sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Água na fervura

Folha de S. Paulo

Autoridades eleitorais rebatem com altivez e serenidade ofensiva de Bolsonaro

A índole arruaceira de Jair Bolsonaro (PL) a todo momento cria situações difíceis para os responsáveis pela institucionalidade democrática, alvo dos ataques do presidente.

Não é possível, nem seria conveniente, responder a cada diatribe infame e no mesmo tom belicoso, ou todos seriam arrastados para a baixaria bolsonarista. Ao mesmo tempo, não se pode permitir que prosperem incólumes, como episódios banais, mentiras e ameaças mais e menos veladas aos demais Poderes e ao processo eleitoral.

Entre um risco e outro, saíram-se com serenidade e altivez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, diante da recente e infelizmente previsível recarga de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

O primeiro, que assumirá na próxima terça-feira (22) a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), declarou-se aberto ao diálogo e disposto a prestar os esclarecimentos desejados por todas as autoridades da República.

Delimitou, entretanto, o direito à crítica, fundamental, e os ataques que chegam ao inadmissível quando se baseiam em acusações infundadas de fraudes na apuração de votos —vale dizer, tentativas de semear o descrédito no procedimento mais básico da democracia.

Já Barroso, hoje à frente do TSE, deu à Folha uma declaração de confiança nas instituições nacionais ante arreganhos autoritários. Em suas palavras, "superamos os ciclos do atraso" e "não há risco de retrocessos", ainda que se deva manter a vigilância sempre.

O tribunal contribuiu para desarmar uma nova invencionice de Bolsonaro ao tornar público, nesta quarta-feira (16), um calhamaço de 700 páginas contendo 80 dúvidas apresentadas pelas Forças Armadas a respeito do sistema eletrônico e as respostas fornecidas.

O mandatário vinha mencionando os questionamentos —que corriam numa comissão criada para prestar informações a autoridades e representantes da sociedade— para retomar a campanha contra as urnas, alegando que "vulnerabilidades" estariam sob apuração.

Como de hábito, trata-se de mobilizar sob qualquer pretexto as hostes de seguidores fervorosos. Até durante sua viagem à Rússia, Bolsonaro achou tempo para afirmar à Jovem Pan que os ministros Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes pretendem favorecer seu adversário, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas.

Que se lamente o comportamento —vil para um candidato, que dirá para um presidente da República. Mas o esperneio de Bolsonaro não encobre o fato, já claro para os atores políticos e institucionais, de que haverá eleição, os votos serão apurados com lisura e o vencedor governará o país a partir de 2023.

Ciberameaças

Folha de S. Paulo

Invasão a site oficial e vazamento no Pix mostram despreparo ante ataque virtual

Com a escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, as principais ameaças do Kremlin vão além dos mísseis ou das forças militares posicionadas na fronteira. O governo ucraniano também prepara defesas contra ciberataques, principalmente ao abastecimento de energia, à internet e às comunicações.

Nos últimos dias, ofensivas virtuais foram disparadas contra sites e agências governamentais do país europeu —acusados, os russos negam envolvimento. Em alerta divulgado na semana passada, o governo americano reconhece a gravidade de uma potencial ciberguerra, que poderia impactar outros países, além de empresas.

Há mais de uma década, especialistas alertam para potenciais efeitos no mundo físico a partir de uma ofensiva virtual. A ameaça recairia principalmente sobre a oferta de água, luz e combustível.

Um dos primeiros grandes marcos nessa área foi um ataque batizado de "Stuxnet". Descoberto em 2010, a investida afetou o programa nuclear iraniano ao destruir centrífugas usadas no enriquecimento de urânio. Desde então, os casos se multiplicaram.

O Brasil não escapa ileso, seja de efeitos colaterais, seja como alvo prioritário —o que muda é somente o grau de complexidade. Com falta de atenção devida ao assunto, as capacidades de defesa e de reação nacionais deixam a desejar e trata-se com normalidade o vazamento de dados pessoais. Foi o que se viu no recente vazamento de chaves Pix, o terceiro do tipo.

Por aqui, uma investida simples pode causar estrago considerável. É possível ter acesso a conversas privadas de um ministro de Estado sem dispor de grande sofisticação técnica. Ou interromper o cômputo dos dados relativos a casos de Covid-19 no país por semanas.

Isso sem contar o risco de ataques partindo de grandes grupos cibercriminosos, que também podem atuar em qualquer lugar do mundo. Tais operações cada vez mais miram setores e indústrias que não podem parar a produção.

Na pandemia, por exemplo, o alvo foi a infraestrutura de saúde. Na Alemanha, em 2020, uma mulher morreu após não conseguir atendimento em um hospital paralisado por um ataque hacker.

Países mais desenvolvidos nessa área dão pistas de como agir. As medidas passam por investimento público e na colaboração com empresas, por vezes compulsória. No Brasil, a proximidade das eleições é um fator a mais de urgência.

PF precisa manter distância do debate eleitoral

O Globo

A Polícia Federal (PF) extrapolou suas funções ao divulgar uma nota inesperada em que acusa o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Sergio Moro de mentir. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, Moro, pré-candidato à Presidência pelo Podemos, criticara a atual gestão da corporação, afirmando que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção”. Era um exagero, obviamente. Mas a reação da PF foi pior. A nota estapafúrdia afirma que Moro “faz ilações” ao citar trocas do diretor-geral, Paulo Maiurino, como retaliações. E argumenta ter feito “mais de mil prisões apenas por crimes de corrupção nos últimos três anos”.

Como todo pré-candidato ou candidato, Moro tem o direito de expressar seus pontos de vista. A PF, em contrapartida, não tem o direito de entrar no debate eleitoral. Primeiro, porque, como instituição de Estado, não é sua função. Segundo, porque, nesse caso específico, é parte envolvida, o que recomendaria ainda mais manter a distância, a discrição e a sobriedade por que sempre se pautou. Moro deixou o governo em 2020 acusando o presidente Jair Bolsonaro de querer interferir na PF, denúncia sob investigação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Desde a saída de Moro, a PF parece cada vez menos uma corporação que deveria servir a todos os brasileiros e mais a polícia de Bolsonaro, que a chama de “minha Polícia Federal”. Delegados que contrariam interesses políticos do governo têm sido sumariamente afastados ou postos na geladeira. Foi o caso de Alexandre Saraiva, que acusou o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de atrapalhar investigações sobre apreensão recorde de madeira e de favorecer madeireiras. A delegada que atuou no processo de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos também acabou defenestrada. O mesmo ocorreu com outros que investigam autoridades com foro privilegiado junto ao Supremo.

A despeito da competência indiscutível revelada em inúmeras operações, algumas investigações da fase atual chegam a constranger. Um exemplo é o caso Covaxin. Como mostrou a CPI da Covid, Bolsonaro foi informado sobre suspeitas de irregularidades na oferta de compra da vacina, mas as denúncias não foram adiante. A investigação da PF, que nem ouviu Bolsonaro, concluiu que ele não prevaricara porque a Constituição não afirma expressamente ser dever do presidente mandar apurar esse tipo de denúncia.

Claro que nem tudo está dominado. Na investigação sobre o vazamento de dados sigilosos de um inquérito da PF durante uma “live” do presidente e do deputado Filipe Barros, a delegada Denisse Ribeiro foi contundente. Disse ter encontrado indícios de que Bolsonaro teve “atuação direta, voluntária e consciente” na prática do crime de violação de sigilo funcional com Barros (Bolsonaro se recusara a prestar depoimento sobre o caso).

A reação fora de tom da PF aos comentários legítimos de Moro abre péssimo precedente e gera temores de que esse comportamento descambe para um bate-boca sem nexo ao longo da campanha eleitoral, que ainda nem começou. A Polícia Federal é instituição de Estado. E assim deve permanecer, a despeito das investidas do bolsonarismo, ávido por capturar e submeter organismos do governo a sua ideologia. É fundamental que a PF se mantenha afastada do debate político. Polícia não tem partido. Ou não deveria ter.

Manipular preço de combustíveis é um erro que não devemos repetir

O Globo

É difícil exagerar as consequências nefastas de um eventual subsídio aos combustíveis, tema em debate no Congresso com o incentivo do Palácio do Planalto. A primeira e mais óbvia é fiscal. Cortar impostos sem novas fontes de receita para tapar o buraco esvazia o caixa do governo e agrava ainda mais a dívida pública.

Essa é a principal conclusão de um novo estudo do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), ligado aos maiores bancos do mundo. Pelos cálculos do IIF, até a proposta menos radical, defendida pelo Ministério da Economia, teria impacto fiscal equivalente a 0,5% do PIB. A versão analisada no Senado, que prevê corte de impostos e um “vale caminhoneiro”, custaria 1% do PIB — e causaria o dobro dos problemas.

Evitar o descontrole da dívida pública já seria motivo suficiente para não aprovar a medida. Mas ainda há pelo menos três outras boas razões para rejeitar as propostas de mexer nos impostos com o objetivo de segurar o preço dos combustíveis.

A primeira são os efeitos indesejáveis de qualquer intervenção nos mercados. O diesel artificialmente mais barato para caminhões criaria distorções em todas as cadeias produtivas. Rodovias continuariam a ser privilegiadas em detrimento de outros meios de transporte. Como não se faria o melhor uso dos recursos, o resultado no médio prazo seria perda de eficiência, com maior custo para toda a economia. Haveria também incentivo a maiores emissões de carbono. No momento em que todas as empresas deveriam pensar em investir em frotas elétricas, a queda forçada no preço do diesel atrasaria os planos.

A segunda razão é o impacto no negócio das empresas de combustível. O histórico desastrado de intervenções do governo nesse mercado reúne todo tipo de manobra. No governo Dilma, a manutenção artificial de preços baixos levou a Petrobras a acumular a maior dívida de sua história, afetou o plano de investimentos da empresa e a geração de empregos. Agora, o impacto pode ser de outra natureza e não se restringe à Petrobras. Para empresas menores, as consequências dos malabarismos nos preços podem ser ainda piores.

É o caso dos produtores independentes de petróleo, em particular os instalados no Nordeste, que estariam entre as principais vítimas de outra aberração em discussão: a ideia de criar um imposto sobre a exportação de petróleo. Os apoiadores dessa iniciativa — gestada e apoiada por congressistas do PT — parecem não ter aprendido nada com todos os erros do governo Dilma na Petrobras.

A terceira razão, ressaltada pela colunista Míriam Leitão no GLOBO, é que derrubar o preço do diesel é uma política injusta, que beneficiaria uma minoria à custa da maioria. Dos 2,5 milhões de caminhões registrados, apenas 37% são de autônomos. O resto pertence a empresas e poucas cooperativas. Para beneficiar 1 milhão de caminhoneiros, o presidente Jair Bolsonaro esquece que recursos públicos são escassos e que existem carências sociais mais urgentes.

Nanismo diplomático

O Estado de S. Paulo

Inoportuna e contraproducente em relação aos interesses nacionais, a visita de Bolsonaro a dois populistas autoritários só se explica pela sua lógica eleitoral

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e à Hungria terminou sem compromissos, acordos ou alianças relevantes, enfim, sem qualquer ganho palpável aos interesses nacionais. O consolo é que, dado o histórico de trapalhadas do presidente, a coisa poderia ter sido pior.

Se os interesses do Brasil com a Hungria são inócuos, a Rússia fornece fertilizantes para o agronegócio e tem empresas relevantes na área de energia. Além disso, integra o Brics, é um polo tecnológico e uma superpotência militar, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com capacidade de facilitar as pretensões do Brasil. Em tempos normais, portanto, não haveria inconveniente no encontro entre os líderes russo e brasileiro. Mas estes não são tempos normais nem esse é um governo normal.

O encontro, é verdade, foi marcado antes da crise com a Ucrânia. Mas quando as hostilidades começaram, em novembro, havia tempo para manejar sem atritos um adiamento e evitar o risco de um presidente brasileiro assistir de um camarote russo à invasão. Se nas últimas semanas não havia essa margem e, por sorte, a invasão não aconteceu, nem por isso o Brasil foi poupado de constrangimentos. Nas declarações oficiais, Bolsonaro fez acenos genéricos à paz. Mas, falando no improviso, corroborou um recuo russo – negado pela Otan –, chegando a insinuar que poderia ter sido por sua influência. Pior: declarou que o Brasil é “solidário” à Rússia – que, sem entrar no mérito da disputa, é o país agressor, não o agredido.

Mas a viagem não foi só inadvertidamente inoportuna, como previsivelmente contraproducente. Reza o bêábá da diplomacia que um chefe de Estado não viaja para negociar acordos, só para fechá-los ou destravar impasses. Mas nada disso, nem sequer uma negociação, estava na pauta. A nota do Itamaraty expõe essa vacuidade.

Encontros protocolares e pragmaticamente inócuos são justificáveis na rotina das relações com parceiros relevantes. Mas, para que a justificativa seja válida, é preciso que haja essa rotina. Porém a única diretriz palpável da política externa de Bolsonaro foi a bajulação do ex-presidente americano Donald Trump. Fora isso, não houve nenhum compromisso bilateral relevante. Nos fóruns internacionais, limitou-se a propagandear realizações fictícias de seu governo e, em vez de criar laços com outras lideranças, preferiu conversar com garçons e insultar chefes de Estado, como a chanceler da Alemanha ou o presidente da França. Mais grave foi a hostilidade intempestiva a parceiros comerciais como a China, o maior de todos, ou à Argentina, o maior comprador da indústria nacional.

Quanto à questão mais sensível para a comunidade internacional, a ambiental, Bolsonaro só ofereceu desídia e escárnio, chegando a ameaçar retaliar com “pólvora” uma delirante invasão da Amazônia pelos EUA. Na pandemia, consagrou-se como o líder negacionista par excellence. Ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou o Brasil.

Injustificável em relação aos interesses do País, a viagem é explicável pelos interesses eleitorais do clã Bolsonaro. Tanto que o presidente, que se especializou em ridicularizar os protocolos sanitários no Brasil, se submeteu a uma humilhante bateria de testagens só para garantir uma foto ao lado do ditador russo. O vereador Carlos Bolsonaro, coordenador das virulentas redes sociais do pai, teve lugar de destaque na delegação presidencial, e certamente não era para negociar fertilizantes.

Na falta de algo mais elevado, a militância bolsonarista se refestela com a foto em que Bolsonaro aparece mais alto do que Putin. Felizmente, a sua minúscula estatura como estadista permitiu que a visita inoportuna passasse despercebida aos olhos da comunidade internacional. Mas isso é já um sintoma do apequenamento a que ele submete o Brasil. Em outros tempos, o País seria encarado como um ator diplomático relevante; hoje, com Bolsonaro, é só digno de dó.

Uma boa notícia para a Eletrobras

O Estado de S. Paulo.

Mais do que o cumprimento de uma promessa de campanha, privatização é fundamental para que empresa recupere a capacidade de investimentos

A aprovação da primeira etapa da privatização da Eletrobras pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vitória importante para o governo, ainda que seja preciso cumprir muitas outras fases até o fim do processo. Com o aval da Corte de contas, a companhia deverá levantar R$ 67 bilhões em uma emissão de ações que reduzirão a fatia da União dos atuais 60% para 45%. Desse total, R$ 25,3 bilhões serão pagos ao Tesouro em troca de novos contratos de concessão, o que permitirá a adoção de preços livres para a venda da energia de suas hidrelétricas, em substituição do regime de cotas, suficiente apenas para cobrir custos de operação e manutenção. Essa mudança terá impacto nas tarifas pagas pelos consumidores, mas uma parte disso será abatida com os R$ 32 bilhões a serem repassados a um fundo setorial que banca subsídios. Também haverá recursos bilionários para a recuperação de bacias hidrográficas do Norte, Nordeste e Sudeste.

O próximo estágio é obter o apoio dos acionistas à oferta de ações em uma assembleia em 22 de fevereiro, muito provavelmente marcada por uma guerra judicial, com liminares impetradas por sindicatos e acompanhadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) em todo o País. Outra parte relevante será o cálculo do preço mínimo da ação e as condições finais da oferta secundária dos papéis, sob comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Essa etapa é a mais sensível do processo e também precisará da concordância dos ministros do TCU, conforme estabelece a lei do Programa Nacional de Desestatização (PND). A Corte pode considerar o preço muito baixo e mandar o governo aumentá-lo. O problema será se os investidores não concordarem com a avaliação do TCU e o considerarem excessivo. Isso derrubaria toda a operação e manteria a empresa na situação em que está.

O cronograma com o qual o governo trabalha é bastante apertado. Para poder usar as demonstrações financeiras do primeiro trimestre de 2022, será preciso concluir a capitalização até 12 de maio. Não é impossível finalizar o processo depois disso, mas o País estará no período eleitoral, o que pode reduzir a propensão dos investidores a entrar no negócio e ter impacto no preço da ação. Esperar que as privatizações de empresas públicas não façam parte dos embates entre os candidatos à Presidência da República e que isso não influencie o apetite do mercado é ingenuidade.

A privatização da Eletrobras representa muito mais do que a tábua de salvação do ministro da Economia, Paulo Guedes, que prometia arrecadar R$ 1 trilhão na venda de estatais. Com as restrições orçamentárias do Executivo, somente com capital privado a Eletrobras poderá recuperar sua capacidade de investimentos e se manter entre as maiores empresas de energia da América Latina. Sob controle da iniciativa privada, ela terá mais flexibilidade para comprar equipamentos e contratar serviços, hoje ações limitadas por regras da administração pública que exigem licitações. Também será dispensada de realizar concurso para contratação de empregados e de adotar planos de incentivo a demissões e aposentadorias para reduzir o quadro. Quanto maior for seu lucro, mais dividendos ela pagará à União, o que possibilitará mais recursos para despesas com saúde e educação, verdadeira vocação estatal.

O maior risco ao sucesso do processo hoje é o embate político. A aprovação da privatização da Eletrobras teve um preço alto para a sociedade, como provam as emendas estranhas à matéria que foram embutidas na proposta. As próximas fases tendem a ser mais burocráticas do que políticas, mas tampouco devem ser menosprezadas. Sabe-se que o presidente Jair Bolsonaro não tem qualquer afeição a um Estado mais eficiente e se preocupa apenas com sua reeleição. O pior cenário possível, nesse sentido, seria paralisar a capitalização pelo desespero de obter votos e manter as obrigações impostas por meio dos “jabutis”, como termoelétricas em locais sem reservas ou gasodutos. As consequências seriam a disparada da conta de luz e a ruína da Eletrobras.

A Polícia Federal sobe no palanque

O Estado de S. Paulo.

Ao atacar um adversário político de Bolsonaro, a PF serve aos propósitos eleitorais do presidente

As evidências da captura de instituições de Estado pelo bolsonarismo são atualizadas com frequência diária, mas um novo patamar é atingido quando a Polícia Federal (PF) se presta ao papel de participar ativamente da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Não há outra interpretação possível sobre a intenção da nota oficial divulgada nesta semana pela PF, em resposta às críticas do ex-juiz Sérgio Moro, segundo as quais ninguém combate a corrupção na gestão Jair Bolsonaro.

Para justificar seu ponto, Moro mencionou a proximidade entre o governo e o Centrão e o ingresso do presidente no PL, partido associado ao mensalão, e questionou, ironicamente, se alguém na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal estava acompanhando algum escândalo. Segundo ele, “muita coisa vai aparecer” quando esses órgãos retomarem a autonomia.

As críticas de Moro são perfeitamente normais em uma campanha eleitoral. Já a reação da PF foi absolutamente inadequada, e seu único propósito parece ser o de servir como peça de propaganda de Bolsonaro contra seu ex-ministro e atual concorrente. “Moro desconhece a Polícia Federal e negou conhecê-la quando teve a chance. Enquanto ministro da Justiça não participou dos principais debates que envolviam assuntos de interesse da PF e de seus servidores”, diz o comunicado, uma referência esquisita ao fato de que o então ministro supostamente não atuou como sindicalista na defesa dos interesses da corporação na reforma da Previdência. “O ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF. O papel da corporação não é produzir espetáculos. O dever da polícia é conduzir investigações, desconectadas de interesses político-partidários.”

Pré-candidato do Podemos à Presidência, Moro apresenta como credenciais seu papel na Operação Lava Jato, reivindicando a liderança no combate à corrupção – combate que, segundo diz, foi abandonado por Bolsonaro a despeito de suas promessas de campanha. Ademais, Moro tenta explorar na campanha o fato de que decidiu deixar o governo Bolsonaro depois que, segundo alega, ficou claro que o presidente pretendia interferir na Polícia Federal.

Não é preciso concordar com Moro para aceitar a legitimidade de sua estratégia eleitoral. Cabe a seus adversários na disputa responderem às suas críticas, se assim desejarem, pois é desse modo que se faz campanha política para tentar ganhar votos. Quem não deveria entrar nessa discussão, típica de palanque, é a Polícia Federal. Além disso, a PF apenas deu mais uma chance a Moro, na tréplica, de acusá-la de prender apenas “bagrinhos da corrupção”, e não “grandes tubarões”.

A nota da PF contra Moro, numa típica homenagem que o vício presta à virtude, enfatiza que é uma “instituição de Estado” e, como tal, “mantém-se firme no combate ao crime organizado e à corrupção e não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Faria bem à direção-geral do órgão seguir sua própria recomendação em vez de atuar como arremedo de cabo eleitoral do presidente.

Aumento de jovens ‘nem-nem’ desafia educação e emprego

Valor Econômico

Desaceleração da economia vai limitar a recuperação do mercado de trabalho, reduzindo as ofertas para os nem-nem

O número de ‘nem-nem’ brasileiros, jovens de 15 a 29 anos que nem estudam nem trabalham, sempre foi elevado em razão das deficiências da educação, da pobreza e do mercado de trabalho pouco vigoroso - e vem crescendo acentuadamente nos últimos dez anos. A pandemia piorou o quadro. A previsão é que vai continuar em patamar alto, o que representa ônus para a sociedade, para o governo e para os jovens, sem perspectivas de melhora de vida a curto prazo.

Em 2012, o número de ‘nem-nem’ girava em torno de 10 milhões e representava um quarto da população dessa faixa etária. No primeiro baque da pandemia, no segundo trimestre de 2020, os ‘nem-nem’ atingiram 14,9 milhões ou 29,9% desse segmento da população. No ano passado, os números recuaram, com a tímida recuperação do mercado de trabalho, mas ainda estão acima dos patamares anteriores à covid. No terceiro trimestre de 2021, dado mais recentes disponível, somavam 11,7 milhões de pessoas, ou 23,7% dos jovens da faixa etária.

Levantamento da consultoria IDados para o Valor (10/2) mostrou um aspecto preocupante dessa realidade que é a concentração dos ‘nem-nem’ nas regiões Norte e Nordeste, não por acaso as que apresentam os piores indicadores sociais e econômicos. Norte e Nordeste reúnem 48% dos ‘nem-nem’ do país, ou 5,6 milhões pelos números do terceiro trimestre de 2021. O percentual chega a 30,6% no Nordeste e é de 26,6% no Norte. Há Estados com índices acima das médias regionais, como Maranhão (36%), Amapá (34,9%), Alagoas (34,1%) e Rio Grande do Norte (30,8%). A diferença em relação a outras regiões brasileiras é bastante elevada uma vez que os ‘nem-nem’ somam 16,1% no Sul, 19,7% no Centro Oeste e 21,2% no Sudeste.

É bastante evidente a correlação entre a menor oferta de emprego e o percentual de nem-nem. No terceiro trimestre de 2021, dado mais recente do IBGE o panorama regional do mercado de trabalho, enquanto o desemprego médio estava em 12,6%, chegava a 16,4% no Nordeste, maior taxa entre as cinco regiões brasileiras. Em alguns Estados, se aproximava dos 20%, como em Pernambuco (19,3%), Bahia (18,7%) e Alagoas (17,1%). Na região Norte, a média fica em 12%, mas há também situações extremas, como Amapá (17,5%) e Maranhão (15%).

Dados do Censo Escolar de 2021 complementam esse quadro. Segundo o censo, 1,4 milhão da população de 5 a 17 anos não frequentou a escola em 2021, sendo 687 mil na faixa de 15 a 17 anos, que já se enquadra entre os nem-nem. Outra indicação é a queda das matrículas no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), que abrange a população de 17 a 55 anos e registrou a maior queda de matrículas do ano passado de 9,5%, para 2,96 milhões, em comparação com 3,3 milhões antes da pandemia e 3,7 milhões em 2017. Nos dois anos da pandemia, a queda acumulada é de 12%. Nada menos que 340 mil estudantes desse segmento não voltaram à escola.

Enfrentar a crise dos ‘nem-nem’ é uma tarefa complexa, mas precisa ser encarada. O problema deixa o Brasil em desvantagem no mercado internacional. Levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com outro recorte etário, de 18 a 24 anos, calcula que 35,9% dessa faixa nem estudam nem trabalham no Brasil, percentual superior ao de países como a Turquia, com 32,2%, e a Colômbia, com 34,5%.

Apesar de estar amargando a conta de quase 13 milhões de desempregados e predominância dos empregos informais, é preciso promover a entrada no mercado de trabalho também dos 11,7 milhões de nem-nem, que geralmente enfrentam dificuldade extra pela falta de experiência.

Em paralelo é necessário reduzir a evasão escolar e incentivar a qualificação profissional. Já durante a pandemia, a dificuldade de seguir estudando de forma remota, inclusive por falta de acesso a redes digitais e equipamentos minimamente adequados, contribuiu para desestimular o ensino. Boa parte não voltou às salas de aula. Outros até se formam, mas não conseguem acesso ao mercado der trabalho. Uma das principais preocupações em relação aos nem-nem é o tempo de permanência nesta condição, que tende a dificultar ainda mais a inserção profissional. Um problema pela frente é a expectativa de que a desaceleração da economia vai limitar a recuperação do mercado de trabalho, reduzindo as ofertas para os ‘nem-nem’.

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