domingo, 27 de março de 2022

Elio Gaspari: Os pastores das sombras

O Globo /Folha de S. Paulo

O último escândalo é sempre o mais popular. O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, terceirizou o acesso a recursos de sua pasta, transformando os pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura em corretores junto a prefeitos de pelo menos 15 cidades de 8 estados.

Gilmar é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e dirige o Instituto Teológico Cristo para Todos. Arilton é assessor de assuntos políticos da Convenção Nacional das Igrejas e preside seu conselho político.

dupla teria chegado ao ministério depois de um pedido do presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos meses, reuniram-se 19 vezes com Ribeiro e em alguns casos a agenda do ministro registrava o assunto: "alinhamento político".

Ribeiro, como seus três antecessores no ministério de Bolsonaro, é uma usina de incontinências verbais, mas nenhum deles foi apanhado criando a figura de corretores de verbas para construir ou reformar creches e escolas, bem como para conseguir equipamentos eletrônicos. Repetindo: equipamentos eletrônicos.

Os prefeitos de dois municípios revelaram que a dupla cobrava um capilé que ia de R$ 15 mil a R$ 40 mil para abrir os processos, bem como taxas de sucesso quando a verba fosse liberada. Pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação, o FNDE. Repetindo: FNDE.

Num caso, Arilton pedia 1 kg de ouro (cerca de R$ 300 mil). Noutro pediu que lhe comprasse mil Bíblias, a R$ 50 cada uma.

(Tramita na Câmara dos Deputados um projeto que prevê pena de até cinco anos de cadeia para quem usar indevidamente a palavra Bíblia.)

O ministro explicou-se revelando que pode ter sido enganado e que em agosto passado pediu à Controladoria-Geral da União que investigasse denúncias. Contudo, em novembro Ribeiro recebeu Arilton acompanhado de um prefeito e 16 dias depois o FNDE liberou R$ 200 mil para sua cidade.

Uma semana depois da primeira notícia dessa bizarria, o presidente Jair Bolsonaro proclamou:

"Estamos há três anos e três meses sem corrupção no governo federal".

Não é bem assim.

O cofre do FNDE foi atacado em 2019

Bolsonaro estava a poucas semanas do primeiro aniversário do seu governo quando, em dezembro de 2019, o repórter Aguirre Talento revelou que a Controladoria-Geral da União havia capturado um jabuti numa licitação de R$ 3 bilhões (mais ou menos dez toneladas de ouro, na cotação de hoje).

O ervanário sairia do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, aquele onde até poucos meses agiam os pastores do ministro Milton Ribeiro. Destinava-se também à compra de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino.

O leilão eletrônico foi anunciado em agosto e aconteceu em setembro. A CGU pegou o jabuti antes que se batesse o martelo do certame.

Num memorável trabalho de 66 páginas, os analistas da CGU descobriram o seguinte: a escola municipal Laura de Queiroz, de Itabirito (MG), com 255 alunos receberia 30.030 laptops.

Seriam 117 laptops para cada estudante. Mais: 355 escolas receberiam um número de laptops superior ao de alunos.

O edital tinha também sinais de direcionamento. Um fornecedor apresentava-se em papel timbrado de outro, que também participava da licitação, usando o mesmo CNPJ.

Ambos cometeram o mesmo erro de português nas cartas de proposta: "Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária."

O jabuti do edital do FNDE foi abatido por um organismo de controle do governo Bolsonaro.

Depois de ter sido suspenso, o edital foi cancelado e não se falou mais no assunto, até que apareceram os pastores que agenciam verbas do FNDE inclusive para compra de equipamentos eletrônicos.

A frase do presidente —"Estamos há três anos e três meses sem corrupção no governo federal"— ficaria redonda se os responsáveis pelo edital tivessem sido identificados, oferecendo explicações públicas para suas condutas.

Isso nunca aconteceu, apesar de terem sentado na cadeira dois ministros da Educação e três presidentes do Fundo. O atual chefiava o gabinete do senador Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil de Bolsonaro e um dos marqueses do centrão.

Em tempo: o FNDE tem um orçamento de R$ 55 bilhões.

GÊNIOS MILITARES

O comando do Exército tirou do ar o site Observatório de Doutrina do Exército, onde um çábio previu que as tropas russas tomariam Kiev num prazo de cinco a dez dias contados a partir do início da invasão.

O autor não deve ficar triste.

No final de 1941, uns seis meses depois da invasão da Rússia pelas tropas alemãs, os çábios do Estado-Maior do general Góes Monteiro, gênio militar do Estado Novo, previram que com a chegada da primavera, em abril de 1942, "as operações serão reabertas com o objetivo de pôr fora de causa a URSS no ano corrente, no mais curto prazo, como fator essencial para o desenvolvimento ulterior da guerra".

No final de 1941 havia começado a batalha de Moscou e a ofensiva alemã nessa frente foi paralisada. As tropas que seguiram para Stalingrado renderam-se no inverno seguinte.

Os Estados Unidos entraram na guerra e quem foi posta fora de causa foi a Alemanha.

Salomão disse tudo ao mandar Deltan indenizar Lula

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, disse tudo ao fixar em R$ 75 mil a indenização que o ex-procurador Deltan Dallagnol deverá pagar a Lula pela sua espetaculosa exposição de PowerPoint de 2016:

— Deve-se considerar a gravidade do fato em si [...], a partir de imputações da prática de crimes que não foram objeto da denúncia, com diversos ataques à honra e vilipêndio aos direitos fundamentais de qualquer acusado; os meios utilizados na divulgação, com convocação dos principais canais de TV para transmissão ao vivo, para o Brasil e outros países, com ampla repercussão; a responsabilidade do agente, que à época dos fatos era profissional experiente, procurador da República, capaz tecnicamente de identificar os termos utilizados em seu discurso e a repercussão das notícias que se propagava.

Espetáculo tem preço.

SALTO ALTO

O Datafolha informa:

Lula 55% (contra 59% na pesquisa anterior), Bolsonaro 34% (contra 30% na anterior).

A vida real revela: Um cidadão de boa biografia convidou Lula para uma palestra e ouviu do comissário:

Vamos analisar.

Assessor de candidato a vereador diria o seguinte:

Vamos voltar a nos falar e combinamos.

ARMINIO ENQUADRA QUEIROGA

O doutor Marcelo Queiroga defende a criação de um sistema de open health, pelo qual operadoras poderiam trocar informações financeiras (como fazem os bancos) e médicas de seus clientes.

Tomou um contravapor de Arminio Fraga, que entende mais de banco (e de saúde pública) que ele:

Ficar doente é uma situação bem diferente de não pagar um empréstimo.

O SUS enfrenta inúmeras dificuldades. O ministro da Saúde faria bem em dedicar a ele a sua atenção.

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