento permitirá a venda de produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente sem estudo prévio sobre danos (a única exigência é que estejam em uso em pelo menos três países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, OCDE).

Os riscos da tal modernização representam retrocesso inegável. Ao analisar o projeto de lei em 2018, os cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Guilherme Franco Netto e Marco Antônio Carneiro Menezes atestaram que ele, “além de promover o completo desmonte da regulação dos agrotóxicos no país, claramente prioriza os interesses econômicos e põe em risco toda a sociedade, com repercussões de curto, médio e longo prazos”.

O problema não está, por óbvio, no uso do agrotóxico em si, necessário para a garantir a qualidade e a competitividade da produção agrícola. Está no uso sem controle. A história comprova como tais produtos podem conter substâncias cancerígenas, nocivas à saúde ou ao meio ambiente. Representam risco para trabalhadores da lavoura, populações vizinhas e consumidores em geral. É por isso que as autorizações precisam ser criteriosas, embasadas em critérios técnicos e científicos, não políticos. Excluir órgãos como Anvisa e Ibama das decisões é um absurdo, pois essa lacuna não será preenchida pelo Ministério da Agricultura. Cada um tem atribuições específicas.

O pujante agronegócio brasileiro merece uma legislação moderna, alinhada com a de outras potências do setor. Mas isso não pode significar o “liberou geral” que põe em risco a saúde da população e a preservação do meio ambiente. O Senado, para onde seguirá o “PL do Veneno”, tem obrigação de depurar a proposta. Ou as consequências para o país no médio e longo prazos serão desastrosas.

Corte do orçamento da CVM é ameaça ao mercado de capitais

O Globo

Foi-se o tempo em que as notícias sobre a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) interessavam apenas ao mundo financeiro. Hoje, os assuntos envolvendo o xerife do mercado de capitais têm apelo maciço. O Brasil reúne 3 milhões de investidores em ações e 4,2 milhões com contas abertas em corretoras de valores. Nos últimos 12 meses, 1,5 milhão de pessoas passaram a operar nesse mercado. Metade dos brasileiros da classe A e 30% da B investem em produtos financeiros, segmento em que as aplicações destinadas a títulos e fundos têm crescido nos últimos anos.

É essencial, para a segurança desses investidores, que a CVM tenha condição plena de fiscalizar o que se passa entre os agentes econômicos, disciplinar eventuais falhas e desenvolver regras em novas frentes. Está em jogo, sem exagero, a credibilidade do mercado. Causa estranheza, portanto, a decisão do governo federal de reduzir em mais de 50% o orçamento previsto para manutenção das atividades da CVM.

O corte não veio acompanhado de justificativa que fizesse sentido, estudos que apontassem desperdícios de gastos ou áreas pouco produtivas. Há cerca de dez anos não há concurso público para a autarquia. A CVM gera receita com a cobrança de taxas de fiscalização. Parte desses recursos deveria custear suas despesas, mas tem sido destinada diretamente ao Tesouro Nacional. Ex-diretores do órgão descrevem a situação como asfixia.

É dever do governo federal tratar da recomposição do orçamento. O bom funcionamento do mercado de capitais é essencial num país como o Brasil. Num ciclo virtuoso, ele funciona como o canal de comunicação entre a poupança doméstica e as necessidades de recursos das companhias. Para atrair capital, as empresas são incentivadas a ser transparentes, ter boa governança corporativa e a alocar o dinheiro de forma eficiente. Quando isso ocorre sem sobressalto, aumentam as chances de investidores receberem retorno pelo que aplicaram e de as empresas obterem mais acesso a capital. Esse ecossistema é o melhor indutor de crescimento econômico e criação de empregos que se conhece. Não há companhias escolhidas a dedo por burocratas, não há “campeões nacionais” preferidos por políticos, não é o Estado que decide onde alocar os recursos.

O mercado de capitais tem cumprido sua parte. As emissões de papéis no ano passado somaram R$ 722 bilhões, o maior montante em um único ano, de acordo com a própria CVM. Somente o mercado de dívida cresceu 98% na comparação com 2020. Quanto ao futuro, todas as sirenes foram ligadas. O país não tem motivos para amarrar a CVM com restrições orçamentárias sufocantes que darão margem a erros evitáveis. Há outras áreas da máquina pública em que cortes fariam muito mais sentido, a começar pelos privilégios inaceitáveis da elite do funcionalismo. É hora de agir.

Caminho estreito

Folha de S. Paulo

Desempenho fraco na largada e articulação de Lula com o centro pressionam 3ª via

Tem sido acidentado o percurso dos que entraram na corrida presidencial apresentando-se como opção para os eleitores que estão fartos de Jair Bolsonaro (PL) e tampouco querem o petista Luiz Inácio Lula da Silva de volta.

Até aqui, as pesquisas indicam que nenhum desses pretendentes reuniu apoio suficiente para tirar o atual ou o ex-presidente do jogo antes do segundo turno —e o desconforto cresce enquanto os números nas sondagens mudam pouco.

Lançado como candidato do PSDB em novembro, quando venceu uma tumultuada prévia interna, o governador João Doria alcançou no máximo 4% das intenções de voto desde que pisou em campo.

Adversários de Doria começam a se mexer para explorar o descontentamento interno e cogitam até lançar por outra sigla o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, derrotado nas prévias.

O ex-juiz Sergio Moro (Podemos), que também entrou na pista no fim de 2021, aparece nas pesquisas empatado com Ciro Gomes (PDT), cada um com no máximo 9% das preferências. Ambos continuam longe de representar ameaça a Lula ou Bolsonaro.

Duas máquinas políticas expressivas, o MDB, que lançou a senadora Simone Tebet (MS) como opção, e a União Brasil, resultado da recém-consumada fusão do PSL com o DEM, ainda não definiram o rumo a tomar na sucessão.

De acordo com os levantamentos mais recentes, os eleitores que veem nesses nomes uma alternativa eleitoral demonstram pouca convicção. A maioria afirma que poderá trocar de camisa se outro personagem com maior apelo surgir.

A situação é diametralmente oposta para os que estão na frente da corrida. A maioria dos apoiadores de Lula e Bolsonaro diz que sua opção é definitiva e não pensa em mudar de opinião.

A nove meses da eleição, é obviamente prematuro concluir que o quadro se manterá inalterado até o encontro do país com as urnas. Mas o momento é sem dúvida inóspito para a chamada terceira via.

Com mais de 45% das intenções de voto, Lula tem aproveitado a vantagem para ampliar o espectro de suas alianças. Ofereceu a vaga de vice ao ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB e está sem partido, e estendeu a mão para siglas partidárias que estão à sua direita, como o PSD do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab.

Os resultados dessas articulações ainda são incertos, e elas certamente alimentarão tensões com os seguidores de Lula à esquerda se prosperarem. O efeito mais imediato da movimentação, entretanto, será tirar oxigênio dos que acreditavam corresponder aos anseios do eleitorado que busca outro caminho, mais ao centro.

Agropolêmica

Folha de S. Paulo

Senado deve debater com rigor técnico itens controversos de texto para pesticida

Aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados, o projeto de mudança na legislação que rege o controle de agrotóxicos suscita não poucas controvérsias.

A proposta, que tramita no Congresso há cerca de 20 anos, encontrava-se empacada desde que o substitutivo de Luiz Nishimori (PL-PR) foi votado numa comissão especial da Câmara em 2018. Agora, recebeu ampla maioria dos votos da Casa (301, ante 150 contrários).

O aspecto mais discutível do texto concerne aos procedimentos para a chancela de pesticidas.

Atualmente, o registro depende de uma avaliação do Ministério da Agricultura, da Anvisa e do Ibama, sendo os dois últimos responsáveis pelas análises dos impactos na saúde pública e no ambiente. Em essência, o projeto reduz poderes dos órgãos técnicos, concentrando a decisão na Agricultura.

Pelo novo desenho, que visa simplificar o trâmite, a agência de vigilância sanitária e o instituto de controle ambiental ficariam responsáveis por produzir relatórios a serem entregues ao ministério.

Não vêm apenas de ambientalistas as críticas à ideia. Em 2018, diversas instituições, em particular Anvisa e Fiocruz, argumentaram que assim terminará enfraquecido o sistema regulatório.

Já os defensores da alteração consideram que a burocracia e a lentidão do processo —que fazem com que produtos importantes para as lavouras possam demorar exorbitantes oito anos para chegar ao mercado— retardam a transformação do setor agrícola num mercado competitivo, que demanda produção em larga escala.

Outro ponto a ser debatido em maior detalhe no projeto de lei diz respeito às proibições de pesticidas, que hoje abarcam produtos que podem causar malformações fetais, mutações, tumores e distúrbios hormonais.

Propõe-se que passem a ser vedados somente os agrotóxicos que apresentam um "risco inaceitável" para seres humanos ou meio ambiente —condição que o texto não esmiúça como deveria.

Assim, espera-se que o Senado, para onde o projeto retorna, possa, amparado em argumentos consistentes e estudos técnicos, fazer uma discussão serena da proposta e encontrar um ponto de equilíbrio que não transija com medidas que venham a desproteger a saúde pública e agredir o ambiente.

Não parece crível que seja do interesse do agronegócio manchar a imagem de seu processo produtivo.

Falta dinheiro até para o agro

O Estado de S. Paulo

Sequestrado por emendas parlamentares, Orçamento já é insuficiente para equalização de empréstimos de um setor que sustenta a economia

A falta de recursos para equalização de empréstimos para o agronegócio diz muito sobre o improviso do governo, uma das principais marcas da gestão Jair Bolsonaro. Dos R$ 7,8 bilhões aprovados no Orçamento pelo Legislativo, 99% já foram usados, o que obrigou o Ministério da Economia a suspender a contratação de novas operações pelas instituições financeiras neste mês. Em pleno fevereiro, simplesmente não há mais dinheiro para colocar de pé o Plano Safra até junho, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

A importância do agronegócio para o País é inegável. O setor tem sido essencial para a obtenção de saldos comerciais positivos. No ano passado, o superávit do segmento foi de US$ 105,1 bilhões, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), alta de 19,8% em relação a 2020. Impulsionadas pela recuperação dos preços das commodities e da economia global, as exportações bateram recorde histórico e totalizaram US$ 120,6 bilhões. Em janeiro, quando o mercado projetava que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceria 0,5% em 2022, a estimativa para o desempenho da cadeia do agronegócio era de um avanço de 3,5% a 5%, em contrapartida à queda esperada para o comércio, a indústria, os serviços e o consumo das famílias, corroídos pela inflação elevada e pelo aumento dos juros. De lá para cá, a única coisa que mudou foi a perspectiva para o crescimento do PIB, reduzida a 0,30% na edição mais recente do relatório Focus. É consenso que o tombo seria ainda maior sem a contribuição do setor.

Por tudo isso, é quase inacreditável que uma área que tem sido a tábua de salvação da economia seja tratada com tanto desmazelo. O principal motivo que explica a falta de recursos para a equalização do crédito rural é a subida da taxa básica de juros, hoje em 10,75% ao ano, mas o ciclo de alta promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central começou há quase um ano, quando a Selic aumentou de 2% para 2,75%. Esse movimento apenas se acentuou ao longo dos últimos meses, de modo que não deveria ser surpresa para ninguém o fato de que o dinheiro poderia acabar mais rápido.

O Plano Safra foi lançado em junho e, no mês seguinte, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com uma projeção média para a Selic de 6,63% ao ano. Em dezembro a taxa já estava em 9,25%, mas nem assim houve alteração nos parâmetros evidentemente defasados. O resultado é que faltam mais de R$ 3 bilhões para cobrir a diferença entre o custo efetivo cobrado dos bancos nas operações e o valor pago pelos produtores rurais. Uma parte do dinheiro poderá ser remanejada a partir de dotações do Ministério da Agricultura, mas ainda assim será preciso apelar a um crédito suplementar, ainda a ser enviado pelo governo e aprovado pelo Congresso. Antes, o Executivo terá que fazer cortes no mesmo valor em outras áreas, e, até que isso ocorra, não será possível fechar novos financiamentos – dá até medo pensar nos alvos do contingenciamento.

Esse é mais um capítulo da ficção que se tornou o Orçamento da União sob o comando de Jair Bolsonaro. Nessa tragicomédia que contou com a participação da poderosa bancada ruralista, governo e Legislativo se preocuparam mais em blindar os escandalosos recursos destinados a emendas parlamentares, de R$ 35,6 bilhões, preservar os R$ 4,96 bilhões reservados ao fundo eleitoral e garantir R$ 1,7 bilhão para o reajuste de servidores federais. É impressionante a dimensão do desmonte promovido em áreas tão diversas quanto as políticas fiscal, social, ambiental e educacional, para citar apenas algumas, mas nem a área que tem sustentado a esquálida economia recebeu a atenção necessária dentro de uma peça que prevê despesas de R$ 4,7 trilhões. Vale lembrar que, no passado recente, esse problema foi a origem das pedaladas fiscais que deram base ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como provavelmente Bolsonaro não será afastado, a despeito das inúmeras razões para isso, resta torcer para que a tempestade semeada por seu governo passe logo, antes de causar ainda mais estragos.

Os extremos do Ministério Público

O Estado de S. Paulo

O Ministério Público parece alternar entre a perseguição abusiva sem provas e a atual passividade da PGR perante as provas. As duas situações têm o mesmo erro de fundo

Na semana em que se completaram 100 dias da apresentação do relatório da CPI da Covid, sem que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tenha iniciado uma investigação formal a partir do que o Senado apurou, foi noticiado que o ex-presidente Michel Temer e outros sete investigados foram absolvidos sumariamente no processo oriundo da Operação Radioatividade. O juiz da 12.ª Vara Federal Criminal de Brasília entendeu que a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) era inepta, por ausência de justa causa. A suspeita baseava-se apenas em delação, que não foi minimamente comprovada pela investigação.

Tanto a atual passividade da PGR em relação ao relatório da CPI da Covid como a denúncia inepta do MPF contra Michel Temer não são casos isolados. Muito frequentes nos últimos anos, as duas situações representam comportamentos extremos – e igualmente equivocados – no modo de lidar com as suspeitas e indícios de crime. É urgente que a atuação do Ministério Público seja pautada menos por idiossincrasias de seus membros e mais pela lei.

Para denunciar uma pessoa, o Ministério Público precisa ter elementos mínimos sobre a materialidade e a autoria do crime. Não cabe fazer pressuposições ou ilações, como também não cabe basear-se exclusivamente em declarações feitas no âmbito de uma colaboração premiada. É preciso apurar e checar, de forma a obter uma mínima comprovação. Assim o exige a lei.

No entanto, não obstante a clareza da legislação, nos últimos anos, deu-se – especialmente em torno da Operação Lava Jato, mas não apenas dela – uma relativização das exigências para a propositura da ação penal e para a decretação de medidas restritivas de liberdade. Parecia que bastava o caráter escandaloso de uma delação para justificar, por exemplo, a decretação de uma prisão preventiva. Tanto é assim que o mesmo caso, que agora a Justiça diz não ter substância sequer para iniciar a ação penal, foi usado em 2019 como pretexto para prender o ex-presidente Michel Temer. O uso sem critério da delação – como se ela pudesse substituir o trabalho investigativo, como se fosse idônea para provar por si só alguma coisa – facilita enormemente a ocorrência de injustiças e erros judiciários.

A constatação do caráter abusivo desse comportamento do Ministério Público, tão frequente nos últimos anos, não autoriza, no entanto, o outro extremo, caracterizado pela omissão e passividade diante de indícios de crime. Não se conserta abuso com omissões. Corrige-se abuso com o cumprimento da lei.

Nesse sentido, deve-se advertir que o comportamento atual da PGR está aquém de suas competências constitucionais. Veja-se o caso do relatório final da CPI da Covid. O documento não se baseia em delações ou em complexas elucubrações. O trabalho dos senadores reuniu um robusto conjunto de indícios de crime, que em boa medida são de conhecimento público e prévios à própria instauração da comissão.

Por isso, é no mínimo peculiar que, após receber o relatório final da comissão, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tenha se limitado a instaurar alguns procedimentos preliminares, que tramitam inacessíveis aos olhos do público e dos quais, desde então, não se teve mais nenhuma notícia.

Perante tudo o que o Senado apurou, não basta o Ministério Público instaurar um procedimento preliminar. É preciso um efetivo andamento das investigações. Até para que, se for o caso, a PGR possa explicar as razões pelas quais entende, por exemplo, não ter havido crime ou não ter prova suficiente contra o presidente Jair Bolsonaro ou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

É de fato estranha essa disparidade de comportamento do Ministério Público. Antes, bastava uma delação para perseguir e prender pessoas, inclusive um ex-presidente da República. Agora, meses de trabalho do Senado, com a reunião de sérios indícios, são incapazes de mover a PGR. As duas situações padecem, no entanto, do mesmo erro: o abandono da lei. Em ambas, o processo penal foi substituído pela simples “convicção”, pela mera vontade – ora de condenar, ora de perdoar.

Governo cria tumulto sobre corte de preço de combustíveis

Valor Econômico

Toda a agitação em torno do tema só produziu descrédito e efeitos negativos sobre a política monetária

Enquanto o governo ainda procura saber o que quer fazer com os preços dos combustíveis, com total falta de norte ou planejamento, já são quatro os projetos com este objetivo que circulam no Congresso. Se o governo de Jair Bolsonaro não estimulasse a algazarra fiscal, que jogou o dólar para cima, os reajustes dos combustíveis seriam uma fração do que foram, embora, mesmo assim, houvesse aumentos compatíveis com o salto das cotações internacionais para além dos US$ 90 o barril. Com o avanço geral dos preços das commodities, o real sempre se valorizou, aparando grande parte da alta das cotações. Não mais no governo Bolsonaro.

É ano eleitoral, o presidente quer se reeleger para continuar não governando o país, e está mal nas pesquisas, enquanto que a inflação é a mais alta desde 2015. O governo furou o teto com o aval do desprestigiado ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro tem foco fixo nos caminhoneiros, mas, como os aumentos de energia e petróleo afetam toda a economia, o projeto eleitoreiro foi retirar os impostos federais sobre combustíveis, após conceder subsídio de 50% para o gás de cozinha para população de baixa renda.

Como o presidente pôs a culpa da alta dos preços nos tributos estaduais, era preciso encontrar uma forma de reduzi-los. A ideia foi, por meio de uma proposta de emenda constitucional, autorizar os Estados a fazê-lo de forma que os que não cortassem ICMS fossem cobertos com o manto da impopularidade - e 16 governadores tentam a reeleição.

O projeto que mais avançou foi o PLP 11, do deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), apoiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele foi aprovado com rapidez pelos deputados, mas o Senado sentou em cima do projeto. No Senado tramitava o PL 1472, do senador Rogerio Carvalho (PT-SE), que cria um fundo de estabilização abastecido com imposto sobre a exportação de petróleo. Empenhado em fazer acontecer, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), levou o deputado Christino Áureo (PP-RJ) a apresentar uma PEC autorizando Estados e União a cortarem os impostos sobre combustíveis. É o projeto mais simples em tramitação, embora não haja a menor justificativa para mexer na Constituição com este objetivo. Mas agora, o governo mudou de ideia e Nogueira disse que ao governo só interessa reduzir preços do diesel.

Depois de Christino foi a vez do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) apresentar a PEC 1/22 - a Kamikaze. Seu custo, ao estender a redução de tributos também para a energia elétrica, dobrar subsídios ao gás, dar vale de R$ 1200 mensais a caminhoneiros, seria de mais de R$ 100 bilhões, pelos cálculos da equipe econômica. É desarrazoado e ontem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que ele ficará para “um segundo momento”, ou seja, vai merecidamente para o arquivo. Os senadores vão se debruçar então sobre uma proposta petista e o projeto da Câmara, modificado.

O PL 11, que incorporou o 16, da Câmara, é o que mais avança nos tributos estaduais. Propõe que eles sejam expressos em reais por litros e seu valor seja determinado pela média dos preços ao consumidor de 24 meses, entre junho de 2019 e dezembro de 2020, não podendo ser majorados durante o ano fiscal. Como nada sai de graça no Congresso, uma emenda aceita estabelece que enquanto não for promulgada uma lei que defina a política nacional de preço de combustíveis, a Petrobras não poderá desestatizar nenhuma unidade de produção de combustíveis ou desinvestir.

O projeto vai além e determina que para fixar a alíquota do imposto sobre gasolina, etanol e diesel, o Confaz deixe de lado a aprovação por unanimidade e que a decisão seja tomada com voto favorável de dois terços das unidades da federação.

O projeto do senador petista cria um fundo de estabilização e acaba com a paridade internacional praticada de forma pura pela Petrobras. O preço seria fixado de acordo com cotações médias do mercado internacional, custos internos de produção e custos de importação. O Executivo regularia a frequência dos reajustes e o imposto de exportação não incidiria sobre o petróleo até US$ 40 por barril. Seria de 10% com o barril de US$ 40 a US$ 60 e de 20% quando o preço estiver acima disso.

Os projetos em discussão terão dificuldades óbvias para aprovação. Além disso, Paulo Guedes, que patrocinou um calote nos precatórios, se propõe agora a fazer bons cortes no IPI. Toda a agitação em torno do tema só produziu descrédito e efeitos negativos sobre a política monetária. Um dólar bem menos desvalorizado ajustaria a questão, mas isso depende de o governo não ser o que é.

 

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