O Globo
Diz uma das mais antigas máximas da
política que, quando o presidente da República está fraco, já perto de deixar o
poder, o cafezinho começa a chegar frio à mesa. Poderia já ser o caso de Jair
Bolsonaro.
No último ano de mandato e em posição
delicada nas pesquisas, o presidente assiste a aliados fazerem jogo duplo em
seus estados, especialmente no Nordeste. Até o ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira (PP-PI), evitou mencionar o nome do chefe durante o lançamento de seus
candidatos majoritários no Piauí —estado governado pelo PT — no último final de
semana.
O ministro Tarcísio de Freitas, candidato de Bolsonaro em São Paulo — estado que o presidente considera vital para sua reeleição — até agora não tem um partido. Há muita resistência a apoiá-lo entre líderes locais do Centrão, que preferem seguir com o vice de João Doria, o tucano Rodrigo Garcia.
Em Brasília, a perspectiva de uma vitória
de Lula vem fazendo algumas figuras-chave se mexerem. O mesmo comandante da FAB
que meses atrás reforçou a posição de Bolsonaro contra a CPI da Covid, ao dizer
que as Forças Armadas não aceitariam ataques institucionais e que “homem armado
não ameaça” dar golpe, agora afirma que os militares prestarão continência a
Lula ou qualquer outro presidente eleito em 2022.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, começou discretamente a executar uma estratégia de reposicionamento de imagem, tentando criar fatos que demonstrem combatividade e sugerindo a interlocutores próximos, em conversas de pé de ouvido, que não cometerá o suicídio político de chegar a uma eventual transição de poder amarrado à âncora bolsonarista.
No Congresso, é provável que boa parte dos
projetos que o presidente da República listou como prioritários fique para as
calendas. Se Bolsonaro conseguir uma solução para os preços dos combustíveis
que não estoure as contas públicas e os índices de inflação antes do pleito, já
poderá comemorar.
Petistas tradicionais que andavam sumidos
da capital federal já voltaram a circular, em reuniões e jantares em que são
tratados com atenção cada vez maior. Na Avenida Faria Lima, cada vez mais gente
se assanha com a possível (ou provável) troca de turno no Palácio do Planalto.
Ainda assim, não dá para dizer que o café
de Bolsonaro esfriou.
O presidente ainda tem lenha para queimar.
O Auxílio Brasil, o auxílio-gás, a bolsa caminhoneiro e um possível aumento de
salário para algumas categorias de servidores públicos são a parte do plano
destinada a agradar diretamente ao eleitorado. Para o público “qualificado”, os
parlamentares, o Executivo reservou R$ 16 bilhões só na fatia do orçamento
secreto deste ano — instrumento valioso em que os partidos do Centrão pretendem
lastrear a eleição de grandes bancadas.
Para completar, Bolsonaro ainda poderá
nomear até 45 novos desembargadores em seis tribunais de segunda instância ao
longo do ano, o que tem provocado uma intensa peregrinação de juízes e lobistas
judiciários ao Planalto. E há ainda as duas vagas de ministro abertas no STJ,
que o presidente deverá preencher até maio. Nada mau para um mandatário que tem
no Judiciário um dos maiores focos de tensão em seu governo.
Não estivéssemos falando de Bolsonaro,
seria razoável apostar que um candidato à reeleição com tanto dinheiro e
possibilidades teria como se segurar pisando fundo no clientelismo e no uso da
máquina. Não seria nem o primeiro nem o último mandatário a fazê-lo — e com
sucesso.
Sendo Bolsonaro quem é, porém, fica difícil
dizer que proporção desse poder servirá para vitaminá-lo politicamente e quanto
apenas turbinará os dirigentes do Centrão sem necessariamente beneficiá-lo. E
isso não porque o presidente não queira “fazer o diabo para ganhar a eleição”,
como já disse um dia Dilma Rousseff.
A questão é saber quem se manterá firme com
ele caso o cenário eleitoral vá ficando mais e mais desafiador, como se prevê.
E, mais importante, quem de fato o ajudará a usar os instrumentos disponíveis
sem deteriorar irremediavelmente a economia e sem empurrar os recalcitrantes
para o colo da oposição.
São movimentos sensíveis, que exigem
tirocínio, competência, senso de oportunidade e jogo de cintura — habilidades
que Bolsonaro não tem. O presidente, que empoderou de forma tão cabal esses
aliados que hoje piscam para o lado de Lula, agora depende deles para
atravessar o mar revolto das eleições.
Sem a ajuda deles, o bule de café começará mais cedo a chegar gelado ao gabinete presidencial.
É,Bolsonaro vai acabar no Irajá,pra não dizer coisa pior.
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