segunda-feira, 28 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O Brasil na nova ordem mundial

O Estado de S. Paulo.

A democracia liberal e a globalização econômica enfrentam a sua maior prova desde o fim da guerra fria. Mas o destino do Brasil está nas mãos dos brasileiros

A guerra na Ucrânia é o evento geopolítico mais importante desde a queda do Muro de Berlim. A disseminação do liberalismo por meio da retroalimentação entre a democracia e a economia de mercado está ameaçada: em 30 anos, o mundo nunca esteve tão distante do Fim da História, na fórmula otimista de Francis Fukuyama, e tão próximo do Choque de Civilizações, na visão pessimista de Samuel Huntington. Como disse ao Estadão o economista Martin Wolf: “Começamos a nos mover para uma era de conflitos geopolíticos entre democracias e autocracias”. A questão é quão longos, amplos e profundos eles serão.

No pior cenário, o mundo será rachado em dois blocos, o democrático, liderado por EUA e Europa, e o autocrático, liderado por China e Rússia. A desconfiança, não só entre esses blocos, mas em seu interior, pode intensificar o populismo e a corrida nacionalista, balcanizando a economia global. As hostilidades podem escalar para uma 3.ª guerra mundial e, no limite, uma hecatombe nuclear: não o “Fim da História”, mas algo muito próximo do fim do mundo.

Por outro lado, os blocos podem se equilibrar. Sem abrir mão de seus regimes políticos, ambos poderiam combinar segurança e abertura econômica, e cooperar em objetivos como a paz mundial e o combate à crise climática ou à fome. No melhor cenário, a crise pode dar um novo senso de propósito à democracia, a ordem liberal pode ser revigorada no Ocidente e, gradualmente, as forças liberais nas potências autocráticas podem desencadear a erosão do totalitarismo.

O certo é que o liberalismo político e econômico terá de provar resiliência.

Há mais de uma década a democracia está em recessão e a autocracia em ascensão. China e Rússia expandem seu aparato de controle e se mostram mais desabridas em suas ambições imperialistas, enquanto as democracias no Ocidente têm sido vulneradas por aventuras populistas e autoritárias. A globalização sofreu golpes severos: a crise de 2008, as guerras comerciais de Donald Trump, a pandemia e, agora, a guerra.

A alta nos preços de energia e alimentos conduz a uma estagflação – mais ou menos prolongada, conforme o desfecho da guerra. “Acho que haverá uma ‘desglobalização’ entre os países ocidentais e Rússia e a China”, argumentou Wolf. “Os outros países terão de decidir como vão manter relações comerciais.”

A economia brasileira será relativamente pouco afetada. Nem EUA nem China vão querer interferir diretamente no País. A indústria do Brasil talvez siga pouco dinâmica e integrada, mas as suas commodities são importantes para ambos os lados. A exportação de alimentos é vital para o mundo e deve ser, na medida do possível, preservada.

Entre os desafios econômicos estão a estabilidade monetária e financeira e o controle da inflação e da dívida das empresas em dólar. “O País tem ido bem nessa área, mas não sei quanto isso vai durar com o populismo”, advertiu Wolf. “O Brasil precisa de uma liderança melhor.” A crise intensificou a importância das eleições. “Gostaria de ver um líder jovem, com as ideias certas, competente, que diz a verdade aos brasileiros e tenta uni-los para usar o imenso potencial que o Brasil tem.”

Como disse o analista geopolítico Gideon Rachman, para a crise na Ucrânia há três opções: “Uma guerra prolongada; um compromisso de paz; ou um golpe na Rússia. Conte com o primeiro, trabalhe pelo segundo e tenha esperança no terceiro”. Em relação à ordem mundial, pode-se dizer algo análogo: conte com o acirramento entre o bloco democrático e o autoritário, trabalhe por um compromisso entre eles e tenha esperança no reflorescimento das liberdades. Em todo caso, o Brasil tem grandes responsabilidades a assumir e muito trabalho à frente.

Como disse Wolf, “minha visão sempre foi a de que 90% do que determina o sucesso do Brasil são as decisões feitas pelos brasileiros: a qualidade de seus líderes”. Dada a tradição diplomática do Brasil e sua posição na ordem geopolítica e econômica, esse diagnóstico é tão realista quanto alvissareiro. Mas, dada a qualidade dos líderes de intenção de voto, o prognóstico é extremamente desafiador.

Desleixo com as agências reguladoras

O Estado de S. Paulo.

O desfalque na composição das agências por interesses políticos é uma subversão dos valores da administração pública

O governo do presidente Jair Bolsonaro e o Senado travam uma batalha em torno do preenchimento de dezenas de vagas em agências reguladoras, órgãos federais e embaixadas. A demora na recomposição das vacâncias, sobretudo nas agências reguladoras, já seria péssima para o País se os “padrinhos políticos” estivessem disputando para emplacar nos cargos os profissionais mais qualificados do ponto de vista técnico. No entanto, não é o melhor interesse público que parece estar em jogo. Estivessem genuinamente atentos aos anseios da sociedade, os senadores já teriam deliberado sobre os nomes indicados pelo Palácio do Planalto há mais tempo, pois o desfalque na composição das agências reguladoras e de outros órgãos federais é extremamente prejudicial para o bom funcionamento da administração pública.

O caso mais grave é o da Agência Nacional de Águas (ANA), que hoje é dirigida por interinos. Tanto o presidente da ANA, Victor Saback, como quatro de seus diretores não são titulares e, portanto, eventualmente deixam de tomar decisões mais sensíveis para o setor. A bem da verdade, Bolsonaro já indicou quatro nomes para a diretoria da ANA, mas essas indicações nem sequer começaram a tramitar no Senado.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é outra agência que está há sete meses com seu corpo diretivo incompleto, o que traz insegurança para todo o setor regulado pelo órgão. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também têm vagas não preenchidas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Banco Central são outros órgãos federais que operam desfalcados, além de algumas representações diplomáticas no exterior.

Ao fim e ao cabo, a maior vítima dessa disputa política pelas indicações para cargos da administração pública federal é o cidadão. “A partir do momento em que os problemas de composição das agências reguladoras começam a dificultar ou a criar embaraços para o exercício de suas competências legais, a maior prejudicada é a sociedade”, disse ao Estadão a advogada Ana Frazão, especialista em Direito Público e ex-conselheira do Cade. Como bem lembrou a advogada, o cidadão é o titular do direito de ter uma regulação setorial “adequada, rápida e eficiente”.

A análise de ao menos 60 indicações feitas por Bolsonaro para cargos em agências reguladoras, órgãos federais e embaixadas está travada porque alguns senadores disseram ter restrições a nada menos que 46 dos nomes enviados pelo Palácio do Planalto – seja por motivos razoáveis, seja por outros interesses inconfessáveis. Somese a isso a notória incapacidade de articulação política do governo e tem-se o atual quadro de paralisia de órgãos federais essenciais para a administração pública.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), marcou uma espécie de mutirão de sabatinas para a semana entre os dias 4 e 8 de abril, ou seja, logo após o término do prazo de desincompatibilização de ministros de Estado que pretendem disputar as eleições de outubro. As datas não foram escolhidas ao acaso, naturalmente. Alguns senadores têm interesse em ocupar os Ministérios que ficarão vagos ou emplacar apadrinhados. Até que toda essa acomodação seja concluída, as vagas nas agências reguladoras e outros órgãos federais permanecerão em aberto e o distinto público que espere para ter seus interesses mais bem atendidos.

Nos últimos anos, políticos de diferentes colorações partidárias, tanto no Poder Executivo como no Poder Legislativo, têm demonstrado incômodo com a autonomia de algumas instituições de Estado, especialmente no caso das agências reguladoras. Não toleram a independência de seus integrantes na defesa do interesse público quando este colide com seus interesses de ocasião. Não surpreende que, de tempos em tempos, surjam projetos no Congresso que visam a diminuir as prerrogativas das agências reguladoras. Ou, como agora, políticos ajam deliberadamente para deixá-las desfalcadas e, assim, inaptas para cumprir bem a sua missão constitucional.

No Brasil, novos temporais trazem velhos problemas

O Globo

Pouco mais de um mês após a tragédia que matou mais de 230 pessoas, Petrópolis, na Região Serrana do Rio, registrou chuvas fortes, com a repetição de desabamentos e mortes. Menos intenso, o novo episódio veio lembrar que é preciso adotar uma nova estratégia para lidar com os perigos causados pelo aquecimento global. Medidas de emergência para salvar vidas e ajudar as vítimas na época dos temporais devem ser prioridade. Mas igualmente importante é trabalhar na prevenção. As cidades brasileiras apresentam falhas nas duas frentes.

Há pelo menos uma certeza sobre o futuro. Na hipótese mais otimista, o desarranjo do clima não melhorará, só deixará de piorar. Mesmo que a humanidade consiga reduzir drasticamente as emissões de CO2, as temperaturas não retrocederão. Só deixarão de aumentar no ritmo atual. É, portanto, crucial investir em adaptação, tomando medidas para reduzir as consequências negativas das mudanças do clima.

O Banco Mundial estima que 70% da população mundial em 2050 estará sob risco de alagamento. A China é, e continuará sendo por algum tempo, um dos lugares mais expostos ao perigo. O país reúne 640 cidades suscetíveis a inundações e perde anualmente 1% do PIB devido a esses desastres. Por isso está empenhado em dar escala ao Programa Cidades Esponjas, cuja meta é tornar, em poucos anos, 80% das áreas urbanas à prova de chuvas torrenciais.

A hoje famosa Wuhan, cidade onde surgiram os primeiros casos de Covid-19, foi escolhida como alvo de um projeto-piloto em 2015. Localizada entre dois rios, era comum sofrer com repetidas enchentes, que inundavam ruas e estações de metrô, resultando em mortes.

Para atacar o problema, foi montada uma estratégia com componentes “cinza” (baseados em cimento) e “verdes” (baseados na natureza). Além de piscinões, sistemas de drenagem e dutos, o governo investiu em novos parques e lagos artificiais. Espaços públicos, edifícios e casas foram reformados para absorver mais água da chuva. Em menos de cinco anos, cerca de 40 quilômetros quadrados da cidade passaram por transformação. De lá para cá, as intervenções que se provaram bem-sucedidas foram expandidas para outras regiões do município. Uma das marcas dos burocratas chineses — testar num espaço reduzido, avaliar e expandir — faria muito bem se adotada por prefeituras brasileiras.

A China não traz apenas exemplos positivos. A cidade de Zhengzhou, cujas imagens de enchente correram mundo em julho, mostrou que é preciso acelerar o plano de prevenção. A enxurrada deixou mais de 300 mortos e expôs os custos de vários anos de construção sem planejamento adequado. Mas, ao fim do período de ajuda emergencial, as autoridades locais logo passaram a concentrar a atenção em projetos de prevenção.

Na Índia, a Prefeitura de Mumbai apresentou neste mês um plano de ação para mudanças climáticas. Entre as metas está aperfeiçoar a gestão de riscos de enchentes. Não se sabe se a iniciativa terá sucesso. Porém o simples fato de ter sido lançada demonstra o senso de urgência. Na Índia, no Brasil ou em qualquer outro país, não se pode mais adotar uma resposta fragmentada e incremental. É preciso planejamento. E pressa.

É um risco autorizar uso de remédios ‘off label’ no SUS sem aval da Anvisa

O Globo

É temerária a lei sancionada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro que autoriza a incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) de medicamentos para uso distinto do aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prática conhecida como “off label”. Embora a nova legislação determine que sejam demonstradas “as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança”, e apesar da necessidade de recomendação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), a medida suscita preocupação.

Em entrevista ao GLOBO, o médico Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, afirmou ser necessária uma regulamentação para reduzir riscos aos pacientes. Em caso de efeitos adversos, diz ele, a responsabilidade pode recair sobre agentes públicos, já que o uso será diferente do indicado pelo fabricante. Barra Torres recomenda um acompanhamento rigoroso, tanto em relação aos possíveis efeitos adversos desconhecidos quanto aos benefícios do uso “off label”.

De autoria do então senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), a lei tramitava no Congresso desde 2015, bem antes da pandemia. Originalmente, não fazia referência ao fim da obrigatoriedade de indicação da Anvisa. A dispensa foi incluída na última versão, relatada pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo na Casa. Bezerra argumentou que, no contexto da pandemia, a medida permitirá o uso de medicamentos que têm mostrado resultados satisfatórios contra a Covid-19 e citou como exemplo os corticoides.

O uso de medicamentos “off label” sempre existiu. O problema não está aí. Durante a pandemia, contudo, o Ministério da Saúde inundou as prateleiras do SUS com remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, ivermectina ou azitromicina, parte do descabido Kit Covid. A insistência de Bolsonaro no uso desses medicamentos levou à exoneração dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Por mais absurdo que seja recomendar cloroquina quando o mundo todo sabe, há muito tempo, que ela é ineficaz contra o novo coronavírus e pode causar efeitos adversos graves, o governo insistiu no erro. Embora, no fim do ano passado, a Conitec tenha condenado — tardiamente — seu uso no tratamento em qualquer fase da Covid-19, o Ministério da Saúde rejeitou o parecer técnico e manteve a prescrição.

A nova lei abre uma brecha perigosa ao permitir o uso de medicamentos “off label” sem o aval da Anvisa. O risco é legalizar práticas baseadas em critérios políticos, e não técnicos, quando está em jogo a saúde dos brasileiros. Foi o que infelizmente aconteceu ao longo da pandemia. É preciso regulamentar logo a lei e criar barreiras para impedir que pacientes sejam usados como cobaias. Brasileiros já viram esse filme — é uma história de horror.

Sob pressão

Folha de S. Paulo

Melhora da governança ajuda a proteger Petrobras de ensaios intervencionistas

O general da reserva Joaquim Silva e Luna chegou ao comando da Petrobras, há um ano, em uma intervenção atabalhoada de Jair Bolsonaro (PL). Hoje é alvo de pressões do presidente da República e de seus aliados do centrão pelo mesmo motivo que derrubou seu antecessor —o preço dos combustíveis.

Felizmente, a petroleira e o conjunto das empresas federais, estaduais e municipais passaram por aperfeiçoamentos em sua governança a partir de 2016, quando foi aprovada a Lei das Estatais, e que hoje se mostram eficazes.

Note-se, a esse respeito, que a indicação de Silva e Luna, apesar de todo o alarido da época, acabou por não atender aos anseios intervencionistas de Bolsonaro.

Há limitação regulatória que impede o governo de turno de forçar a Petrobras a segurar preços na marra, e o Planalto sabe disso. Regra criada em 2018, incluída no artigo 3 do estatuto social da Petrobras, estabelece ritos para a hipótese de a União pretender usar sua maior estatal em política pública.

É necessário apresentar justificativas e divulgar, de maneira clara, qual é o plano e as formas de ressarcimento dos custos das medidas, caso incorram em perdas financeiras para a companhia. O conselho de administração da empresa ainda terá de detalhar os procedimentos em carta anual aos acionistas.

Conforme o texto, o Tesouro Nacional, hoje largamente deficitário, é que teria de arcar com os custos de segurar os preços dos combustíveis. Trata-se, afinal, de subsídio.

Foi o que fez o governo Michel Temer (MDB) com o óleo diesel naquele 2018, acossado pela paralisação dos caminhoneiros. É uma escolha no mínimo questionável, por distribuir dinheiro público sem distinguir beneficiários por faixa de renda, mas ao menos fica garantida sua transparência.

Qualquer presidente da petroleira, uma empresa de economia mista listada em Bolsa de Valores, terá de seguir a norma. Se ignorar a regulação do mercado de capitais, tende a ser questionado pelos acionistas minoritários —o que, aí sim, colocaria em risco a sua permanência no posto por boas razões.

É possível, claro, tentar alterar o estatuto social da companhia. A mudança, porém, precisa ser avaliada em assembleia de acionistas, um procedimento que demanda tempo e construção de argumentos, mesmo que se queira correr o risco de consequências negativas para o valor das ações.

A alta dos combustíveis é um dos efeitos colaterais da invasão da Ucrânia pela Rússia e preocupa governos em escala global neste momento. São vários os países que buscam alternativas para minorar o impacto econômico e social desse encarecimento.

Trocar presidentes de companhias petroleiras não está na lista das medidas, contudo. Se vier a fazê-lo, Bolsonaro estará apenas e mais uma vez em busca de tumulto.

Dura sabatina

Folha de S. Paulo

1ª negra indicada à Suprema Corte se sai bem em inquirição com embate ideológico

A primeira indicação de Joe Biden à Suprema Corte americana merece ser chamada de histórica. Se confirmada pelo Senado, onde os democratas têm 50 dos 100 votos mais o poder de desempate, a juíza Ketanji Brown Jackson será a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no tribunal.

Até hoje, apenas dois homens negros chegaram ao posto; a primeira de cinco mulheres foi Sandra O’Connor, indicada em 1981 pelo republicano Ronald Reagan.

Ketanji Jackson, 51, respondeu a cerca de 23 horas de questões na sabatina da Comissão de Justiça, que durou quatro dias e se encerrou na quinta-feira (24).

A tradição nos EUA é um escrutínio muito mais detalhado e incisivo do que os enfrentados pelos candidatos ao Supremo Tribunal Federal no Senado brasileiro. No caso mais recente, o hoje ministro André Mendonça passou por oito horas de perguntas.

A sabatina de Jackson foi marcada por duras inquirições por parte de senadores republicanos, às vezes beirando a desinformação e deselegância. Temas como gênero, aborto, ensino sobre raça e suposta condescendência com o crime de pornografia infantil foram alguns dos tópicos levantados.

Josh Hawley, do Missouri, afirmou que a juíza segue um padrão de "facilitar as coisas para acusados de pornografia infantil". Marsha Blackburn, do Tennessee, pediu que a sabatinada definisse a palavra "mulher". "Eu não sou bióloga", respondeu Jackson.

Se aprovada, ela não mudará a inclinação ideológica majoritária na corte de nove magistrados, uma vez que a ala conservadora conta hoje com seis nomes. Para o presidente Biden, trata-se de um aceno ao eleitorado negro em ano de eleição de meio de mandato.

Esse contingente, embora tenha sido determinante para a vitória democrata em 2020, hoje faz críticas ao mandatário.

As credenciais de Jackson são eloquentes. Foi subeditora da revista acadêmica Harvard Law Review e atuou como advogada e defensora pública. Foi indicada em 2009 para a vice-presidência da Comissão de Sentenciamento, na qual recomendou a redução de penas para crimes ligados a drogas.

A sabatina revelou uma profissional ponderada e à altura do significado histórico de sua indicação.

Alta dos combustíveis ainda inquieta o governo

Valor Econômico

Novas medidas, se vierem, dependem de um inexistente espaço no teto de gastos

O rumo da inflação no Brasil depende em grande parte do rumo dos preços do petróleo. O presidente Jair Bolsonaro, cujos instintos intervencionistas são conhecidos, está mais preocupado do que nunca neste momento com isso, porque pode arruinar sua campanha pela reeleição. Tema sensível para a economia em geral e para a população de menor renda, em particular, dados seus impactos nos preços dos alimentos, do gás e do transporte, o tema tem sido tratado pelo governo com uma mistura de inércia e palanque eleitoral.

É impossível discernir uma tendência no curto prazo para as cotações do petróleo, exceto a de grande volatilidade. Depois do susto dos preços encostarem nos US$ 140 por barril logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, eles recuaram por algum momento um pouco abaixo de US$ 100, para retomar uma trajetória altista, fechando ao redor de US$ 115 na sexta-feira. Bolsonaro, ao primeiro sinal de alívio, cobrou redução nos preços praticados pela Petrobras, esquecendo-se de que, para os grandes aumentos anunciados recentemente, a estatal esperou 57 dias.

Há fatores que podem contribuir para uma escalada dos preços, com alguma permanência a médio prazo, e outros que, no curto prazo, podem fazer a diferença. O desfecho da guerra não é claro, mas o que parece certo é que as sanções contra Vladimir Putin não deixarão o cenário logo, pelos estragos que a Rússia fez no mercado de commodities - um mal grande, mas menor - e, mais importante, pela sacudida que deu no mapa geopolítico europeu e global. O autocrata russo perdeu a confiança de quase todos (a China é uma enorme exceção) ao ferir os princípios da governança global e invadir um país soberano.

A transição energética, por outro lado, já vinha sofrendo percalços diante de uma escalada, antes da guerra, dos preços do petróleo, provocada, entre outros motivos, pela redução dos investimentos em exploração, ele próprio influenciado pela necessidade de reduzir as emissões de combustíveis fósseis, uma meta global. Isto é, a tendência de preços já era de elevação.

Por outro lado, o Brasil, desde 2016, é um exportador líquido de petróleo e grande vendedor de boa parte das commodities que estão com as cotações em alta. Com isso, felizmente, a gangorra entre o dólar e commodities voltou ao normal, depois de ter sido quebrada pelas peripécias fiscais do governo, e a moeda americana exibe agora boa, ainda que provisória, desvalorização.

O real foi uma das moedas emergentes que mais perdeu valor entre meados de 2020 e o fim de 2021, e agora, em 2022, é uma das que mais se valoriza. A valorização vem em um momento crucial, ao atenuar a inflação importada no momento em que o IPCA aproxima-se dos 11%. Na última reunião do Copom, o cenário alternativo para as cotações do petróleo foram determinantes para a decisão preliminar do Banco Central de encerrar o ciclo de alta de juros na próxima reunião, elevando a Selic a 12,75%.

Mas não só as cotações do petróleo e do câmbio são instáveis - a política oficial sobre preços dos combustíveis também é. Bolsonaro, que se exime de todas as culpas, acredita que, diante de um choque da magnitude causada pelo maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra, a culpa pelos aumentos de diesel, gás de cozinha e gasolina é do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna. O governo bate cabeças há três anos sobre o assunto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu ao primeiro presidente da estatal no governo Bolsonaro, Roberto Castello Branco, que adotasse uma média móvel de 100 dias para suavizar as variações dos preços internacionais ao mercado doméstico. O fato de o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, não haver liderado em tempos de paz uma discussão sobre esse tema é motivo de reclamações de Guedes nos bastidores do governo.

Ao sabor das pesquisas eleitorais, a máquina de soluções ruins do governo está a plena carga. A mudanças feitas pelo Congresso não reduzirão os preços, apenas o atenuarão. Subsídios à gasolina ou aumento do Auxílio Brasil dependem de um inexistente espaço no teto de gastos - houve agora bloqueio de R$ 1,7 bilhão em despesas discricionárias.

Se for o caso de adotar medidas adicionais será necessário recorrer a alguma solução amarga ou uma nova gambiarra no arcabouço fiscal. Nos bastidores, discute-se se seria o caso de editar um crédito extraordinário. O governo continua inquieto sobre o assunto, sinal de que o pior ainda está por vir.

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