quarta-feira, 23 de março de 2022

Bruno Boghossian: Por trás de fachada conservadora

Folha de S. Paulo

Negociação de verba se encaixa em plataforma ideológica do governo Bolsonaro no MEC

Jair Bolsonaro distorceu as funções do Ministério da Educação quando submeteu o ensino do país à cartilha de grupos religiosos. Com um pastor no comando do órgão, o governo quis decidir o que pode ser dito na escola e cobrado em provas oficiais. Por trás dessa fachada conservadora, havia outros interesses em jogo.

Há mais de um ano, líderes evangélicos controlam uma cota milionária de verbas no ministério, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo. Os pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura não ocupam cargos oficiais, mas definem a agenda de autoridades da pasta e negociam a liberação de dinheiro para municípios.

A dupla não alcançou todo esse prestígio por acaso. Como revelou uma reportagem da Folha, o próprio ministro Milton Ribeiro admitiu, numa conversa gravada, que o governo prioriza o envio de dinheiro aos prefeitos "que são amigos do pastor Gilmar". Ele disse ainda que o favorecimento era "um pedido especial" do presidente da República.

Tudo indica que Bolsonaro entregou uma fatia do governo federal aos pastores para favorecer a expansão da rede de igrejas controlada pela dupla. Na gravação, o ministro da Educação indica que a contrapartida esperada dos políticos era um "apoio sobre construção das igrejas". Ribeiro fala como se fosse quase um sócio dos lobistas: "O apoio que a gente pede não é segredo".

O toma lá dá cá vai além da relação entre os pastores e seus amigos nos municípios. O fortalecimento de igrejas aliadas, com acesso ao dinheiro público, também ajuda Bolsonaro a ampliar sua própria base de apoio político, alcançando uma capilaridade com prefeituras e templos espalhados pelo país.

O governo organizou e vitaminou uma operação de tráfico de influência ao apontar oficialmente os personagens autorizados a distribuir a verba da educação. A filiação religiosa desses atores poderia ser um mero detalhe, mas Bolsonaro e Ribeiro adotam uma plataforma ideológica que concentra o mercado de lobby nas mãos desse grupo.

 

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