O Globo
No ano passado, visitei em Washington o
memorial de Martin Luther King, o ativista pelos direitos civis dos negros
americanos que se tornou um dos maiores líderes de causas sociais do século XX.
Exposta num parque, a enorme rocha de granito de onde emerge sua figura
recortada nos obriga a elevar o olhar. Na lateral, lê-se: “Da montanha de
desespero, [surge uma] pedra de esperança”. É um trecho do famoso discurso em
que ele falava do seu sonho de ver negros e brancos convivendo harmonicamente.
Não deixa de ser simbólico que o monumento
tenha sido inaugurado, em 2011, por Barack Obama, o primeiro presidente negro
dos Estados Unidos — um país que, como o Brasil, tem sua história manchada pela
escravidão. Foram sementes plantadas por lideranças lúcidas e corajosas como
Luther King que permitiram ao país superar leis de segregação que vigoraram até
poucas décadas atrás.
A visita me levou a refletir sobre nossa situação. Vivemos num país racista. Sei, até por experiência própria, que é raro um negro que não tenha sido vítima de uma humilhante história de racismo. Feita a constatação, porém, é o caso de perguntar: quais pedras de esperança deixaremos às próximas gerações, para que elas construam edifícios sociais menos desiguais e injustos?
A tarefa é árdua, temos que lidar com uma
herança maldita de séculos. Estou lendo com grande interesse o primeiro volume
de “Escravidão”, de Laurentino Gomes, e aprendendo sobre as origens das mazelas
sociais brasileiras.
A escravidão de africanos não é comparável
a escravidões anteriores descritas pela história. O componente racial, o
caráter comercial, a escala industrial, tudo isso tornou a escravidão de negros
um fenômeno tão único quanto abjeto. Ao longo dos séculos, 12 milhões de seres
humanos foram sequestrados e traficados para as Américas. Desses, cerca de 5
milhões vieram para cá. O Brasil extinguiu formalmente a escravidão com a Lei
Áurea, em 1888, mas nunca se preocupou em fazer a inclusão social da população
negra.
Os resultados dessa escolha são visíveis ainda
hoje a qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade social. As estatísticas
são eloquentes. Embora os negros sejam 54% da população, representam 78% do
décimo mais pobre dos brasileiros. No alto da pirâmide social, a situação se
inverte: entre o 1% mais rico da população, nem 18% são negros.
E mais: a grande maioria dos profissionais
com maior qualificação, como engenheiros, médicos e advogados, é branca. Nas
500 maiores empresas do país, negros ocupam 4,7% dos cargos de direção e 6,3%
dos cargos de gerência. Pouco mais que 9% da população negra tem pelo menos 12
anos de estudo (em comparação a 22% dos brancos). Além disso, num país violento
como o nosso, um homem negro tem oito vezes mais chance de ser vítima de
homicídio que um homem branco.
Luther King foi uma pedra de esperança para
a população negra dos Estados Unidos. Precisamos, da mesma maneira, tirar uma
lasca da nossa montanha de desespero e ajudar a construir um futuro melhor para
todos, independentemente da cor da pele de cada um.
A escravidão é uma nódoa na nossa História.
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