EDITORIAIS
O Brasil na nova ordem mundial
O Estado de S. Paulo.
A democracia liberal e a globalização econômica enfrentam a sua maior prova desde o fim da guerra fria. Mas o destino do Brasil está nas mãos dos brasileiros
A guerra na Ucrânia é o evento geopolítico
mais importante desde a queda do Muro de Berlim. A disseminação do liberalismo
por meio da retroalimentação entre a democracia e a economia de mercado está
ameaçada: em 30 anos, o mundo nunca esteve tão distante do Fim da História, na
fórmula otimista de Francis Fukuyama, e tão próximo do Choque de Civilizações,
na visão pessimista de Samuel Huntington. Como disse ao Estadão o economista
Martin Wolf: “Começamos a nos mover para uma era de conflitos geopolíticos
entre democracias e autocracias”. A questão é quão longos, amplos e profundos
eles serão.
No pior cenário, o mundo será rachado em
dois blocos, o democrático, liderado por EUA e Europa, e o autocrático,
liderado por China e Rússia. A desconfiança, não só entre esses blocos, mas em
seu interior, pode intensificar o populismo e a corrida nacionalista,
balcanizando a economia global. As hostilidades podem escalar para uma 3.ª
guerra mundial e, no limite, uma hecatombe nuclear: não o “Fim da História”,
mas algo muito próximo do fim do mundo.
Por outro lado, os blocos podem se equilibrar. Sem abrir mão de seus regimes políticos, ambos poderiam combinar segurança e abertura econômica, e cooperar em objetivos como a paz mundial e o combate à crise climática ou à fome. No melhor cenário, a crise pode dar um novo senso de propósito à democracia, a ordem liberal pode ser revigorada no Ocidente e, gradualmente, as forças liberais nas potências autocráticas podem desencadear a erosão do totalitarismo.
O certo é que o liberalismo político e
econômico terá de provar resiliência.
Há mais de uma década a democracia está em
recessão e a autocracia em ascensão. China e Rússia expandem seu aparato de
controle e se mostram mais desabridas em suas ambições imperialistas, enquanto
as democracias no Ocidente têm sido vulneradas por aventuras populistas e
autoritárias. A globalização sofreu golpes severos: a crise de 2008, as guerras
comerciais de Donald Trump, a pandemia e, agora, a guerra.
A alta nos preços de energia e alimentos
conduz a uma estagflação – mais ou menos prolongada, conforme o desfecho da
guerra. “Acho que haverá uma ‘desglobalização’ entre os países ocidentais e
Rússia e a China”, argumentou Wolf. “Os outros países terão de decidir como vão
manter relações comerciais.”
A economia brasileira será relativamente
pouco afetada. Nem EUA nem China vão querer interferir diretamente no País. A
indústria do Brasil talvez siga pouco dinâmica e integrada, mas as suas
commodities são importantes para ambos os lados. A exportação de alimentos é
vital para o mundo e deve ser, na medida do possível, preservada.
Entre os desafios econômicos estão a
estabilidade monetária e financeira e o controle da inflação e da dívida das
empresas em dólar. “O País tem ido bem nessa área, mas não sei quanto isso vai
durar com o populismo”, advertiu Wolf. “O Brasil precisa de uma liderança
melhor.” A crise intensificou a importância das eleições. “Gostaria de ver um
líder jovem, com as ideias certas, competente, que diz a verdade aos
brasileiros e tenta uni-los para usar o imenso potencial que o Brasil tem.”
Como disse o analista geopolítico Gideon
Rachman, para a crise na Ucrânia há três opções: “Uma guerra prolongada; um
compromisso de paz; ou um golpe na Rússia. Conte com o primeiro, trabalhe pelo
segundo e tenha esperança no terceiro”. Em relação à ordem mundial, pode-se
dizer algo análogo: conte com o acirramento entre o bloco democrático e o
autoritário, trabalhe por um compromisso entre eles e tenha esperança no
reflorescimento das liberdades. Em todo caso, o Brasil tem grandes
responsabilidades a assumir e muito trabalho à frente.
Como disse Wolf, “minha visão sempre foi a
de que 90% do que determina o sucesso do Brasil são as decisões feitas pelos
brasileiros: a qualidade de seus líderes”. Dada a tradição diplomática do
Brasil e sua posição na ordem geopolítica e econômica, esse diagnóstico é tão
realista quanto alvissareiro. Mas, dada a qualidade dos líderes de intenção de
voto, o prognóstico é extremamente desafiador.
Desleixo com as agências reguladoras
O Estado de S. Paulo.
O desfalque na composição das agências por
interesses políticos é uma subversão dos valores da administração pública
O governo do presidente Jair Bolsonaro e o
Senado travam uma batalha em torno do preenchimento de dezenas de vagas em
agências reguladoras, órgãos federais e embaixadas. A demora na recomposição
das vacâncias, sobretudo nas agências reguladoras, já seria péssima para o País
se os “padrinhos políticos” estivessem disputando para emplacar nos cargos os
profissionais mais qualificados do ponto de vista técnico. No entanto, não é o
melhor interesse público que parece estar em jogo. Estivessem genuinamente
atentos aos anseios da sociedade, os senadores já teriam deliberado sobre os
nomes indicados pelo Palácio do Planalto há mais tempo, pois o desfalque na
composição das agências reguladoras e de outros órgãos federais é extremamente
prejudicial para o bom funcionamento da administração pública.
O caso mais grave é o da Agência Nacional
de Águas (ANA), que hoje é dirigida por interinos. Tanto o presidente da ANA,
Victor Saback, como quatro de seus diretores não são titulares e, portanto,
eventualmente deixam de tomar decisões mais sensíveis para o setor. A bem da
verdade, Bolsonaro já indicou quatro nomes para a diretoria da ANA, mas essas
indicações nem sequer começaram a tramitar no Senado.
A Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT) é outra agência que está há sete meses com seu corpo diretivo
incompleto, o que traz insegurança para todo o setor regulado pelo órgão. A
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) também têm vagas não preenchidas. O Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) e o Banco Central são outros órgãos federais que operam
desfalcados, além de algumas representações diplomáticas no exterior.
Ao fim e ao cabo, a maior vítima dessa
disputa política pelas indicações para cargos da administração pública federal
é o cidadão. “A partir do momento em que os problemas de composição das
agências reguladoras começam a dificultar ou a criar embaraços para o exercício
de suas competências legais, a maior prejudicada é a sociedade”, disse ao
Estadão a advogada Ana Frazão, especialista em Direito Público e ex-conselheira
do Cade. Como bem lembrou a advogada, o cidadão é o titular do direito de ter
uma regulação setorial “adequada, rápida e eficiente”.
A análise de ao menos 60 indicações feitas
por Bolsonaro para cargos em agências reguladoras, órgãos federais e embaixadas
está travada porque alguns senadores disseram ter restrições a nada menos que
46 dos nomes enviados pelo Palácio do Planalto – seja por motivos razoáveis,
seja por outros interesses inconfessáveis. Somese a isso a notória incapacidade
de articulação política do governo e tem-se o atual quadro de paralisia de
órgãos federais essenciais para a administração pública.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), marcou uma espécie de mutirão de sabatinas para a semana entre os
dias 4 e 8 de abril, ou seja, logo após o término do prazo de
desincompatibilização de ministros de Estado que pretendem disputar as eleições
de outubro. As datas não foram escolhidas ao acaso, naturalmente. Alguns
senadores têm interesse em ocupar os Ministérios que ficarão vagos ou emplacar
apadrinhados. Até que toda essa acomodação seja concluída, as vagas nas
agências reguladoras e outros órgãos federais permanecerão em aberto e o
distinto público que espere para ter seus interesses mais bem atendidos.
Nos últimos anos, políticos de diferentes colorações partidárias, tanto no Poder Executivo como no Poder Legislativo, têm demonstrado incômodo com a autonomia de algumas instituições de Estado, especialmente no caso das agências reguladoras. Não toleram a independência de seus integrantes na defesa do interesse público quando este colide com seus interesses de ocasião. Não surpreende que, de tempos em tempos, surjam projetos no Congresso que visam a diminuir as prerrogativas das agências reguladoras. Ou, como agora, políticos ajam deliberadamente para deixá-las desfalcadas e, assim, inaptas para cumprir bem a sua missão constitucional.
No Brasil, novos temporais trazem velhos
problemas
O Globo
Pouco mais de um mês após a tragédia que
matou mais de 230 pessoas, Petrópolis, na Região Serrana do Rio, registrou
chuvas fortes, com a repetição de desabamentos e mortes. Menos intenso, o novo
episódio veio lembrar que é preciso adotar uma nova estratégia para lidar com
os perigos causados pelo aquecimento global. Medidas de emergência para salvar
vidas e ajudar as vítimas na época dos temporais devem ser prioridade. Mas
igualmente importante é trabalhar na prevenção. As cidades brasileiras
apresentam falhas nas duas frentes.
Há pelo menos uma certeza sobre o futuro.
Na hipótese mais otimista, o desarranjo do clima não melhorará, só deixará de
piorar. Mesmo que a humanidade consiga reduzir drasticamente as emissões de
CO2, as temperaturas não retrocederão. Só deixarão de aumentar no ritmo atual.
É, portanto, crucial investir em adaptação, tomando medidas para reduzir as
consequências negativas das mudanças do clima.
O Banco Mundial estima que 70% da população
mundial em 2050 estará sob risco de alagamento. A China é, e continuará sendo
por algum tempo, um dos lugares mais expostos ao perigo. O país reúne 640
cidades suscetíveis a inundações e perde anualmente 1% do PIB devido a esses
desastres. Por isso está empenhado em dar escala ao Programa Cidades Esponjas,
cuja meta é tornar, em poucos anos, 80% das áreas urbanas à prova de chuvas
torrenciais.
A hoje famosa Wuhan, cidade onde surgiram
os primeiros casos de Covid-19, foi escolhida como alvo de um projeto-piloto em
2015. Localizada entre dois rios, era comum sofrer com repetidas enchentes, que
inundavam ruas e estações de metrô, resultando em mortes.
Para atacar o problema, foi montada uma
estratégia com componentes “cinza” (baseados em cimento) e “verdes” (baseados
na natureza). Além de piscinões, sistemas de drenagem e dutos, o governo
investiu em novos parques e lagos artificiais. Espaços públicos, edifícios e
casas foram reformados para absorver mais água da chuva. Em menos de cinco
anos, cerca de 40 quilômetros quadrados da cidade passaram por transformação.
De lá para cá, as intervenções que se provaram bem-sucedidas foram expandidas
para outras regiões do município. Uma das marcas dos burocratas chineses —
testar num espaço reduzido, avaliar e expandir — faria muito bem se adotada por
prefeituras brasileiras.
A China não traz apenas exemplos positivos.
A cidade de Zhengzhou, cujas imagens de enchente correram mundo em julho,
mostrou que é preciso acelerar o plano de prevenção. A enxurrada deixou mais de
300 mortos e expôs os custos de vários anos de construção sem planejamento
adequado. Mas, ao fim do período de ajuda emergencial, as autoridades locais
logo passaram a concentrar a atenção em projetos de prevenção.
Na Índia, a Prefeitura de Mumbai apresentou
neste mês um plano de ação para mudanças climáticas. Entre as metas está
aperfeiçoar a gestão de riscos de enchentes. Não se sabe se a iniciativa terá
sucesso. Porém o simples fato de ter sido lançada demonstra o senso de
urgência. Na Índia, no Brasil ou em qualquer outro país, não se pode mais adotar
uma resposta fragmentada e incremental. É preciso planejamento. E pressa.
É um risco autorizar uso de remédios ‘off
label’ no SUS sem aval da Anvisa
O Globo
É temerária a lei sancionada na semana
passada pelo presidente Jair Bolsonaro que autoriza a incorporação ao Sistema
Único de Saúde (SUS) de medicamentos para uso distinto do aprovado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), prática conhecida como “off label”.
Embora a nova legislação determine que sejam demonstradas “as evidências
científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança”, e
apesar da necessidade de recomendação pela Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS (Conitec), a medida suscita preocupação.
Em entrevista ao GLOBO, o médico Antonio
Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, afirmou ser necessária uma
regulamentação para reduzir riscos aos pacientes. Em caso de efeitos adversos,
diz ele, a responsabilidade pode recair sobre agentes públicos, já que o uso
será diferente do indicado pelo fabricante. Barra Torres recomenda um
acompanhamento rigoroso, tanto em relação aos possíveis efeitos adversos
desconhecidos quanto aos benefícios do uso “off label”.
De autoria do então senador Cássio Cunha
Lima (PSDB-PB), a lei tramitava no Congresso desde 2015, bem antes da pandemia.
Originalmente, não fazia referência ao fim da obrigatoriedade de indicação da
Anvisa. A dispensa foi incluída na última versão, relatada pelo senador
Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo na Casa. Bezerra argumentou que,
no contexto da pandemia, a medida permitirá o uso de medicamentos que têm
mostrado resultados satisfatórios contra a Covid-19 e citou como exemplo os corticoides.
O uso de medicamentos “off label” sempre
existiu. O problema não está aí. Durante a pandemia, contudo, o Ministério da
Saúde inundou as prateleiras do SUS com remédios comprovadamente ineficazes
contra a Covid-19, como cloroquina, ivermectina ou azitromicina, parte do
descabido Kit Covid. A insistência de Bolsonaro no uso desses medicamentos
levou à exoneração dos ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Por mais absurdo que seja recomendar
cloroquina quando o mundo todo sabe, há muito tempo, que ela é ineficaz contra
o novo coronavírus e pode causar efeitos adversos graves, o governo insistiu no
erro. Embora, no fim do ano passado, a Conitec tenha condenado — tardiamente —
seu uso no tratamento em qualquer fase da Covid-19, o Ministério da Saúde
rejeitou o parecer técnico e manteve a prescrição.
A nova lei abre uma brecha perigosa ao
permitir o uso de medicamentos “off label” sem o aval da Anvisa. O risco é
legalizar práticas baseadas em critérios políticos, e não técnicos, quando está
em jogo a saúde dos brasileiros. Foi o que infelizmente aconteceu ao longo da
pandemia. É preciso regulamentar logo a lei e criar barreiras para impedir que
pacientes sejam usados como cobaias. Brasileiros já viram esse filme — é uma
história de horror.
Sob pressão
Folha de S. Paulo
Melhora da governança ajuda a proteger
Petrobras de ensaios intervencionistas
O general da reserva Joaquim Silva e Luna
chegou ao comando da Petrobras, há um ano, em uma intervenção atabalhoada de
Jair Bolsonaro (PL). Hoje é alvo de pressões
do presidente da República e de seus aliados do centrão pelo mesmo
motivo que derrubou seu antecessor —o preço dos combustíveis.
Felizmente, a petroleira e o conjunto das
empresas federais, estaduais e municipais passaram por aperfeiçoamentos em sua
governança a partir de 2016, quando foi aprovada a Lei das Estatais, e que hoje
se mostram eficazes.
Note-se, a esse respeito, que a indicação
de Silva e Luna, apesar de todo o alarido da época, acabou por não
atender aos anseios intervencionistas de Bolsonaro.
Há limitação regulatória que impede o
governo de turno de forçar a Petrobras a segurar preços na marra, e o Planalto
sabe disso. Regra criada em 2018, incluída no artigo 3 do estatuto social da
Petrobras, estabelece ritos para a hipótese de a União pretender usar sua maior
estatal em política pública.
É necessário apresentar justificativas e
divulgar, de maneira clara, qual é o plano e as formas de ressarcimento dos
custos das medidas, caso incorram em perdas financeiras para a companhia. O
conselho de administração da empresa ainda terá de detalhar os procedimentos em
carta anual aos acionistas.
Conforme o texto, o Tesouro Nacional, hoje
largamente deficitário, é que teria de arcar com os custos de segurar os preços
dos combustíveis. Trata-se, afinal, de subsídio.
Foi o que fez o governo Michel Temer (MDB)
com o óleo diesel naquele 2018, acossado pela paralisação dos caminhoneiros. É
uma escolha no mínimo questionável, por distribuir dinheiro público sem
distinguir beneficiários por faixa de renda, mas ao menos fica garantida sua
transparência.
Qualquer presidente da petroleira, uma
empresa de economia mista listada em Bolsa de Valores, terá de seguir a norma.
Se ignorar a regulação do mercado de capitais, tende a ser questionado pelos
acionistas minoritários —o que, aí sim, colocaria em risco a sua permanência no
posto por boas razões.
É possível, claro, tentar alterar o
estatuto social da companhia. A mudança, porém, precisa ser avaliada em
assembleia de acionistas, um procedimento que demanda tempo e construção de argumentos,
mesmo que se queira correr o risco de consequências negativas para o valor das
ações.
A alta dos combustíveis é um dos efeitos
colaterais da invasão da Ucrânia pela Rússia e preocupa governos em escala
global neste momento. São vários os países que buscam alternativas para minorar
o impacto econômico e social desse encarecimento.
Trocar presidentes de companhias
petroleiras não está na lista das medidas, contudo. Se vier a fazê-lo,
Bolsonaro estará apenas e mais uma vez em busca de tumulto.
Dura sabatina
Folha de S. Paulo
1ª negra indicada à Suprema Corte se sai
bem em inquirição com embate ideológico
A primeira indicação de Joe Biden à Suprema
Corte americana merece ser chamada de histórica. Se confirmada pelo Senado,
onde os democratas têm 50 dos 100 votos mais o poder de desempate, a juíza
Ketanji Brown Jackson será a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira no
tribunal.
Até hoje, apenas dois homens negros
chegaram ao posto; a primeira de cinco mulheres foi Sandra O’Connor, indicada
em 1981 pelo republicano Ronald Reagan.
Ketanji Jackson, 51, respondeu a cerca de
23 horas de questões na sabatina
da Comissão de Justiça, que durou quatro dias e se encerrou na quinta-feira
(24).
A tradição nos EUA é um escrutínio muito
mais detalhado e incisivo do que os enfrentados pelos candidatos ao Supremo
Tribunal Federal no Senado brasileiro. No caso mais recente, o hoje ministro
André Mendonça passou por oito horas de perguntas.
A sabatina de Jackson foi marcada por duras
inquirições por parte de senadores republicanos, às vezes beirando a
desinformação e deselegância. Temas como gênero, aborto, ensino sobre raça e
suposta condescendência com o crime de pornografia infantil foram alguns dos
tópicos levantados.
Josh Hawley, do Missouri, afirmou que a
juíza segue um padrão de "facilitar as coisas para acusados de pornografia
infantil". Marsha Blackburn, do Tennessee, pediu que a sabatinada
definisse a palavra "mulher". "Eu não sou bióloga",
respondeu Jackson.
Se aprovada, ela não mudará a inclinação
ideológica majoritária na corte de nove magistrados, uma vez que a ala
conservadora conta hoje com seis nomes. Para o presidente Biden, trata-se de um
aceno ao eleitorado negro em ano de eleição de meio de mandato.
Esse contingente, embora tenha sido
determinante para a vitória democrata em 2020, hoje faz críticas ao mandatário.
As credenciais de Jackson são eloquentes.
Foi subeditora da revista acadêmica Harvard Law Review e atuou como advogada e
defensora pública. Foi indicada em 2009 para a vice-presidência da Comissão de
Sentenciamento, na qual recomendou a redução de penas para crimes ligados a
drogas.
A sabatina revelou uma profissional ponderada e à altura do significado histórico de sua indicação.
Alta dos combustíveis ainda inquieta o
governo
Valor Econômico
Novas medidas, se vierem, dependem de um
inexistente espaço no teto de gastos
O rumo da inflação no Brasil depende em
grande parte do rumo dos preços do petróleo. O presidente Jair Bolsonaro, cujos
instintos intervencionistas são conhecidos, está mais preocupado do que nunca
neste momento com isso, porque pode arruinar sua campanha pela reeleição. Tema
sensível para a economia em geral e para a população de menor renda, em
particular, dados seus impactos nos preços dos alimentos, do gás e do
transporte, o tema tem sido tratado pelo governo com uma mistura de inércia e
palanque eleitoral.
É impossível discernir uma tendência no
curto prazo para as cotações do petróleo, exceto a de grande volatilidade.
Depois do susto dos preços encostarem nos US$ 140 por barril logo após a
invasão da Ucrânia pela Rússia, eles recuaram por algum momento um pouco abaixo
de US$ 100, para retomar uma trajetória altista, fechando ao redor de US$ 115
na sexta-feira. Bolsonaro, ao primeiro sinal de alívio, cobrou redução nos
preços praticados pela Petrobras, esquecendo-se de que, para os grandes
aumentos anunciados recentemente, a estatal esperou 57 dias.
Há fatores que podem contribuir para uma
escalada dos preços, com alguma permanência a médio prazo, e outros que, no
curto prazo, podem fazer a diferença. O desfecho da guerra não é claro, mas o
que parece certo é que as sanções contra Vladimir Putin não deixarão o cenário
logo, pelos estragos que a Rússia fez no mercado de commodities - um mal
grande, mas menor - e, mais importante, pela sacudida que deu no mapa
geopolítico europeu e global. O autocrata russo perdeu a confiança de quase
todos (a China é uma enorme exceção) ao ferir os princípios da governança
global e invadir um país soberano.
A transição energética, por outro lado, já
vinha sofrendo percalços diante de uma escalada, antes da guerra, dos preços do
petróleo, provocada, entre outros motivos, pela redução dos investimentos em
exploração, ele próprio influenciado pela necessidade de reduzir as emissões de
combustíveis fósseis, uma meta global. Isto é, a tendência de preços já era de
elevação.
Por outro lado, o Brasil, desde 2016, é um
exportador líquido de petróleo e grande vendedor de boa parte das commodities
que estão com as cotações em alta. Com isso, felizmente, a gangorra entre o
dólar e commodities voltou ao normal, depois de ter sido quebrada pelas
peripécias fiscais do governo, e a moeda americana exibe agora boa, ainda que
provisória, desvalorização.
O real foi uma das moedas emergentes que
mais perdeu valor entre meados de 2020 e o fim de 2021, e agora, em 2022, é uma
das que mais se valoriza. A valorização vem em um momento crucial, ao atenuar a
inflação importada no momento em que o IPCA aproxima-se dos 11%. Na última
reunião do Copom, o cenário alternativo para as cotações do petróleo foram
determinantes para a decisão preliminar do Banco Central de encerrar o ciclo de
alta de juros na próxima reunião, elevando a Selic a 12,75%.
Mas não só as cotações do petróleo e do
câmbio são instáveis - a política oficial sobre preços dos combustíveis também
é. Bolsonaro, que se exime de todas as culpas, acredita que, diante de um
choque da magnitude causada pelo maior conflito em solo europeu desde a Segunda
Guerra, a culpa pelos aumentos de diesel, gás de cozinha e gasolina é do
presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna. O governo bate cabeças há três
anos sobre o assunto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu ao primeiro
presidente da estatal no governo Bolsonaro, Roberto Castello Branco, que
adotasse uma média móvel de 100 dias para suavizar as variações dos preços
internacionais ao mercado doméstico. O fato de o ministro de Minas e Energia,
Bento Albuquerque, não haver liderado em tempos de paz uma discussão sobre esse
tema é motivo de reclamações de Guedes nos bastidores do governo.
Ao sabor das pesquisas eleitorais, a
máquina de soluções ruins do governo está a plena carga. A mudanças feitas pelo
Congresso não reduzirão os preços, apenas o atenuarão. Subsídios à gasolina ou
aumento do Auxílio Brasil dependem de um inexistente espaço no teto de gastos -
houve agora bloqueio de R$ 1,7 bilhão em despesas discricionárias.
Se for o caso de adotar medidas adicionais será necessário recorrer a alguma solução amarga ou uma nova gambiarra no arcabouço fiscal. Nos bastidores, discute-se se seria o caso de editar um crédito extraordinário. O governo continua inquieto sobre o assunto, sinal de que o pior ainda está por vir.
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