Quadro histórico do partido afirma que prioridade este ano é evitar a reeleição de Bolsonaro
Eduardo Kattah e Pedro Venceslau |O Estado
de S. Paulo
Tucano histórico, o atual diretor da SP
Negócios, Aloysio Nunes
Ferreira, foi um dos líderes tradicionais do PSDB procurados pelo
ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em aceno ao centro neste ano eleitoral. Em
entrevista ao Estadão, Aloysio defendeu como prioridade impedir a
reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Ex-senador e ex-ministro da Justiça e das Relações Exteriores, Aloysio disse ver potencial na candidatura do governador João Doria ao Palácio do Planalto, mas destacou que, se o tucano “não decolar”, não há opção viável na “terceira via”.
Ao analisar a crise interna do partido –
uma ala contrária à candidatura própria à Presidência tem pressionado a
pré-campanha de Doria –, o ex-chanceler afirmou que o PSDB “não é mais uma
referência nacional”.
O ex-presidente Lula teve uma
série de encontros com líderes históricos do PSDB – o sr. foi um deles. Qual é
o simbolismo desses encontros?
Durante o processo de impeachment (de Dilma
Rousseff), o antipetismo acabou se transformando em uma segunda natureza do
PSDB. Isso nos fez andar em muito má companhia. Agora, diante do desastre que
foi a eleição do Bolsonaro – um desastre até previsível – e do seu governo de
destruição sistemática, vem a ideia de que é preciso retomar um diálogo que
houve ao longo do tempo com forças de esquerda, como o PT. Talvez o PT tenha
sido anti-PSDB, e a campanha Fora FHC é um exemplo disso, mas nós, do PSDB,
antes desse processo de radicalização, sempre tivemos a compreensão da
importância do PT na vida política brasileira como expressão do movimento
popular. Ainda que não houvesse um papel escrito, houve convergência em muitas
coisas importantes.
Quais, por exemplo?
No tema dos direitos humanos houve toda uma legislação que nós aprovamos. Lei da Imigração, Comissão da Verdade, Lei de Proteção de Dados, Marco Civil da Internet. Houve um diálogo das forças democráticas, e não só PT e PSDB. O Código Florestal foi um mutirão envolvendo gente do MDB, do PT, do PSDB e do PFL. Mesmo na política externa, fui presidente da Comissão de Relações Exteriores (do Senado), e meu vice era o Jorge Viana (do PT), que fazia constantemente a ligação entre a pauta do plenário e da comissão. A luta contra a pobreza extrema e a transferência de renda. Tudo isso foi feito com uma colaboração não formalizada, mas existente na vida real. São duas vertentes da social-democracia brasileira: uma mais à esquerda, representada pelo PT, e uma mais direita, cada uma com seu sistema de alianças. Aí chega Bolsonaro e destrói isso. Nesse processo de radicalização, que vem de antes do impeachment, uma parte do nosso eleitorado foi embora. Perdemos um componente importante dos nossos eleitores, de uma direita civilizada e moderada.
O antipetismo foi uma
“muleta” para o PSDB? Esse sentimento ajudou a eleger os únicos governadores do
partido em 2018...
O PSDB não é mais uma referência nacional
como foi. Na época em que o PSDB teve posições fortes na eleição nacional, com
Fernando Henrique, (José) Serra e (Geraldo) Alckmin, o partido era uma
referência que se opunha ao PT no campo eleitoral. O PSDB trazia consigo um
eleitorado mais liberal e progressista, e também de direita conservador, mas do
campo democrático. Isso foi explicitado na chapa FHC-Marco Maciel.
O governador João Doria
representou a ascensão desse “extremismo” dentro do PSDB?
A eleição do Doria surfou nessa onda no
movimento “Bolsodoria” no segundo turno (da disputa à Presidência em 2018), que
foi entre Bolsonaro e (Fernando) Haddad, e dele contra o Márcio França (do PSB,
em São Paulo). A campanha do Doria entrou na mesma corrente que votava no
Bolsonaro e forçou um pouco a mão ao apresentar o Márcio França como comunista.
O Márcio França é tão comunista quanto eu sou hare krishna. Mas ele (Doria) se
redimiu depois com uma oposição consistente e corajosa, como governador, ao
Bolsonaro.
O Doria deve levar sua
candidatura até o fim, independentemente das perspectivas eleitorais?
Se você não tem uma candidatura forte, ou
uma corrente política com um mínimo de coesão interna, cada um vai buscar a sua
sobrevivência. A vida partidária está muito desorganizada, caótica, em razão de
vários fatores, como o Fundo Partidário gigantesco, as emendas de bancadas e a
perda da agenda presidencial diante do Congresso. Tudo isso é resultado da
desorganização política do Brasil. Hoje, quem não tem uma candidatura forte de
partida, casos de Bolsonaro e Lula, nem é apoiado em um partido minimamente
coeso, vê as pessoas tentadas a buscar a própria sobrevivência. É salve-se quem
puder. Por isso vamos ter nesta campanha a generalização dos dois palanques,
como ocorreu em São Paulo na reeleição do Fernando Henrique. Um era Fernando
Henrique e (Paulo) Maluf, e o outro, Fernando Henrique e (Mario) Covas, para
desespero do Andrea Matarazzo, que era coordenador da campanha do FHC. Esse
movimento é generalizado. Muitos vão ressuscitar o “voto camarão”, quando muita
gente votava na chapa completa, mas não para Presidência da República.
Quando o sr. e outros quadros
históricos do PSDB se encontram com o ex-presidente Lula e estabelecem com ele
um diálogo público não passam um sinal de que a pré-candidatura de Doria é
vista no partido como pouco viável?
Em 2018 não houve, da parte do Fernando
Haddad, nem um gesto semelhante ao que o Lula está fazendo hoje. O impeachment
estava recente e havia muitos ressentimentos. O Lula estava preso. 2018 foi uma
eleição muito aberta, tanto que foi eleito um sujeito que ninguém imaginava que
podia ser presidente da República. O PSDB estava desbaratado por conta da Lava
Jato. O (Michel) Temer estava acuado pelo lavajatismo. O Ciro era o mesmo.
Ainda é hoje e será amanhã. Não houve na época uma consciência clara do perigo
do Bolsonaro. Essa movimentação do Lula hoje é absolutamente legítima. É da
natureza dele. O extremista dessa campanha é o Bolsonaro, e é ele que temos que
derrotar. Temos que tentar tirá-lo inclusive do segundo turno.
O sr. acredita na viabilidade
da candidatura do governador de São Paulo?
O Doria vai crescer nas pesquisas. Ele faz
um bom governo. Curiosamente, muita gente que detesta o Doria por razões quase
antropológicas – a identificação dele como elite paulista no imaginário –
reconhece o governo dele, que teve bons resultados em todos os índices,
inclusive nesse que é decisivo para o desgaste do Bolsonaro, que é a vacina.
Doria tem um excelente candidato a governador, que é o Rodrigo Garcia.
A direção do PSDB deve se
posicionar contra esse movimento público de dissidência contra a candidatura de
Doria?
Não adianta tomar medidas administrativas
contra isso. Há um descontentamento com o Doria devido aos atritos que ele
criou e ao seu voluntarismo na luta interna do PSDB, como essa obsessão de
expulsar o (deputado) Aécio (Neves). As prévias são o resultado da dissolução
orgânica do PSDB e da incapacidade de ter mecanismos internos de composição
para escolher um candidato. Por isso se abandonou o terreno natural, que é a
convenção nacional. Tudo isso gerou ressentimentos. Mas o Doria tem feito
gestos para aproximar as pessoas.
O PSDB corre o risco de não
alcançar a cláusula de barreira?
Não. O PSDB tem condições de ultrapassar
com folga.
Então por que buscar uma
federação partidária com o Cidadania?
Essa união interessa ao Doria, porque é o
primeiro gesto para escapar daquilo que pesa mais negativamente sobre a
candidatura dele hoje do que as pesquisas de intenção de voto: o isolamento político.
Já para o Cidadania, a federação é uma questão de sobrevivência. A hesitação do
Cidadania, aliás, é um sinal preocupante de isolamento.
A terceira via na disputa ao
Palácio do Planalto tem viabilidade?
Muito difícil. A única hipótese de a
terceira via vingar é tirando votos do Bolsonaro. O voto do Lula está muito
consolidado. Acho difícil alguém desistir para apoiar o outro. Doria e Ciro não
desistem. O (Sérgio) Moro talvez.
Mas como enxerga a
candidatura de Sérgio Moro? Ele é uma alternativa a Bolsonaro?
Não. Moro é o bolsonarismo do B. Qual
credencial ele tem para ser presidente da República? É um juiz de primeira
instância, com sentenças altamente contestadas e que se valeu do seu cargo para
galgar posições políticas. A plataforma dele foi para a conquista do poder. Não
sabe nada do Brasil. É uma coisa fake, mas é um abrigo para o bolsonarismo
desiludido.
Como avalia a provável
escolha de Geraldo Alckmin como vice de Lula?
É um movimento correto do ponto de vista
político, tanto da parte do Geraldo Alckmin quanto do Lula. O Lula sabe que
precisa caminhar para o centro. É por onde ele tem que crescer para ganhar no
primeiro turno. Para isso, há essa tentativa de ter o apoio de um grande
partido nacional estruturado que é o PSD.
Como vê a possibilidade de
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, migrar do PSDB para o PSD para
disputar o Planalto?
Vejo com certo constrangimento. Se ele
disputou as prévias (do PSDB) e aceitou as regras, deveria se sentir moralmente
obrigado a acatar o resultado. Eduardo é um quadro que tem futuro, mas esse
caminho o desqualifica.
Qual a avaliação do sr. sobre
a Operação Lava Jato?
Teria sido positivo se ela tivesse sido
conduzida por magistrados e procuradores respeitosos aos direitos dos acusados.
Mas, do jeito que ela transcorreu, foi a destruição da reputação de muitos
políticos e pessoas respeitáveis e empresas mediante procedimentos que se
revelaram ilegítimos.
Que leitura faz da viagem de
Bolsonaro à Rússia neste momento?
A viagem presidencial à Rússia está programada
há bastante tempo. Isso não se resolve de um dia para o outro. Isso vem antes
de agudizar a crise com a Ucrânia. Somos parceiros da Rússia nos Brics.
Cancelar essa viagem agora seria simplesmente uma adesão à tese dos Estados
Unidos e da Otan. Tem que manter a viagem.
Qual o saldo do governo
Bolsonaro para as relações internacionais?
O isolamento do Brasil. O afastamento de
uma tradição diplomática que foi construída ao longo dos tempos. O Brasil tinha
o perfil internacional de um país pacífico e que preza a negociação. Afastamos
nossos vizinhos da América do Sul. O Brasil cometeu o erro brutal de agarrar no
(Donald) Trump, e continua agarrado a uma corrente internacional de extrema
direita pela militância dos filhos do presidente. O Brasil perdeu sua
autoridade e o capital de confiança, o que demora muito para construir e
semanas para destruir.
O sr. atuou como motorista de
Carlos Marighella. Como avalia o filme sobre ele?
Eu dirigi o automóvel algumas vezes, mas ele não tinha um motorista só. Marighella era itinerante. Ia trocando de carros e interlocutores. Viajei com ele uma vez para a Praia Grande. Não vi o filme porque essas coisas me fazem mal. Não vi Batismo de Sangue (filme de Helvécio Ratton sobre a trajetória de Frei Tito de Alencar). Vi algumas polêmicas sobre negritude, mas esse não era um tema do Marighella. O que importava era a luta de classe, não racial. É um filme de ação, e o resultado dessa ação foi trágico. Essa opção política da qual eu participei foi trágica e não tinha a menor perspectiva de ter sucesso.
A entrevista repercutiu positivamente em setores da esquerda,muito boa.
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