Folha de S. Paulo
Entre a União Europeia e uma ditadura
expansionista, a escolha não é difícil, mas será pela força
O imperialismo norte-americano é ruim; mas
você já viu as alternativas? Nesta segunda-feira (21) tivemos o gostinho de uma
delas: o preparo
explícito de uma ofensiva russa contra a Ucrânia.
Claro que, hoje em dia, nenhum país admite
ter ambições. Não faltaram motivos alegados no discurso agressivo de segunda à
noite para reconhecer oficialmente a independência de territórios ucranianos
que hoje estão parcialmente nas mãos de grupos separatistas pró-Rússia.
Agora já abriu o terreno para invadir
militarmente a Ucrânia. Acusou
até o governo ucraniano e as nações ocidentais de patrocinarem
terrorismo islâmico.
Mas Putin foi além. Em seu discurso, a Ucrânia nada mais é do que uma criação do Estado russo soviético.
"Como resultado da política
bolchevique, surgiu a Ucrânia Soviética, que mesmo hoje pode com boa razão ser
chamada de "Ucrânia de Vladimir Ilyich Lênin". Ele é seu autor e
arquiteto. (...) E agora os descendentes agradecidos demoliram monumentos a
Lênin na Ucrânia. Vocês querem decomunização? (...). Estamos prontos para
mostrar a vocês o que uma real decomunização significa para a Ucrânia."
Putin tornou explícita sua ameaça: com o
fim do comunismo, a Ucrânia independente perdeu sua razão de ser (e, supõe-se,
outras ex-nações soviéticas também). Ou seja: a julgar por suas palavras, não
apenas a independência de certas regiões conflituosas como a própria subjugação
de toda a Ucrânia seria
uma política plenamente justificada.
Com o fim da Guerra Fria, o mundo parecia
destinado a abraçar a democracia e os direitos humanos. O nacionalismo era
coisa do passado. O sonho de uma Europa unida e harmônica, na qual a soberania
de cada país importaria menos do que a prosperidade e a união de valores,
parecia factível. E, depois dele, o mundo? Hoje parecemos nos distanciar cada
vez mais desse projeto.
E por que é ruim a Rússia dominar uma parte
maior do mundo, reduzindo a esfera
de influência do Ocidente? Porque é governada por um regime avesso aos
valores mais caros de nossas sociedades: democracia, liberdade de imprensa,
direitos humanos, livre iniciativa.
Sua estratégia é inundar o ocidente de fake
news e colocar as democracias liberais em pé de guerra civil ao mesmo tempo em
que expande seu domínio militar.
Sabemos hoje que o governo russo tentou
interferir diretamente nas eleições de outros países —inclusive dos
EUA— por meio de desinformação, ataques de hackers e uso de milhares de perfis
falsos para promover a cizânia e o extremismo. O objetivo era polarizar ainda
mais o debate americano, enfraquecendo o país.
O diálogo tem se mostrado inútil. A própria
popularidade de Putin depende desse tipo de aventura militar. Se perceber
fraqueza na determinação ocidental de defender a Ucrânia, irá cada vez mais
longe. E ele não é a única ameaça. A China observa qual será a reação das
potências ocidentais para decidir como agir em Taiwan e no mar do Sul.
Infelizmente, a diplomacia é incapaz de
resolver todos os conflitos. Os dias do poderio inconteste dos americanos
acabaram. Mas nem por isso precisamos desistir de uma ordem baseada na
cooperação, nas trocas voluntárias e na defesa dos direitos humanos.
Entre a União Europeia, que apesar dos problemas mantém verdadeiras democracias e protege os direitos individuais básicos e a liberdade de imprensa, e uma ditadura expansionista baseada na perseguição de adversários e desinformação maciça, a escolha não é difícil. Mas ela terá que ser garantida pela força.
O cenário é ruim,não há alternativa boa.
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