terça-feira, 8 de março de 2022

Pedro Cafardo: O provável triste fim do grupo do Brics

Valor Econômico

Ação de Putin vai provocar inflação elevada em todo o mundo e levar Rússia ao isolamento e empobrecimento ainda maior

anos uma guerra mundial sanitária, provocada pela covid-19, depara-se agora com uma guerra convencional, detonada pela vontade do autocrata russo Vladimir Putin.

A invasão da Ucrânia pela Rússia era uma das ameaças que pairavam sobre o planeta, capaz de impedir a recuperação global iniciada com a redução da pandemia. Analistas não acreditavam que Putin fosse tão insano a ponto de autorizar uma invasão no momento em que o mundo começa a superar a pandemia. Ele provou que é.

A despeito de suas reservas de US$ 630 bilhões, já parcialmente bloqueadas, e de seu poderio nuclear, herança da ex-União Soviética, a Rússia tem um desempenho econômico pífio nas duas últimas décadas. Jim O’Neill, em entrevista ao Valor de quarta-feira (2/3), disse que a Rússia está querendo ser “mais do que seu peso econômico lhe permite”, 2% do PIB global.

O’Neill é o economista criador, quando trabalhava na Goldman Sachs, do célebre acrônimo Bric, dando origem ao grupo que reuniu a princípio os grandes emergentes - Brasil, Rússia, Índia e China - e que posteriormente ganhou um “s” ao incorporar a África do Sul. Em 2001, ao concluir seu estudo, O’Neill previa que os quatro emergentes deveriam se tornar, até 2050, a maior força econômica mundial, superando em valor do PIB os países do G6, que são EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália.

Na entrevista ao Valor, O’Neill observou que Rússia e Brasil foram uma “grande decepção” nas duas últimas décadas: não conseguiram fazer crescer suas economias de acordo com o nível previsto pelo trabalho.

Após a declaração de O’Neill, o economista Robinson Moraes, do Valor Data, comparou os dados projetados no estudo original dos Brics com o crescimento efetivo nos últimos 21 anos. O resultado, retratado nos gráficos ao lado, comprovam a declaração. A Rússia continua pobre, mas arrogante (finge ser rica), a ponto de invadir um país vizinho e ameaçar o mundo com seu arsenal nuclear. Seu crescimento acumulado no período foi de 90,8%, ante uma expectativa de 134,8% indicada no trabalho de O’Neill.

O desempenho do Brasil é ainda mais decepcionante, ocupando a lanterna do grupo: crescimento de 54,2% ante uma previsão de 109,2%. China e Índia brilharam e expandiram o PIB bem além do previsto pelo trabalho. O que levou O’Neill a dizer que, em vez de Bric, deveria ter criado o acrônimo IC.

Até 2013, tanto Rússia quanto Brasil apresentaram índices de crescimento econômico que confirmavam a trajetória prevista pelo trabalho de O’Neill. A partir de 2014, passaram a ter expansão sempre inferior à projetada e seguem de braços dados - conduta que parece agradar a Jair Bolsonaro - como retardatários do bloco. Na Rússia, as principais razões da semiestagnação são conhecidas: sanções econômicas aplicadas pelas potências ocidentais após a anexação da Crimeia, em 2014, e a queda dos preços do petróleo, principal produto de exportação do país.

Para a doença da estagnação brasileira há diferentes diagnósticos. Os economistas mais ortodoxos sustentam que decorre de políticas irresponsáveis dos governos petistas, especialmente o de Dilma Rousseff, que desestimulou investimentos com sua irresponsabilidade fiscal. Os heterodoxos sustentam que a economia desabou por causa da queda das commodities e depois que passou a prevalecer, em 2014/15, a política radical de contenção de gastos e austeridade fiscal.

As declarações de O’Neill, de qualquer forma, parecem marcar o triste fim do grupo do Brics, que se uniu, criou um banco, mas não evoluiu para um relacionamento efetivo. Agora que um dos membros do grupo invadiu o vizinho europeu, a ineficácia do grupo se tornou ainda mais evidente. O próprio banco do Brics suspendeu empréstimos à Rússia. A ONU aprovou resolução em que condenava o ataque russo na Ucrânia e pedia a imediata retirada das tropas. O Brasil votou a favor da resolução, embora com algumas ressalvas - a posição do presidente Jair Bolsonaro é de neutralidade. China e Índia se abstiveram.

Seja qual for o destino da guerra, a economia da Rússia será duramente afetada durante mais uma década, a menos que o povo russo force um acordo de paz e a retirada de Putin do poder, o que é pouco provável.

Putin deve levar o mundo para um período de inflação elevada, e o povo russo para um isolamento e empobrecimento. Mas esse desastre econômico tende a ser uma lição exemplar, que deve servir para outros países potencialmente agressores ou que não se adequem às novas unanimidades globais, como as da área ambiental.

 

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