Folha de S. Paulo
Presidente depende de plataforma dupla, com
socorro econômico e discurso político
Quem ouviu o último discurso de Jair
Bolsonaro no Palácio do Planalto não teve nem sinal de que o governo havia
acabado de lançar um
torpedo de R$ 150 bilhões para ajudar sua reeleição. Em 30 minutos, o
presidente atacou governadores, repetiu suspeitas sobre as urnas eletrônicas e
disse estar diante de uma disputa do "bem contra o mal".
Não partiu de Bolsonaro nenhuma palavra sobre um pacote considerado crucial pelos políticos que tocam a campanha do presidente. O governo liberou até R$ 1.000 do FGTS para 40 milhões de pessoas e antecipou o 13º de 30 milhões de aposentados e pensionistas. Além disso, ampliou a margem de empréstimos consignados, que miram até as famílias de baixa renda do Auxílio Brasil.
Bolsonaro deveria ser a pessoa mais
interessada em bater bumbo para medidas que podem amortecer o mau humor da população
com as incertezas da economia, mas preferiu manter os holofotes sobre velhas
batalhas e as mesmas questões políticas que explorou em 2018. O movimento
mostra que sua campanha depende de uma plataforma dupla para se manter de pé.
Mesmo que o dinheiro liberado provoque
algum alívio, nenhuma ação de curto prazo será suficiente para produzir um
bem-estar generalizado na população. Bolsonaro já deve ter percebido, a esta
altura, que não tem munição suficiente para transformar a eleição num
julgamento sobre o estado da economia.
O presidente mantém vivo seu programa moral
e ideológico porque esse é o único modo de evitar que a campanha se transporte
integralmente para uma arena em que ele come poeira. Pesquisas recentes
mostraram que, entre eleitores que apontam a economia como razão principal para
o voto na próxima disputa, Lula lidera com folga.
As medidas econômicas do governo são
incapazes de zerar esse jogo, mas podem ajudar Bolsonaro a transitar num
território menos avesso a seu discurso político. O presidente sabe que o medo
do comunismo não enche a barriga de ninguém.
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