EDITORIAIS
Água na fervura
Folha de S. Paulo
Autoridades eleitorais rebatem com altivez
e serenidade ofensiva de Bolsonaro
A índole arruaceira de Jair Bolsonaro (PL)
a todo momento cria situações difíceis para os responsáveis pela
institucionalidade democrática, alvo dos ataques do presidente.
Não é possível, nem seria conveniente,
responder a cada diatribe infame e no mesmo tom belicoso, ou todos seriam
arrastados para a baixaria bolsonarista. Ao mesmo tempo, não se pode permitir
que prosperem incólumes, como episódios banais, mentiras e ameaças mais e menos
veladas aos demais Poderes e ao processo eleitoral.
Entre um risco e outro, saíram-se com serenidade e altivez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, diante da recente e infelizmente previsível recarga de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.
O primeiro, que assumirá na próxima
terça-feira (22) a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), declarou-se
aberto ao diálogo e disposto a prestar os esclarecimentos desejados
por todas as autoridades da República.
Delimitou, entretanto, o direito à crítica,
fundamental, e os ataques que chegam ao inadmissível quando se baseiam em
acusações infundadas de fraudes na apuração de votos —vale dizer, tentativas de
semear o descrédito no procedimento mais básico da democracia.
Já Barroso, hoje à frente do TSE, deu
à Folha uma declaração de
confiança nas instituições nacionais ante arreganhos autoritários. Em
suas palavras, "superamos os ciclos do atraso" e "não há risco
de retrocessos", ainda que se deva manter a vigilância sempre.
O tribunal contribuiu para desarmar uma
nova invencionice de Bolsonaro ao tornar público, nesta quarta-feira (16), um
calhamaço de 700 páginas contendo 80 dúvidas apresentadas pelas Forças Armadas
a respeito do sistema eletrônico e as respostas fornecidas.
O mandatário vinha mencionando os
questionamentos —que corriam numa comissão criada para prestar informações a
autoridades e representantes da sociedade— para retomar a campanha contra as
urnas, alegando que "vulnerabilidades" estariam sob apuração.
Como de hábito, trata-se de mobilizar sob
qualquer pretexto as hostes de seguidores fervorosos. Até durante sua viagem à
Rússia, Bolsonaro achou tempo para afirmar à Jovem Pan que os ministros Fachin,
Barroso e Alexandre de Moraes pretendem favorecer seu adversário, o petista
Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas.
Que se lamente o comportamento —vil para um
candidato, que dirá para um presidente da República. Mas o esperneio de
Bolsonaro não encobre o fato, já claro para os atores políticos e institucionais,
de que haverá eleição, os votos serão apurados com lisura e o vencedor
governará o país a partir de 2023.
Ciberameaças
Folha de S. Paulo
Invasão a site oficial e vazamento no Pix
mostram despreparo ante ataque virtual
Com a escalada de tensão entre Rússia e
Ucrânia, as principais ameaças do Kremlin vão além dos mísseis ou das forças
militares posicionadas na fronteira. O governo ucraniano também prepara defesas
contra ciberataques, principalmente ao abastecimento de energia, à internet e
às comunicações.
Nos últimos dias, ofensivas virtuais foram
disparadas contra sites e agências governamentais do país europeu —acusados, os
russos negam envolvimento. Em alerta divulgado na semana passada, o governo
americano reconhece a gravidade de uma potencial ciberguerra, que poderia
impactar outros países, além de empresas.
Há mais de uma década, especialistas
alertam para potenciais efeitos no mundo físico a partir de uma ofensiva
virtual. A ameaça recairia principalmente sobre a oferta de água, luz e
combustível.
Um dos primeiros grandes marcos nessa área
foi um ataque batizado de "Stuxnet". Descoberto em 2010, a investida
afetou o programa nuclear iraniano ao destruir centrífugas usadas no
enriquecimento de urânio. Desde então, os casos se multiplicaram.
O Brasil não escapa ileso, seja de efeitos
colaterais, seja como alvo prioritário —o que muda é somente o grau de
complexidade. Com falta de atenção devida ao assunto, as capacidades de defesa
e de reação nacionais deixam a desejar e trata-se com normalidade o vazamento
de dados pessoais. Foi o que se viu no recente vazamento
de chaves Pix, o terceiro do tipo.
Por aqui, uma investida simples pode causar
estrago considerável. É possível ter acesso a conversas privadas de um ministro
de Estado sem dispor de grande sofisticação técnica. Ou interromper o cômputo
dos dados relativos a casos de Covid-19 no país por semanas.
Isso sem contar o risco de ataques partindo
de grandes grupos cibercriminosos, que também podem atuar em qualquer lugar do
mundo. Tais operações cada vez mais miram setores e indústrias que não podem
parar a produção.
Na pandemia, por exemplo, o alvo foi a
infraestrutura de saúde. Na Alemanha, em 2020, uma mulher morreu após não
conseguir atendimento em um hospital paralisado por um ataque hacker.
Países mais desenvolvidos nessa área dão pistas de como agir. As medidas passam por investimento público e na colaboração com empresas, por vezes compulsória. No Brasil, a proximidade das eleições é um fator a mais de urgência.
PF precisa manter distância do debate
eleitoral
O Globo
A Polícia Federal (PF) extrapolou suas
funções ao divulgar uma nota inesperada em que acusa o ex-juiz e ex-ministro da
Justiça e Segurança Sergio Moro de mentir. Em entrevista à Rádio Jovem Pan,
Moro, pré-candidato à Presidência pelo Podemos, criticara a atual gestão da
corporação, afirmando que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e
preso por grande corrupção”. Era um exagero, obviamente. Mas a reação da PF foi
pior. A nota estapafúrdia afirma que Moro “faz ilações” ao citar trocas do
diretor-geral, Paulo Maiurino, como retaliações. E argumenta ter feito “mais de
mil prisões apenas por crimes de corrupção nos últimos três anos”.
Como todo pré-candidato ou candidato, Moro
tem o direito de expressar seus pontos de vista. A PF, em contrapartida, não
tem o direito de entrar no debate eleitoral. Primeiro, porque, como instituição
de Estado, não é sua função. Segundo, porque, nesse caso específico, é parte
envolvida, o que recomendaria ainda mais manter a distância, a discrição e a
sobriedade por que sempre se pautou. Moro deixou o governo em 2020 acusando o
presidente Jair Bolsonaro de querer interferir na PF, denúncia sob investigação
no Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde a saída de Moro, a PF parece cada vez
menos uma corporação que deveria servir a todos os brasileiros e mais a polícia
de Bolsonaro, que a chama de “minha Polícia Federal”. Delegados que contrariam
interesses políticos do governo têm sido sumariamente afastados ou postos na
geladeira. Foi o caso de Alexandre Saraiva, que acusou o então ministro do Meio
Ambiente Ricardo Salles de atrapalhar investigações sobre apreensão recorde de
madeira e de favorecer madeireiras. A delegada que atuou no processo de
extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos também acabou
defenestrada. O mesmo ocorreu com outros que investigam autoridades com foro
privilegiado junto ao Supremo.
A despeito da competência indiscutível
revelada em inúmeras operações, algumas investigações da fase atual chegam a
constranger. Um exemplo é o caso Covaxin. Como mostrou a CPI da Covid,
Bolsonaro foi informado sobre suspeitas de irregularidades na oferta de compra
da vacina, mas as denúncias não foram adiante. A investigação da PF, que nem
ouviu Bolsonaro, concluiu que ele não prevaricara porque a Constituição não afirma
expressamente ser dever do presidente mandar apurar esse tipo de denúncia.
Claro que nem tudo está dominado. Na
investigação sobre o vazamento de dados sigilosos de um inquérito da PF durante
uma “live” do presidente e do deputado Filipe Barros, a delegada Denisse
Ribeiro foi contundente. Disse ter encontrado indícios de que Bolsonaro teve
“atuação direta, voluntária e consciente” na prática do crime de violação de
sigilo funcional com Barros (Bolsonaro se recusara a prestar depoimento sobre o
caso).
A reação fora de tom da PF aos comentários
legítimos de Moro abre péssimo precedente e gera temores de que esse
comportamento descambe para um bate-boca sem nexo ao longo da campanha
eleitoral, que ainda nem começou. A Polícia Federal é instituição de Estado. E
assim deve permanecer, a despeito das investidas do bolsonarismo, ávido por
capturar e submeter organismos do governo a sua ideologia. É fundamental que a
PF se mantenha afastada do debate político. Polícia não tem partido. Ou não
deveria ter.
Manipular preço de combustíveis é um erro
que não devemos repetir
O Globo
É difícil exagerar as consequências
nefastas de um eventual subsídio aos combustíveis, tema em debate no Congresso
com o incentivo do Palácio do Planalto. A primeira e mais óbvia é fiscal.
Cortar impostos sem novas fontes de receita para tapar o buraco esvazia o caixa
do governo e agrava ainda mais a dívida pública.
Essa é a principal conclusão de um novo
estudo do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), ligado aos maiores bancos
do mundo. Pelos cálculos do IIF, até a proposta menos radical, defendida pelo
Ministério da Economia, teria impacto fiscal equivalente a 0,5% do PIB. A
versão analisada no Senado, que prevê corte de impostos e um “vale
caminhoneiro”, custaria 1% do PIB — e causaria o dobro dos problemas.
Evitar o descontrole da dívida pública já
seria motivo suficiente para não aprovar a medida. Mas ainda há pelo menos três
outras boas razões para rejeitar as propostas de mexer nos impostos com o
objetivo de segurar o preço dos combustíveis.
A primeira são os efeitos indesejáveis de
qualquer intervenção nos mercados. O diesel artificialmente mais barato para
caminhões criaria distorções em todas as cadeias produtivas. Rodovias
continuariam a ser privilegiadas em detrimento de outros meios de transporte.
Como não se faria o melhor uso dos recursos, o resultado no médio prazo seria
perda de eficiência, com maior custo para toda a economia. Haveria também
incentivo a maiores emissões de carbono. No momento em que todas as empresas
deveriam pensar em investir em frotas elétricas, a queda forçada no preço do
diesel atrasaria os planos.
A segunda razão é o impacto no negócio das
empresas de combustível. O histórico desastrado de intervenções do governo
nesse mercado reúne todo tipo de manobra. No governo Dilma, a manutenção
artificial de preços baixos levou a Petrobras a acumular a maior dívida de sua
história, afetou o plano de investimentos da empresa e a geração de empregos.
Agora, o impacto pode ser de outra natureza e não se restringe à Petrobras.
Para empresas menores, as consequências dos malabarismos nos preços podem ser
ainda piores.
É o caso dos produtores independentes de
petróleo, em particular os instalados no Nordeste, que estariam entre as
principais vítimas de outra aberração em discussão: a ideia de criar um imposto
sobre a exportação de petróleo. Os apoiadores dessa iniciativa — gestada e
apoiada por congressistas do PT — parecem não ter aprendido nada com todos os
erros do governo Dilma na Petrobras.
A terceira razão, ressaltada pela colunista
Míriam Leitão no GLOBO, é que derrubar o preço do diesel é uma política
injusta, que beneficiaria uma minoria à custa da maioria. Dos 2,5 milhões de
caminhões registrados, apenas 37% são de autônomos. O resto pertence a empresas
e poucas cooperativas. Para beneficiar 1 milhão de caminhoneiros, o presidente
Jair Bolsonaro esquece que recursos públicos são escassos e que existem
carências sociais mais urgentes.
Nanismo diplomático
O Estado de S. Paulo
Inoportuna e contraproducente em relação aos interesses nacionais, a visita de Bolsonaro a dois populistas autoritários só se explica pela sua lógica eleitoral
A viagem do presidente Jair Bolsonaro à
Rússia e à Hungria terminou sem compromissos, acordos ou alianças relevantes,
enfim, sem qualquer ganho palpável aos interesses nacionais. O consolo é que,
dado o histórico de trapalhadas do presidente, a coisa poderia ter sido pior.
Se os interesses do Brasil com a Hungria
são inócuos, a Rússia fornece fertilizantes para o agronegócio e tem empresas
relevantes na área de energia. Além disso, integra o Brics, é um polo
tecnológico e uma superpotência militar, membro permanente do Conselho de
Segurança da ONU, com capacidade de facilitar as pretensões do Brasil. Em
tempos normais, portanto, não haveria inconveniente no encontro entre os
líderes russo e brasileiro. Mas estes não são tempos normais nem esse é um
governo normal.
O encontro, é verdade, foi marcado antes da
crise com a Ucrânia. Mas quando as hostilidades começaram, em novembro, havia
tempo para manejar sem atritos um adiamento e evitar o risco de um presidente
brasileiro assistir de um camarote russo à invasão. Se nas últimas semanas não
havia essa margem e, por sorte, a invasão não aconteceu, nem por isso o Brasil
foi poupado de constrangimentos. Nas declarações oficiais, Bolsonaro fez acenos
genéricos à paz. Mas, falando no improviso, corroborou um recuo russo – negado
pela Otan –, chegando a insinuar que poderia ter sido por sua influência. Pior:
declarou que o Brasil é “solidário” à Rússia – que, sem entrar no mérito da
disputa, é o país agressor, não o agredido.
Mas a viagem não foi só inadvertidamente
inoportuna, como previsivelmente contraproducente. Reza o bêábá da diplomacia
que um chefe de Estado não viaja para negociar acordos, só para fechá-los ou
destravar impasses. Mas nada disso, nem sequer uma negociação, estava na pauta.
A nota do Itamaraty expõe essa vacuidade.
Encontros protocolares e pragmaticamente
inócuos são justificáveis na rotina das relações com parceiros relevantes. Mas,
para que a justificativa seja válida, é preciso que haja essa rotina. Porém a
única diretriz palpável da política externa de Bolsonaro foi a bajulação do
ex-presidente americano Donald Trump. Fora isso, não houve nenhum compromisso
bilateral relevante. Nos fóruns internacionais, limitou-se a propagandear
realizações fictícias de seu governo e, em vez de criar laços com outras
lideranças, preferiu conversar com garçons e insultar chefes de Estado, como a
chanceler da Alemanha ou o presidente da França. Mais grave foi a hostilidade
intempestiva a parceiros comerciais como a China, o maior de todos, ou à
Argentina, o maior comprador da indústria nacional.
Quanto à questão mais sensível para a
comunidade internacional, a ambiental, Bolsonaro só ofereceu desídia e
escárnio, chegando a ameaçar retaliar com “pólvora” uma delirante invasão da
Amazônia pelos EUA. Na pandemia, consagrou-se como o líder negacionista par
excellence. Ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como
Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou
o Brasil.
Injustificável em relação aos interesses do
País, a viagem é explicável pelos interesses eleitorais do clã Bolsonaro. Tanto
que o presidente, que se especializou em ridicularizar os protocolos sanitários
no Brasil, se submeteu a uma humilhante bateria de testagens só para garantir
uma foto ao lado do ditador russo. O vereador Carlos Bolsonaro, coordenador das
virulentas redes sociais do pai, teve lugar de destaque na delegação
presidencial, e certamente não era para negociar fertilizantes.
Na falta de algo mais elevado, a militância
bolsonarista se refestela com a foto em que Bolsonaro aparece mais alto do que
Putin. Felizmente, a sua minúscula estatura como estadista permitiu que a
visita inoportuna passasse despercebida aos olhos da comunidade internacional.
Mas isso é já um sintoma do apequenamento a que ele submete o Brasil. Em outros
tempos, o País seria encarado como um ator diplomático relevante; hoje, com
Bolsonaro, é só digno de dó.
Uma boa notícia para a Eletrobras
O Estado de S. Paulo.
Mais do que o cumprimento de uma promessa
de campanha, privatização é fundamental para que empresa recupere a capacidade
de investimentos
A aprovação da primeira etapa da
privatização da Eletrobras pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vitória
importante para o governo, ainda que seja preciso cumprir muitas outras fases
até o fim do processo. Com o aval da Corte de contas, a companhia deverá
levantar R$ 67 bilhões em uma emissão de ações que reduzirão a fatia da União
dos atuais 60% para 45%. Desse total, R$ 25,3 bilhões serão pagos ao Tesouro em
troca de novos contratos de concessão, o que permitirá a adoção de preços
livres para a venda da energia de suas hidrelétricas, em substituição do regime
de cotas, suficiente apenas para cobrir custos de operação e manutenção. Essa
mudança terá impacto nas tarifas pagas pelos consumidores, mas uma parte disso
será abatida com os R$ 32 bilhões a serem repassados a um fundo setorial que
banca subsídios. Também haverá recursos bilionários para a recuperação de
bacias hidrográficas do Norte, Nordeste e Sudeste.
O próximo estágio é obter o apoio dos
acionistas à oferta de ações em uma assembleia em 22 de fevereiro, muito
provavelmente marcada por uma guerra judicial, com liminares impetradas por sindicatos
e acompanhadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) em todo o País. Outra parte
relevante será o cálculo do preço mínimo da ação e as condições finais da
oferta secundária dos papéis, sob comando do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Essa etapa é a mais sensível do processo e também
precisará da concordância dos ministros do TCU, conforme estabelece a lei do
Programa Nacional de Desestatização (PND). A Corte pode considerar o preço
muito baixo e mandar o governo aumentá-lo. O problema será se os investidores
não concordarem com a avaliação do TCU e o considerarem excessivo. Isso
derrubaria toda a operação e manteria a empresa na situação em que está.
O cronograma com o qual o governo trabalha
é bastante apertado. Para poder usar as demonstrações financeiras do primeiro
trimestre de 2022, será preciso concluir a capitalização até 12 de maio. Não é
impossível finalizar o processo depois disso, mas o País estará no período
eleitoral, o que pode reduzir a propensão dos investidores a entrar no negócio
e ter impacto no preço da ação. Esperar que as privatizações de empresas
públicas não façam parte dos embates entre os candidatos à Presidência da
República e que isso não influencie o apetite do mercado é ingenuidade.
A privatização da Eletrobras representa
muito mais do que a tábua de salvação do ministro da Economia, Paulo Guedes,
que prometia arrecadar R$ 1 trilhão na venda de estatais. Com as restrições
orçamentárias do Executivo, somente com capital privado a Eletrobras poderá
recuperar sua capacidade de investimentos e se manter entre as maiores empresas
de energia da América Latina. Sob controle da iniciativa privada, ela terá mais
flexibilidade para comprar equipamentos e contratar serviços, hoje ações
limitadas por regras da administração pública que exigem licitações. Também
será dispensada de realizar concurso para contratação de empregados e de adotar
planos de incentivo a demissões e aposentadorias para reduzir o quadro. Quanto
maior for seu lucro, mais dividendos ela pagará à União, o que possibilitará
mais recursos para despesas com saúde e educação, verdadeira vocação estatal.
O maior risco ao sucesso do processo hoje é
o embate político. A aprovação da privatização da Eletrobras teve um preço alto
para a sociedade, como provam as emendas estranhas à matéria que foram
embutidas na proposta. As próximas fases tendem a ser mais burocráticas do que
políticas, mas tampouco devem ser menosprezadas. Sabe-se que o presidente Jair
Bolsonaro não tem qualquer afeição a um Estado mais eficiente e se preocupa
apenas com sua reeleição. O pior cenário possível, nesse sentido, seria
paralisar a capitalização pelo desespero de obter votos e manter as obrigações
impostas por meio dos “jabutis”, como termoelétricas em locais sem reservas ou
gasodutos. As consequências seriam a disparada da conta de luz e a ruína da
Eletrobras.
A Polícia Federal sobe no palanque
O Estado de S. Paulo.
Ao atacar um adversário político de
Bolsonaro, a PF serve aos propósitos eleitorais do presidente
As evidências da captura de instituições de
Estado pelo bolsonarismo são atualizadas com frequência diária, mas um novo
patamar é atingido quando a Polícia Federal (PF) se presta ao papel de
participar ativamente da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Não
há outra interpretação possível sobre a intenção da nota oficial divulgada
nesta semana pela PF, em resposta às críticas do ex-juiz Sérgio Moro, segundo
as quais ninguém combate a corrupção na gestão Jair Bolsonaro.
Para justificar seu ponto, Moro mencionou a
proximidade entre o governo e o Centrão e o ingresso do presidente no PL,
partido associado ao mensalão, e questionou, ironicamente, se alguém na
Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal estava acompanhando
algum escândalo. Segundo ele, “muita coisa vai aparecer” quando esses órgãos
retomarem a autonomia.
As críticas de Moro são perfeitamente
normais em uma campanha eleitoral. Já a reação da PF foi absolutamente
inadequada, e seu único propósito parece ser o de servir como peça de
propaganda de Bolsonaro contra seu ex-ministro e atual concorrente. “Moro desconhece
a Polícia Federal e negou conhecê-la quando teve a chance. Enquanto ministro da
Justiça não participou dos principais debates que envolviam assuntos de
interesse da PF e de seus servidores”, diz o comunicado, uma referência
esquisita ao fato de que o então ministro supostamente não atuou como
sindicalista na defesa dos interesses da corporação na reforma da Previdência.
“O ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF. O papel da
corporação não é produzir espetáculos. O dever da polícia é conduzir
investigações, desconectadas de interesses político-partidários.”
Pré-candidato do Podemos à Presidência,
Moro apresenta como credenciais seu papel na Operação Lava Jato, reivindicando
a liderança no combate à corrupção – combate que, segundo diz, foi abandonado
por Bolsonaro a despeito de suas promessas de campanha. Ademais, Moro tenta
explorar na campanha o fato de que decidiu deixar o governo Bolsonaro depois
que, segundo alega, ficou claro que o presidente pretendia interferir na
Polícia Federal.
Não é preciso concordar com Moro para
aceitar a legitimidade de sua estratégia eleitoral. Cabe a seus adversários na
disputa responderem às suas críticas, se assim desejarem, pois é desse modo que
se faz campanha política para tentar ganhar votos. Quem não deveria entrar
nessa discussão, típica de palanque, é a Polícia Federal. Além disso, a PF
apenas deu mais uma chance a Moro, na tréplica, de acusá-la de prender apenas
“bagrinhos da corrupção”, e não “grandes tubarões”.
A nota da PF contra Moro, numa típica
homenagem que o vício presta à virtude, enfatiza que é uma “instituição de
Estado” e, como tal, “mantém-se firme no combate ao crime organizado e à
corrupção e não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Faria
bem à direção-geral do órgão seguir sua própria recomendação em vez de atuar
como arremedo de cabo eleitoral do presidente.
Aumento de jovens ‘nem-nem’ desafia
educação e emprego
Valor Econômico
Desaceleração da economia vai limitar a
recuperação do mercado de trabalho, reduzindo as ofertas para os nem-nem
O número de ‘nem-nem’ brasileiros, jovens
de 15 a 29 anos que nem estudam nem trabalham, sempre foi elevado em razão das
deficiências da educação, da pobreza e do mercado de trabalho pouco vigoroso -
e vem crescendo acentuadamente nos últimos dez anos. A pandemia piorou o
quadro. A previsão é que vai continuar em patamar alto, o que representa ônus
para a sociedade, para o governo e para os jovens, sem perspectivas de melhora
de vida a curto prazo.
Em 2012, o número de ‘nem-nem’ girava em
torno de 10 milhões e representava um quarto da população dessa faixa etária.
No primeiro baque da pandemia, no segundo trimestre de 2020, os ‘nem-nem’
atingiram 14,9 milhões ou 29,9% desse segmento da população. No ano passado, os
números recuaram, com a tímida recuperação do mercado de trabalho, mas ainda
estão acima dos patamares anteriores à covid. No terceiro trimestre de 2021,
dado mais recentes disponível, somavam 11,7 milhões de pessoas, ou 23,7% dos
jovens da faixa etária.
Levantamento da consultoria IDados para
o Valor (10/2)
mostrou um aspecto preocupante dessa realidade que é a concentração dos
‘nem-nem’ nas regiões Norte e Nordeste, não por acaso as que apresentam os
piores indicadores sociais e econômicos. Norte e Nordeste reúnem 48% dos
‘nem-nem’ do país, ou 5,6 milhões pelos números do terceiro trimestre de 2021.
O percentual chega a 30,6% no Nordeste e é de 26,6% no Norte. Há Estados com
índices acima das médias regionais, como Maranhão (36%), Amapá (34,9%), Alagoas
(34,1%) e Rio Grande do Norte (30,8%). A diferença em relação a outras regiões
brasileiras é bastante elevada uma vez que os ‘nem-nem’ somam 16,1% no Sul,
19,7% no Centro Oeste e 21,2% no Sudeste.
É bastante evidente a correlação entre a
menor oferta de emprego e o percentual de nem-nem. No terceiro trimestre de
2021, dado mais recente do IBGE o panorama regional do mercado de trabalho,
enquanto o desemprego médio estava em 12,6%, chegava a 16,4% no Nordeste, maior
taxa entre as cinco regiões brasileiras. Em alguns Estados, se aproximava dos
20%, como em Pernambuco (19,3%), Bahia (18,7%) e Alagoas (17,1%). Na região
Norte, a média fica em 12%, mas há também situações extremas, como Amapá
(17,5%) e Maranhão (15%).
Dados do Censo Escolar de 2021 complementam
esse quadro. Segundo o censo, 1,4 milhão da população de 5 a 17 anos não
frequentou a escola em 2021, sendo 687 mil na faixa de 15 a 17 anos, que já se
enquadra entre os nem-nem. Outra indicação é a queda das matrículas no Ensino
de Jovens e Adultos (EJA), que abrange a população de 17 a 55 anos e registrou
a maior queda de matrículas do ano passado de 9,5%, para 2,96 milhões, em
comparação com 3,3 milhões antes da pandemia e 3,7 milhões em 2017. Nos dois
anos da pandemia, a queda acumulada é de 12%. Nada menos que 340 mil estudantes
desse segmento não voltaram à escola.
Enfrentar a crise dos ‘nem-nem’ é uma
tarefa complexa, mas precisa ser encarada. O problema deixa o Brasil em
desvantagem no mercado internacional. Levantamento da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com outro recorte etário, de 18
a 24 anos, calcula que 35,9% dessa faixa nem estudam nem trabalham no Brasil,
percentual superior ao de países como a Turquia, com 32,2%, e a Colômbia, com
34,5%.
Apesar de estar amargando a conta de quase
13 milhões de desempregados e predominância dos empregos informais, é preciso
promover a entrada no mercado de trabalho também dos 11,7 milhões de nem-nem,
que geralmente enfrentam dificuldade extra pela falta de experiência.
Em paralelo é necessário reduzir a evasão escolar e incentivar a qualificação profissional. Já durante a pandemia, a dificuldade de seguir estudando de forma remota, inclusive por falta de acesso a redes digitais e equipamentos minimamente adequados, contribuiu para desestimular o ensino. Boa parte não voltou às salas de aula. Outros até se formam, mas não conseguem acesso ao mercado der trabalho. Uma das principais preocupações em relação aos nem-nem é o tempo de permanência nesta condição, que tende a dificultar ainda mais a inserção profissional. Um problema pela frente é a expectativa de que a desaceleração da economia vai limitar a recuperação do mercado de trabalho, reduzindo as ofertas para os ‘nem-nem’.
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