quinta-feira, 31 de março de 2022

Maria Cristina Fernandes: Carteira de clientes

Valor Econômico

Pires deve informar empresas para as quais prestou serviço

Corria o governo Michel Temer e a gestão Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados quando um currículo chegou à Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras. Vinha diretamente do Palácio do Planalto. Era de um advogado, cuja carteira de clientes percorria a linha sucessória da Presidência da República de cima a baixo.

Derrotada a turma do deixa-disso, a Petrobras resolveu encarar. Um emissário bateu à porta da subsecretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência para tratar do assunto. No primeiro “veja bem” o burocrata deu pra trás. O presidente, disse, já tinha desistido de indicá-lo.

Se os procedimentos de governança, como o general Joaquim Silva e Luna garantiu em palestra do Superior Tribunal Militar, estiverem mantidos, Adriano Pires terá que passar pelo mesmo escrutínio.

Para se descobrir as causas defendidas por um advogado, porém, há meios relativamente transparentes, como a busca eletrônica nos tribunais. Para fazer o mesmo com um consultor como Pires é preciso que ele forneça as informações.

Há setores na empresa determinados a colocar tudo em pratos limpos. Nos mais de 40 anos de consultoria, exercidos paralelamente à docência na UFRJ, acumulou clientes. É sobre eles que o economista deve ser chamado a prestar informações, vide a “Política de Indicação de Membros da Alta Administração e do Conselho Fiscal”.

Lá está escrito que os integrantes do conselho devem atender aos critérios de independência descritos no estatuto da empresa. O inciso IX, parágrafo 2 do artigo 21 do estatuto diz que é vedada a indicação, para cargo de administração, de “pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a União ou com a própria Companhia”.

O economista está em período de silêncio em função da assembleia de acionistas que deverá aprovar a chapa de conselheiros enviada pela União. O site de sua consultoria, porém, informa que entre seus clientes estão empresas do setor de eletricidade, óleo e gás, álcool.

Não há segredo nisso. Tanto que o economista, seis dias antes de sua indicação pelo presidente da República, período em que escolhas do gênero costumam ser marcadas por busca de apoio político por parte dos candidatos, assinou artigo no site “Poder360” em que defende o incentivo aos gasodutos das usinas térmicas.

Ora, é exatamente a mesma demanda da bancada do setor, uma das mais operantes na gestão do deputado Arthur Lira (PP-AL) na Câmara. A bancada das térmicas atuou com especial afinco na privatização da Eletrobras, ocasião em que se fixou uma demanda mínima a ser fornecida pelas térmicas, algumas delas instaladas em Estados que não dispõem de gás.

Naquela mesma medida provisória tentou-se aprovar a obrigatoriedade de a União bancar a construção de gasodutos, mas os interesses das empresas já estavam tão escancarados que a prebenda não emplacou. Voltou em outra MP, mas também foi derrotada.

Agora chegou na forma de jabuti de um projeto de lei (414) que deve entrar em pauta na próxima semana na Câmara. Este PL defende que os gasodutos devem ser financiados pelos recursos do pré-sal. O relator é o ex-ministro do Ministério das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), que já tem um discurso pronto para tirar esta conta do caixa das empresas - “será repassada para o consumidor”.

Como Pires não se manifesta, seu artigo é a última opinião expressa sobre o tema. E sugere que os parlamentares contem, também, com seu apoio. É assim que o lobby das térmicas, que já tem uma relação, no mínimo, amigável, com Rodolfo Landim, indicado para a presidência do Conselho, se firma, definitivamente, como o mais poderoso da República.

É óbvio que Pires não teria sido escolhido se fosse este seu único atributo. No mesmo artigo, apresenta outro. É favorável à criação de um fundo, com duração de três a seis meses que cubra as oscilações de preço decorrentes da guerra da Ucrânia. Os recursos viriam de dividendos, royalties, participações especiais ou mesmo da venda do óleo. Desde que não se mexa na política de preços, alertou.

Este é outro tema que está em tramitação no Congresso. Como nenhum dos fundos em debate agrada ao ministro da Economia, a disposição de Pires para o embate com Paulo Guedes se sobressai como outro de seus atributos. Para o Centrão.

Na palestra que fez no STM, Silva e Luna mencionou “autoridades de alto nível” às quais havia tentado explicar que a Petrobras não pode fazer política nem política pública. Esta autoridade entende quando está no modo racional e deixa de entender quando passa para o emocional. Ele levou o braço curvado para cima de sua cabeça para mostrar que se trata de autoridade acima dele. Nem precisava tanto para se referir a Bolsonaro.

Nesta mesma palestra, proferida no dia seguinte à indicação Pires, o general disse, duas vezes, que a Petrobras não era lugar para “aventureiros”. Não foi esta a reputação amealhada por Pires até aqui. Mas ele deve fornecer a lista de clientes para mostrar que a carapuça não lhe serve.

Rinha de galo

Quatro dias depois do festivo pré-lançamento da recandidatura de Jair Bolsonaro pelo PL, as relações do presidente com seu partido já entram em modo combustão. Se a filiação do ministro da Infraestrutura pelo Republicanos para a disputa ao governo paulista já estava acordada, o mesmo não pode se dizer da ficha que será assinada por Damares Alves.

Assim como Freitas, a ministra dos Direitos Humanos oficializará a filiação ao Republicanos do deputado Marcos Pereira (SP) para disputar o Senado pelo Distrito Federal. E Damares deverá fazer este anúncio no Amapá, terra do senador Davi Alcolumbre (União Brasil -AP) que, por muito tempo, apavorou-se com a perspectiva de a ministra disputar a cadeira que gostaria de renovar.

É um gesto de quem não quer guerra com Alcolumbre, mas abre um contencioso com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e, principalmente, com a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que também disputará, pelo PL, vaga ao Senado do Distrito Federal. Bolsonaro vale-se de Pereira para conter o avanço do PL, a nova casa de dois ministros: João Roma (Cidadania) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). É uma decisão que não apenas opõe os dois caciques como ameaça constranger o apoio amealhado por Flávia Arruda na cúpula do PP.

 

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