segunda-feira, 14 de março de 2022

Alex Ribeiro: O Copom vai largar a meta de 2023?

Valor Econômico

Baixar rapidamente a inflação causaria um alto custo à economia

Com o choque nos preços de petróleo, dos alimentos e dos metais causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o mercado está reestimando as suas projeções de inflação para percentuais ainda mais altos. Muitos estão questionando: o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deveria jogar a toalha e desistir de cumprir a meta de inflação de 2023?

A julgar pelo histórico da diretoria do BC, comandada por Roberto Campos Neto, isso é pouco provável. O Copom deverá manter o foco em trazer a inflação, que chegou a 10,54% no período de 12 meses até fevereiro, ao objetivo de 3,25% definido para o ano que vem. Mas é possível que passe a agir de forma mais gradual, sem as altas agressivas que imprimiu na taxa Selic até fevereiro.

O principal argumento dos defensores de uma convergência mais lenta da inflação para a meta é que o sacrifício, em termos de perda de atividade econômica e de alta do desemprego, seria muito alto. Mais recentemente, surgiu um novo argumento, ligado à estabilidade financeira. A economia teria se moldado ao ambiente de juros mais baixos, de um dígito, e uma alta muito forte da Selic poderia desestabilizar empresas e o setor financeiro.

Uma corrente advoga que o Copom deve olhar mais para a atividade econômica depois que entrou em vigor a lei da autonomia do Banco Central. Ela amplia o mandato da autoridade monetária, que deve se preocupar não apenas com a estabilidade de preços, mas também com a suavização das flutuações da atividade.

Mas o sistema brasileiro é diferente dos Estados Unidos, em que o Federal Reserve (Fed, o BC americano) tem dois objetivos, o controle da inflação e o pleno emprego, e pode escolher livremente qual deles vai priorizar. Por aqui, o objetivo principal é a inflação. O BC deve suavizar o impacto na atividade econômica desde que não haja prejuízo à estabilidade da moeda.

Para cuidar da atividade, o Banco Central vai deixar a inflação ficar bem mais alta do que a meta neste ano. As estimativas mais recentes dos analistas econômicos indicam que a inflação poderá ir a 7% em 2022. Para trazer a inflação à meta deste ano, de 3,5%, a dose de juros teria que ser muito forte. Uma consequência disso seria que, em 2023, a inflação poderia ficar muito baixa, exigindo corte de juros. Esse sobe e desce de juros provocaria volatilidade desnecessária na atividade e no emprego.

A estabilidade financeira também faz parte do mandato do Banco Central, mas seria algo pouco usual a autoridade monetária abrir mão de manipular os juros para zelar pelo controle da inflação. O BC trabalha com o princípio da separação de instrumentos e objetivos. O juro serve para colocar a inflação na meta. A regulação, incluindo medidas macroprudenciais, garante a estabilidade financeira.

A ata da última reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do BC, ocorrida em fins de fevereiro, não identificou nenhum risco especial nessa área. O documento apenas recomenda que os bancos, que vêm ampliando o crédito a pessoas físicas em modalidades mais arriscadas, redobrem os cuidados, diante dos riscos de desaceleração econômica e de alta de inadimplência. Mas os testes de estresse mostram que o sistema está capitalizado para absorver choques extremos.

Tudo indica, portanto, que o Copom deverá focar no seu objetivo principal de colocar a inflação na meta. Em fevereiro, o comitê já foi bem mais conservador do que o esperado, sinalizando levar os juros ao fim do ciclo de aperto para patamares bem maiores do que o mercado previa.

Um ponto que preocupa o BC é o avanço da inflação de serviços. Pelo dado mais recente, acelerou-se de 5,1% para 5,9% de janeiro a fevereiro. O diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, alertou que essa alta é perigosa porque, nos serviços, a inércia é forte. A inflação corrente de serviços prevê muito do que será a inflação de serviços dentro de 12 meses. Os preços desse setor estão subindo não apenas devido à reabertura da economia, mas por força da própria inércia. Quanto mais demorar para cumprir a meta de inflação, mais resistentes ficam os preços de serviços.

O ataque à Ucrânia complica esse quadro. O efeito primário da alta de combustíveis e alimentação deverá se concentrar nesse ano, mas um pedaço dele deverá se transmitir para 2022. As previsões dos analistas estão migrando para uma inflação de 4% no próximo ano, ante uma meta de 3,25%. Essa carestia ocorre a despeito de a taxa de juro prevista para o fim de ciclo de aperto estar migrando para 13% ao ano.

Os técnicos do BC vão apresentar as suas projeções de inflação para o Copom nesta semana, e analistas privados dizem que é difícil ficar muito abaixo dos 4% esperados pelo mercado. O Copom, ultimamente, tem projetado uma inflação algo como 0,3 ponto percentual menor do que os analistas de fora do governo. Mas, quando se considera o balanço de riscos negativo do colegiado, as previsões se aproximam bem.

Quem faz as contas sobre a dose de juro necessária para trazer uma inflação tão alta para a meta também chega à conclusão de que o esforço não seria pequeno. Cada alta de 1 ponto percentual na meta da taxa Selic baixa a inflação em 0,26 ponto percentual, com uma defasagem de 18 meses. Daí se conclui que seria preciso uma dose adicional de juros de cerca de dois ou três pontos percentuais, além do que já estava na conta do mercado.

Em tese, porém, o Banco Central não precisa dar a dose adicional de juros, qualquer que seja ela, de forma antecipada. Também não precisa se comprometer com nenhuma taxa no final de ciclo. O Copom se moveu mais rápido no ano passado, quando tirou a meta da Selic da mínima de 2% e trouxe a 10,75%, com altas de 1,5 ponto percentual em algumas reuniões. Nesta semana, o consenso é que suba a 11,75% ao ano.

Agora que o juro não está mais fora do lugar, o Copom tem mais tempo para avaliar melhor o tamanho do choque causado pela guerra. Por isso que a aposta dominante no mercado é de que o comitê ajuste o juro de forma gradual. O desafio, ao agir devagar, será convencer a ala conservadora do mercado de que não abandonou a meta de 2023.

 

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