sábado, 5 de março de 2022

Cristina Serra: A Ucrânia e o PL anti-indígena

Folha de S. Paulo

O PL trata as terras dos povos originários como a última fronteira a ser derrubada

Governistas estão usando a guerra na Ucrânia e o possível desabastecimento de fertilizantes no Brasil como chantagem para acelerar a votação do projeto de lei 191/2020. Como se sabe, o projeto viola a Constituição ao permitir a mineração e o garimpo (entre outras atividades) em territórios indígenas.

A eventual escassez é mero pretexto para passar o rolo compressor sobre os direitos dos indígenas. Mesmo que o projeto seja aprovado na Câmara em regime de urgência, provavelmente a guerra já terá terminado quando a tramitação for concluída.

Uma importante contribuição para entender o que está em jogo é o relatório "Quem é quem no debate da mineração em terras indígenas", organizado pela historiadora Ana Carolina Reginatto e pelo geógrafo Luiz Jardim Wanderley.

Recém-divulgado pela ONG Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, o trabalho esmiúça os lobbies, as entidades poderosas do setor e as forças políticas e econômicas articuladas para avançar sobre novas áreas de extração mineral num cenário em que grandes jazidas são cada vez mais raras.

O PL trata as terras dos povos originários como a última fronteira a ser derrubada para permitir a entrada avassaladora das engrenagens que produzem devastação ambiental, conflitos, violência, doença e morte na floresta. Os indígenas não foram ouvidos e são tratados como seres invisíveis, sem poder de veto contra os grandes empreendimentos.

A proposta estabelece consultas de faz de conta e uma vaga forma de remuneração pela exploração econômica dos territórios, além de estimular disputas entre os indígenas pelos recursos.

A análise dos dois pesquisadores mostra ainda que o projeto pode criar condições semelhantes à da "corrida do ouro", nos anos 1980, na Amazônia, quando invasões e massacres quase levaram ao extermínio de povos como os yanomamis e os cintas-largas. Se aprovado, será um golpe fatal contra os indígenas, comandado por Bolsonaro, seu maior algoz.

 

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