Folha de S. Paulo
Mas rebentos do bolsonarismo organizam a
direita extrema, um terço do Congresso
Um decreto de Jair Bolsonaro deu
a Ciro Nogueira poderes de arbitrar e decidir conflitos legais entre
ministros. Nogueira é ministro da Casa Civil, senador e presidente licenciado
do PP, cardeal
do centrão e
regente do governo. Em janeiro, outro decreto havia lhe dado poderes sobre
mudanças em princípio pequenas no Orçamento, mas que tutelavam Paulo Guedes.
São sinais menores e oficiais de que
Bolsonaro terceirizou o governo que jamais assumiu — em um país menos anormal,
seriam questiúnculas administrativas. Mas Nogueira ganha
poderes desde que se tornou ministro, em agosto de 2021, compondo a
diarquia informal que comanda com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Nogueira, Lira e turma tocaram o Bolsa
Família engordado, o Auxílio
Brasil, puseram Guedes no cantinho, decidiram o que sobra de dinheiro livre
do Orçamento, chutaram o pau do teto
de gastos e agora tentavam diminuir impostos em massa a fim de fazer
demagogia com o preço
dos combustíveis.
Foi o comando do centrão que deu um chega
para lá em Bolsonaro, no auge da campanha golpista, no 7 de Setembro. Desde
então, procura evitar que Bolsonaro diga um excesso de atrocidades, para que
ocupe menos tempo no noticiário negativo. Tentaram até fazer com que
Bolsonaro dissesse
algo a favor de vacinas. Mesmo a filhocracia ficou algo mais quieta.
Trata-se de uma espécie de iluminismo fisiológico da era das trevas, 2019-2022, para dizer a coisa de modo sarcástico.
Os cacos que eram o programa econômico
bolsonarista foram triturados pela epidemia.
Sob o centrão, viraram pó. O esquema serviu para aliviar conflitos com o
Supremo, abafar de vez a ideia de impeachment e sustentar política e financeiramente
(reeleger) parte da bancada do centrão. Nessa coabitação, Bolsonaro não
levou adiante seus projetos de tirania, mas manteve os poderes de pregar
"contra o sistema", propagandear ignorância, selvageria e reação.
Apesar de ainda mais diminuído, como se
fosse possível, Bolsonaro ou a onda que o levou ao poder pariu rebentos,
bastardos, ramos e variantes que organizam a direita partidária. O sistema
político está em desordem, fica evidente na tentativa frenética de montar o
quebra-cabeças de alianças e federações. O fato de o candidato
favorito, Lula (PT), até ontem ser vítima de ostracismo odiento e de
Bolsonaro, "incubente", ser rejeitado por dois terços do eleitorado
dificulta a montagem. Mas algo se organiza.
Há um partido de extrema direita, o PL de
Bolsonaro, o nacional-mensalismo, que até abril pode ter uns 60 deputados (o
maior partido da legislatura era o PSL, com 55). Há um partido de direita
extrema, o União Brasil, feito de restos do PSL que largou Bolsonaro, e de DEM
governista hoje ou amanhã, que pode ter mais de 60 deputados, no fim das
migrações. Há o partido de Sérgio Moro, ora de extrema direita, mas que pode
dar uma rasteira no ex-juiz para se pendurar em quem estiver para ganhar (11
deputados). Há um satélite bolsonarista de extrema direita, o bloco PSC-PTB (22
deputados).
Bolsonaro não é capaz, por "limites
cognitivos", por ser "antissistema" e impopular, de passar um
pente nem na política eleitoral de 2022. A fragmentação partidária e a inépcia
de Bolsonaro fazem com que as composições pareçam uma dança de pedaços de
gelatina colorida em uma tigela.
Mas os cacos do bolsonarismo e os
fisiológicos puros se aliam em partidos extremistas no seu descaramento
negocista e reacionarismo, ora quase um terço do Congresso.
O governo é uma mula sem cabeça, mas com um monstro que foi capaz de encabeçar um movimento reacionário que não se via no Congresso faz mais de 40 anos.
Pois é,Bolsonaro é pequeno,mas seu estrago foi grande.
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