terça-feira, 15 de março de 2022

Carlos Andreazza: Bolsonaro competitivo

O Globo

Em dois artigos recentes, a 22 de fevereiro e 1º de março, mencionei o que chamo de tripé competitivo por meio do qual, creio, Bolsonaro chegará forte à eleição. Hoje, aprofundarei o exame dessa sustentação.

Antes, uma nota. Embora o ímpeto tenha arrefecido nas últimas semanas, mais torcida que projeção derivada de análise, há ainda quem considere significativa a chance de Lula vencer no primeiro turno; algo que não ocorreu nem quando era presidente e tinha a estrutura do Estado a seu favor.

Com a estrutura do Estado a seu favor, vem — virá — Bolsonaro. Não pode ser subestimado o efeito do novo Bolsa Família, de R$ 400, sobre sua campanha, nem o ritmo como a Caixa — duplo de comitê de campanha bolsonarista e banco para microcrédito — multiplica agências Brasil adentro. Difícil que não cresça. Crescerá articulando o aludido tripé. A primeira das pernas, muito testada, a que nunca lhe faltou; que se expressou, fisicamente, nos eventos golpistas do Sete de Setembro — e que encarna a desestabilização permanente que caracteriza o bolsonarismo.

O presidente tentará a reeleição a partir de uma base de apoio fiel, alimentada e radicalizada sob o discurso antiestablishment — discurso com poderosa capacidade de mobilização. Mobilização promovida por uma rede de canais — que compõem o que nomeei zap profundo — em que a desinformação é ministrada, assimilada e repassada como verdade; mas, sobretudo, como maneira de distinguir e unir. Não se pode menosprezar — não de novo — esse modo de comunicar e fidelizar ao mesmo tempo. Um modo de comunicar que difundiria o certo — que estaria com a verdade — apenas por não reproduzir conteúdos da dita grande mídia.

Bolsonaro tem base social. Representa cerca de 15% do eleitorado — mais proximamente dos 20%. Posição que coloca o competidor, de largada, já muito perto do segundo turno. É base sólida, experimentada, por exemplo, quando da ruptura com Sergio Moro. Evento de potencial traumático que, na prática, em não mais que um dia — sob ordem unida — cicatrizou-se na figura de um ex-juiz traidor, Lava-Jato ao mar. A forma escrachada como Bolsonaro firmou sociedade com Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto nem sequer balançou esse pilar.

Essa base, por óbvio, é sectária. Depende do conflito. Da forja de inimigos artificiais. Moro virou inimigo. Há os governadores e suas medidas — em prol da vacinação — que teriam trancado a liberdade individual. Um combate contra tiranos — opressores do direito de ir e vir — que se dá no plano do delírio, fabricando lockdowns imaginários, mas que é eficiente como linguagem arregimentadora de identidades. E há o sistema eleitoral, a urna eletrônica — o paraíso ao exercício das teorias conspiracionistas que animam o bolsonarismo. Daí por que Bolsonaro — persona cuja existência depende da geração de instabilidades — nunca deixará de plantar desconfianças contra o TSE.

A segunda perna, já referida neste artigo, é a mais recente. A parceria com PP e PL —firmada por aquele que acabaria com a mamata, eleito sob a parolagem antipolítica de não negociar com os tipos a quem, anos depois, entregaria o governo, entregou a Casa Civil, em posição sem precedentes. Pacto cujo batismo foi consagrado na forma do Orçamento da União — pervertido em orçamento corporativista e eleitoreiro — como entregue a Ciro Nogueira, gestor último, bem aquinhoados pachecos e alcolumbres, da máquina discricionária em que vão ocultas, enganado o Supremo, as emendas do relator. Serão R$ 16,5 bilhões os dinheiros ao dispor do orçamento secreto no ano eleitoral — o verdadeiro fundão eleitoral de Bolsonaro, Lira e outros sócios.

Essa é a sociedade — entregues o Planalto e Paulo Guedes (sem resistência) a Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto — em que o presidente aposta para ganhar campo no Nordeste e no Norte. Farão o diabo.

E que se aguarde nova sangria fiscal, à margem do teto de gastos (se teto ainda houvesse), para segurar — com pouco resultado nas bombas — os preços de diesel e gasolina. Teremos não apenas queda na arrecadação, mas, mui provavelmente, a abertura de créditos extraordinários para bancar subsídios sem foco. Aguarde-se também — desejo não abandonado — o reajuste patrimonialista aos setores do funcionalismo público que integram a base bolsonarista.

A terceira perna é a mais antiga, anterior mesmo — embora decisiva — à ascensão de Bolsonaro. Perna que vai adormecida, já com algum formigamento, e com cujo despertar (Moro ajuda nisso) o presidente conta para pelejar no que seria um confronto violento de rejeições: o sentimento antilulopetismo. Bolsonaro investe num futuro — num dilema — em que seu eleitor de 2018, mesmo que muito insatisfeito com ele, ainda o preferirá, se por alternativa tiver Lula e o PT.

Proponha a questão — e se for contra Lula? — aos eleitores de Bolsonaro exaustos de Bolsonaro; e veja que o cansaço não será tão absoluto assim.

 

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