terça-feira, 8 de março de 2022

Andrea Jubé: A tática antigolpe de Lula e Bolsonaro

Valor Econômico

Temor é de que para atrair o centro, Lula espante a periferia

Antípodas políticos, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazem cálculos políticos quase convergentes para escolher o companheiro de chapa.

O primeiro quer, de novo, um general da reserva para se blindar de um golpe do Congresso. O petista quer um ex-adversário, possível símbolo de uma ampla aliança política, para se blindar de um golpe militar.

Dois fatores traduziriam a escolha de Geraldo Alckmin, um ex-algoz do PT, para compor a chapa presidencial com Lula. O capital político do ex-tucano para ajudar o PT a tentar eleger pela primeira vez o governador de São Paulo, façanha nunca antes alcançada pela legenda.

Em segundo lugar, o desafio de construir a mais ampla aliança política desde a redemocratização, para tentar blindar Lula e o PT do risco de um eventual golpe militar, num contexto de declarações de Bolsonaro de que não aceitaria a derrota nas urnas.

Ontem a perspectiva do ex-tucano se tornar vice de Lula avançou várias quadras no tabuleiro após a reunião de Alckmin com a cúpula do PSB, em que sua filiação ao partido foi selada. Mas apesar da evolução, esse movimento ainda gera profundo descontentamento em alas do PT e na militância.

Na sexta-feira, uma discussão online, puxada pelos ex-presidentes do PT Rui Falcão e José Genoino, amplificou a insatisfação nos andares de baixo do partido.

Há um desconforto no fato de que, empenhados em atrair as forças de centro, Lula e o PT se arrisquem a espantar os votos da periferia, outrora reduto cativo da legenda. Lembre-se que em 2016, o tucano João Doria - hoje presidenciável do PSDB -, impediu a reeleição do prefeito Fernando Haddad e venceu o páreo, com votos da periferia.

“O que estou observando nas favelas do Sol Nascente, Pôr do Sol, Estrutural, é que nossas irmãs [e irmãos] pretas e pretos, que já tinham aquecido seus corações para trabalhar pelo Lula e pelo PT e por Dilma, que é adorada na periferia, esse aquecimento, com o anúncio de Alckmin como vice, vem arrefecendo”, protestou a pastora Wall Moraes, liderança do PT entre negros e evangélicos no Distrito Federal.

O ativista Carrapa, de 57 anos, liderança do PT na favela da Vila Kennedy, na zona oeste do Rio de Janeiro, também questionou a opção pelo ex-tucano: “do ponto de vista das favelas, das comunidades, estações de trens, metrô, barcas, o Alckmin é um chuchu, ele não agrega eleitoralmente nada para o Lula, não é ele que vai trazer essa conciliação [na política]”, criticou.

Carrapa não poupou nem Lula, que declarou que Alckmin é uma pessoa preocupada com os pobres. “Isso não é verdade, Alckmin sempre foi uma pessoa preocupada em espancar professores, o índice de assassinatos de periféricos, de negros como eu, subiram quando Alckmin era governador”, completou. Ele ressalvou que votará em Lula, mas se sentirá constrangido de pedir votos para a chapa por causa do ex-tucano.

Para o deputado Rui Falcão (SP), o problema é que o PT enfrentará uma “campanha de guerra”, com “milícias, ‘fake news’, ameaças de não ceder à vitória se ela provir”, entre outros desafios. E nessa conjuntura de adversidades, teme que impor um ex-adversário como vice de Lula desmobilize a militância, em uma campanha em que o engajamento, o corpo a corpo, a conversa olho no olho farão a diferença para conquistar votos.

Em contrapartida, o secretário-geral do PT, deputado Paulo Teixeira (SP), argumenta que num cenário de “tanta destruição e da ameaça de um golpe militar, o esforço do partido é a construção de uma chapa ampla” para reverter tudo isso. Teixeira não acredita no risco de desmobilização dos militantes, porque todos teriam a “dimensão dos danos que esse presidente causou ao país”.

Mas Teixeira ressalta que a discussão do vice de Lula se dará em outro momento e com a participação da militância. “O que está em debate hoje é a candidatura do Lula e o programa de governo, o vice é o passo seguinte”. O PT prepara o lançamento da pré-candidatura de Lula para a primeira quinzena de abril.

No outro front

Em outra frente, a sondagem ao comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, para assumir o Ministério da Defesa a partir de abril, mostra que ganhou corpo nos bastidores do Palácio do Planalto a reedição da chapa encabeçada por Bolsonaro, tendo um general da reserva na vice - no caso, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto.

A conclusão de Bolsonaro e de uma parcela de aliados é de que, apesar dos percalços com o vice atual, o general Hamilton Mourão, ele efetivamente blindou o presidente de um eventual impeachment - palavra que circulou vivamente no Congresso no primeiro ano da gestão do ex-capitão, antes da aliança com o Centrão.

O vice de Bolsonaro não será definido antes de junho, mas há expectativa de que ele solicite a Braga Netto que se desincompatibilize no prazo legal e fique à disposição para ser escalado como eventual vice em sua chapa. Se isso não ocorrer, ele engrossaria o time da coordenação da campanha, já que prefere não disputar outros cargos eletivos.

Braga Netto ostenta um perfil ainda mais adequado que o de Mourão para o cargo pela notória discrição e apreço ao silêncio. Até hoje, as generosas declarações de Mourão à imprensa causam arrepios no presidente.

Eventual escolha do general Paulo Sérgio Nogueira para o lugar de Braga Netto daria oportunidade a Bolsonaro para escolher outro comandante para a força terrestre. A possibilidade, todavia, gera desconforto em setores da força terrestre: seria a terceira sucessão no comando sob um mesmo presidente.

Outro incômodo entre militares é que eventual nomeação do comandante para um ministério resgataria a polêmica associação entre governo e Exército. Não completou uma semana a aguardada publicação no Diário Oficial da União do decreto de transferência do general de Divisão e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para a reserva remunerada. A relação entre Exército e o governo federal é harmoniosa, mas os militares da ativa preferem ver cada um no seu quadrado.

 

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