sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Eliane Cantanhêde: Voo cego

O Estado de S. Paulo

Na Rússia e Hungria, prevaleceram os interesses políticos de Jair Bolsonaro, não do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro apresentou “solidariedade” ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, e chamou de “irmão” o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. São manifestações sem conexão com a diplomacia e os interesses do Brasil e só satisfazem a vontade dele de brincar de líder da extrema direita internacional.

Não faz sentido Bolsonaro dizer que é “solidário” a Putin, que chamou de “amigo” e “pessoa que busca a paz”, quando o russo se une à China e confronta o Ocidente, em particular os EUA, ao ameaçar invadir a Ucrânia. Soa como se o Brasil se posicionasse a favor de Moscou, contra Washington.

Também é de um voluntarismo quase infantil Bolsonaro se identificar com Orbán e citar um lema integralista, “Deus, pátria e família”, ao qual acrescentou “liberdade”. Que Deus, que pátria, que família e que liberdade?

Até adversários apoiaram a ida à Rússia, lembrando que os dois países têm interesses comuns, assento nos Brics e todos os ex-presidentes, desde Fernando Henrique, foram a Moscou. E o Brasil não poderia ceder à pressão americana para cancelar a viagem.

A mala, porém, volta vazia. Na Rússia, agricultura, fertilizantes e comércio, que seriam centrais, ficaram em segundo plano. Na Hungria, “anunciaram” a venda de dois aviões da Embraer, firmada em 2020. Logo, o foco não é nos resultados, mas nos motivos da ida.

A comitiva enxugou por exigência da Rússia, mas teve os generais Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Laerte Souza Santos (Estado-Maior Conjunto), os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica e o almirante Flávio Rocha (SAE).

Para quê? Os russos são tradicionais fornecedores de equipamentos militares para a América Latina, mas nossas Forças Armadas já executam um ambicioso plano de renovação de equipamentos, definidos, aliás, na era PT. Não é hora de ir às compras. Sobram acordos de cooperação em defesa. Logo com a Rússia...

Também foi Carlos Bolsonaro, o 02, craque num outro tipo de guerra: da internet. A Rússia é especialista em guerra cibernética e integrou o exército de fake news de Donald Trump contra Hillary Clinton. Trump, Putin, Orbán, Bolsonaro... Mistura azeda que está no forno para produzir a nova extrema direita internacional.

De um embaixador: “O objetivo real da viagem foi a cooperação cibernética da Rússia para a campanha digital do presidente. O resto qualquer ministro resolveria”. Quem foi a Moscou não foi o presidente do Brasil, foi Jair Bolsonaro. Que voltou a manipular as Forças Armadas a seu bel-prazer.

Um comentário: