terça-feira, 15 de março de 2022

Míriam Leitão: Cenário econômico piora com a guerra

O Globo

A guerra turvou ainda mais o cenário do último ano do governo Bolsonaro. O país já estava com a inflação alta e a economia estagnada. Mas agora a esse quadro difícil se somam todos os efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia, o que levará o país a ter mais inflação, menos crescimento, mais juros. O Copom se reúne hoje e amanhã para subir a Selic em mais um ponto percentual. As projeções são de que os juros vão a 13% este ano, uma taxa enorme para um PIB que pode não sair do zero.

Da última reunião do Copom para cá, os indicadores pioraram, e esta guerra terrível estourou afetando todas as projeções. A inflação está em dois dígitos desde setembro, mas os economistas projetam um recuo este ano. Ainda acham que vai ficar abaixo de 10%, mas a cada dia a estimativa é revista para cima. Na última reunião do Copom, a mediana do Focus apontava 5,38%, agora está em 6,45%. O Credit Suisse divulgou ontem um relatório apostando em 7%. É muito difícil saber, mas o viés é de alta para os preços, e a piora das expectativas já atinge os anos de 2023 e 2024, que começam a escapar do centro da meta.

No ano, o petróleo tipo brent já subiu 36%. E isso porque ontem teve queda. A volatilidade está intensa, ontem abriu em US$ 112 e acabou fechando em US$ 105, mas na semana passada passou de US$ 130. Desde a última reunião do Copom, a alta do petróleo foi de 18%, o preço do trigo na Bolsa de Chicago saltou 44%, o do milho, 19%. Há risco concreto de falta de fertilizantes para a próxima safra e isto já está refletido na disparada dos preços sentida já pelos produtores brasileiros. Enfim, todos esses números mostram que a economia está diante de um choque externo.

O choque atinge uma economia já fragilizada pela pandemia e pelos erros de gestão da crise e do país pelo governo Bolsonaro. Em 2020 e 2021 o dólar subiu 38%, isso se refletiu nos preços e elevou todos os índices. Um exemplo desse desequilíbrio é que as commodities estavam em alta engordando o saldo comercial. Normalmente, quando sobem os produtos que o Brasil exporta, a moeda se valoriza. Aconteceu o oposto no biênio 2020-2021. Só agora houve o movimento natural de queda do dólar com as commodities em alta. Bolsonaro, durante toda a pandemia, brigou com os estados, atacou o Supremo, enfraqueceu os esforços do país no combate ao vírus, fez ameaças de ruptura institucional, sendo o auge em 7 de setembro do ano passado. Isso é parte da história da disparada do dólar no ano passado e dos desequilíbrios na economia. O crescimento do PIB de 4,6% foi recuperação da queda do ano anterior, mas não levou a um novo padrão de crescimento. Mesmo antes da guerra a previsão era de que o PIB cresceria magérrimos 0,3%. Agora a previsão foi revista para 0,5%, por razões estatísticas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem exaltado a política fiscal do governo Bolsonaro. Argumenta que as contas públicas voltaram ao azul, com o superávit primário de R$ 64 bilhões em 2021. O problema é que quem sustentou esse resultado foram os estados, que registraram superávit de R$ 97,7 bilhões, e não o governo federal, que teve déficit de R$ 35,9 bilhões. Além disso, houve uma forte ajuda da inflação, como mostra estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Federais (Febrafite). Praticamente todos os componentes das receitas foram turbinados pela alta dos preços. A arrecadação de ICMS subiu pelos combustíveis mais altos, os royalties de petróleo e minério de ferro aumentaram com a disparada internacional, e até produtos industrializados chegaram ao país encarecidos pela disrupção das cadeias de suprimentos. Pelo lado da despesa, o governo congelou salários de servidores em termos nominais por dois anos, por causa da pandemia, mas agora tudo indica que haverá um efeito rebote: reajustes para compensar as perdas nos próximos anos.

— O bom desempenho das receitas guarda forte relação com a alta da inflação em 2021, além do bom momento das commodities e mesmo da desvalorização cambial. No médio e longo prazos, não se pode contar com estes efeitos anabolizantes geradores de bons resultados no curto prazo — afirmou o presidente da Febrafite, Rodrigo Spada.

A guerra traz mais instabilidade para uma economia que já estava com diversos desequilíbrios.

 

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