sexta-feira, 18 de março de 2022

Bruno Boghossian: Medo não enche barriga

Folha de S. Paulo

Presidente depende de plataforma dupla, com socorro econômico e discurso político

Quem ouviu o último discurso de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto não teve nem sinal de que o governo havia acabado de lançar um torpedo de R$ 150 bilhões para ajudar sua reeleição. Em 30 minutos, o presidente atacou governadores, repetiu suspeitas sobre as urnas eletrônicas e disse estar diante de uma disputa do "bem contra o mal".

Não partiu de Bolsonaro nenhuma palavra sobre um pacote considerado crucial pelos políticos que tocam a campanha do presidente. O governo liberou até R$ 1.000 do FGTS para 40 milhões de pessoas e antecipou o 13º de 30 milhões de aposentados e pensionistas. Além disso, ampliou a margem de empréstimos consignados, que miram até as famílias de baixa renda do Auxílio Brasil.

Bolsonaro deveria ser a pessoa mais interessada em bater bumbo para medidas que podem amortecer o mau humor da população com as incertezas da economia, mas preferiu manter os holofotes sobre velhas batalhas e as mesmas questões políticas que explorou em 2018. O movimento mostra que sua campanha depende de uma plataforma dupla para se manter de pé.

Mesmo que o dinheiro liberado provoque algum alívio, nenhuma ação de curto prazo será suficiente para produzir um bem-estar generalizado na população. Bolsonaro já deve ter percebido, a esta altura, que não tem munição suficiente para transformar a eleição num julgamento sobre o estado da economia.

O presidente mantém vivo seu programa moral e ideológico porque esse é o único modo de evitar que a campanha se transporte integralmente para uma arena em que ele come poeira. Pesquisas recentes mostraram que, entre eleitores que apontam a economia como razão principal para o voto na próxima disputa, Lula lidera com folga.

As medidas econômicas do governo são incapazes de zerar esse jogo, mas podem ajudar Bolsonaro a transitar num território menos avesso a seu discurso político. O presidente sabe que o medo do comunismo não enche a barriga de ninguém.

 

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