Revista Veja
A ideia dos partidos é usar federações para
criar bolsões de poder no Congresso
Se a chamada terceira via tiver de morrer
antes mesmo de chegar à praia (das urnas), não será por vontade do eleitorado,
que a ela ainda não foi devidamente apresentado. Caso as candidaturas
alternativas ao embate Jair Bolsonaro/Luiz Inácio da Silva venham a falecer,
será obra de morte matada. Encomendada pelos partidos que as lançaram e agora
se ocupam em firmar alianças sob a nova regra das federações.
Sabem do que se trata? Pois então, devido à
proibição de coligações nas eleições proporcionais (deputados e vereadores) em
setembro do ano passado, o Congresso autorizou os partidos a se juntar sem a
necessidade de fusão, mas os obrigou a fazê-lo de modo uniforme em todo o país
e assim permanecer durante quatro anos. Ah, sim, obriga também a que tenham
identidade programático-ideológica, coisa um tanto fantasiosa em nosso cenário
de doutrinas partidárias bastante gelatinosas.
A ideia em si não é má ou, por outra, é boa. Em tese poderia resultar na redução da quantidade de partidos, acabar com a extrema dispersão na representação popular e facilitar a interlocução entre os poderes Executivo e Legislativo.
A questão ainda não discutida é a
viabilidade da aplicação da norma frente aos usos e costumes da política
brasileira como ela é. Falaremos disso adiante. Primeiro falemos do uso da
receita e de seus efeitos sobre as candidaturas que tendem a se esvair nas
movimentações partidárias em torno das federações.
O tema não é de interesse apenas das
legendas menores, cuja sobrevivência está ameaçada pela combinação do veto às
coligações proporcionais com a exigência de votação mínima (cláusula de
desempenho) para obtenção de representação na Câmara, acesso a dinheiro e
espaço nas propagandas de televisão e rádio sustentados por recursos públicos.
Os partidos grandes e médios, que se
garantem individualmente, estão preocupados principalmente com a correlação de
forças, internas e externas, no Parlamento. Atentos, sobretudo, ao
significativo peso do Centrão, diante do qual correm o risco de se tornar meros
satélites em termos de decisões e na sempre tensionada relação com o Palácio do
Planalto.
Quando PSDB, MDB, PDT, PSB e mesmo o novo
União Brasil negociam a formação de federações, estão na verdade empenhados em
criar bolsões de poder dentro do Congresso, a fim de fazer frente àqueles
partidos que já atuam em conjunto e conseguiram fazer valer seus interesses
junto ao governo Bolsonaro. Se Lula for eleito, conseguirão o mesmo, e é contra
isso que os caciques das legendas citadas acima querem se prevenir. Como?
Formando elas mesmas os próprios Centrões.
Para isso precisam eleger o maior número
possível de deputados. E, em nome dessa causa, estão dispostas a sacrificar as
candidaturas presidenciais. Aquelas que ainda não deram sinais de decolagem na
preferência do eleitorado, por mais que seja cedo para aferir as reais
predileções dos brasileiros.
Suas altezas têm pressa. Isso já se vê nas
reclamações de candidatos a deputado e senador que reivindicam mais dinheiro
para suas campanhas em detrimento do financiamento dos candidatos a presidente.
Como se dissessem: não vamos gastar vela boa com defunto ruim. Assim, desde já,
dão como perdidas as paradas e decretam a falência dos projetos presidenciais
que nesse ritmo tendem a morrer por inanição.
A instituição do financiamento público
total mudou a lógica do jogo. Antes os candidatos a presidente captavam
recursos junto a empresas, mas agora o dinheiro vai para os partidos, cabendo
às direções a divisão da partilha, que passa a obedecer à guerra de pressões
internas. E nelas prevalece hoje o interesse de reforçar as tropas no
Congresso.
Se o preço fosse a melhoria teórica
embutida na intenção original das federações, tudo bem. O problema é que nada
garante seu bom funcionamento nem permanência. Sempre pode, passadas estas
eleições, haver adaptações na rigidez da norma aos interesses do próximo
pleito. Além disso, se hoje a fidelidade partidária não vale na prática, quem
assegura que valeria para as federações? A tendência será o vale-tudo de sempre,
pois às legendas não apetece impor punições aos infiéis.
Uma coisa é a boa intenção em padrão suíço.
Outra bem diferente é a execução no ambiente ainda retrógrado em que se faz
política no Brasil.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de
2022, edição nº 2776
Parece que a ''predileção'' dos brasileiros já foi sedimentada.
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