segunda-feira, 7 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Acordo na ONU para acabar com poluição por plásticos é um avanço

O Globo

Um tratado global para eliminar a poluição por plásticos ficou mais próximo da realidade. Em reunião no Quênia na semana passada, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente aprovou, com o apoio de 175 países, as bases do acordo. A expectativa é que seja firmado até 2024. Será, segundo Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a decisão mais importante desde o Acordo de Paris. Entre as medidas que poderão ser adotadas estão a redução da produção, a adoção de reciclagem mais eficaz e a proibição de plásticos descartáveis após um único uso.

Como comprovam os lixões e, vergonhosamente, também ruas e praias de várias cidades brasileiras, a poluição por plásticos atingiu níveis escandalosos. No mundo, a produção anual dobrou nas duas últimas décadas. Saiu de 234 milhões de toneladas no ano 2000 para 460 milhões de toneladas em 2019, diz uma publicação recém-lançada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Um estudo publicado em 2020 por pesquisadores israelenses na revista Nature estimou que o peso de todos os plásticos já produzidos é superior ao de todos os animais vivos, terrestres e marinhos.

O triângulo formado por três setas em sentido horário nas embalagens, símbolo da reciclagem, se tornou inócuo. Entre 2000 e 2019, apenas 9% do plástico descartado no mundo foi reciclado, 19% acabaram incinerados e 50% tiveram como destino aterros sanitários. Os restantes 22% foram despejados irregularmente.

Os efeitos desse desleixo são sentidos no meio ambiente. O estoque de plásticos em rios soma 109 milhões de toneladas. Nos mares, são 30 milhões de toneladas. Ainda que a produção caia e a reciclagem aumente, a quantidade de plásticos já existente nos rios é garantia de que os mares continuarão poluídos por muitos anos. Microplásticos, fragmentos com menos de 5 milímetros, já foram encontrados em reservatórios de água potável, em bebidas industrializadas e até em alimentos.

Os problemas causados pela má gestão do plástico não se resumem às centenas de anos que o produto leva para se decompor. A produção emite carbono em níveis significativos. Feitos a partir de combustíveis fósseis, plásticos geraram 1,8 bilhão de toneladas de gases causadores do efeito estufa em 2019, número bem acima das emissões da aviação.

Plásticos são e continuarão a ser parte importante de nossa vida. Por isso não devem ser demonizados. Eles ajudam a preservar alimentos, são matérias-primas importantes em vários setores, como construção ou eletrônicos, tornam os veículos mais eficientes em consumo de combustíveis, entre outros benefícios. Espera-se do acordo da ONU que estabeleça regras para o bom uso, deixando para trás um histórico de sujeira, poluição e prejuízo aos ecossistemas.

Violência no futebol precisa ser coibida

O Globo

São graves, e inaceitáveis, os episódios de violência que voltaram a tomar conta do futebol brasileiro nas últimas semanas. Ontem um torcedor cruzeirense morreu depois de ser baleado numa briga entre as torcidas do Cruzeiro e do Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, antes da partida no Mineirão. Segundo a polícia, que instaurou inquérito para investigar o caso, a confusão envolveu cerca de 50 torcedores. Um motociclista que passava pelo local, e não tinha nada a ver com a história, foi baleado no ombro.

Há pouco mais de uma semana, o ônibus com jogadores do Grêmio que ia para o clássico com o Internacional, no Beira-Rio, foi alvejado por pedras atiradas por torcedores adversários. O ataque feriu o paraguaio Mathias Villasanti, que precisou ser hospitalizado. Ele sofreu traumatismo craniano, concussão cerebral e cortes no rosto, depois recebeu alta. A partida do Campeonato Gaúcho foi adiada.

Dois dias antes, situação semelhante acontecera com a equipe do Bahia. O ônibus que levava jogadores para a partida contra o Sampaio Corrêa, na Arena Fonte Nova, em Salvador, pela Copa do Nordeste, foi atingido por uma bomba caseira. O lateral esquerdo Matheus Bahia sofreu cortes nos braços, e o goleiro Danilo Fernandes, com ferimentos perto dos olhos, precisou ser atendido num hospital. Segundo a polícia, os suspeitos são integrantes da torcida do próprio Bahia.

Quando episódios como esses não são coibidos rapidamente, corre-se o risco de a baderna se repetir. No mesmo dia do ataque à equipe do Grêmio, um ônibus com jogadores do Cascavel foi apedrejado após o jogo contra o Maringá, pelo Campeonato Paranaense.

Cenas inimagináveis ocorreram também quando torcedores do Paraná Clube, indignados com o inexorável rebaixamento do time, que perdia por 3 a 1 para o União-PR, na Vila Capanema, em Curitiba, invadiram o gramado e agrediram jogadores do Paraná. Em vez de futebol, o que se viu em campo foram bombas de efeito moral, balas de borracha e uma confusão. O clube prometeu fornecer às autoridades de segurança informações para identificar e punir os responsáveis pelas agressões.

Há três semanas, a festa preparada pela torcida do Palmeiras nas imediações do Allianz Parque, durante a disputa com o Chelsea pelo Mundial de Clubes, em Abu Dhabi, se transformou em tragédia. Após a derrota para os ingleses por 2 a 1, um motoboy de 35 anos morreu baleado em meio a uma briga generalizada que envolveu a própria torcida palmeirense.

Clubes e federações de todo o país não podem compactuar com essa escalada de violência que extrapola em muito as linhas do esporte e avança para a barbárie. Precisam agir rápido e com firmeza. De tempos em tempos, o futebol brasileiro é sacudido por cenas de selvageria. Apesar das muitas campanhas pela paz nos estádios e da atuação das polícias e do Ministério Público, a questão não está resolvida.

Quem joga bomba em ônibus ou participa de bangue-bangue nas imediações de estádios não é torcedor, mas bandido. Precisa ser identificado, punido e banido das arenas. Hoje em dia, com câmeras por toda parte, imagens não faltam, basta querer investigar. Essa é uma questão em que todos os clubes, independentemente de cores e bandeiras, precisam estar unidos, do mesmo lado. O adversário a enfrentar é a violência, dentro e fora dos estádios.

Desafio americano

Folha de S. Paulo

Guerra exige dos EUA mais diplomacia e novos meios de cooperação com aliados

O presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, fez o que pôde para transmitir determinação e autoconfiança ao tratar da guerra na Ucrânia em seu discurso anual no Congresso, na última terça (1º).

O líder americano disse que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, subestimou a capacidade do Ocidente de reagir à sua inaceitável agressão e por isso agora se encontra isolado diante da comunidade internacional.

Biden celebrou a frente única articulada com seus aliados na Europa para aplicar as duras sanções econômicas impostas à Rússia, que bloquearam o acesso do país ao sistema financeiro global e já lhe causam danos severos.

Por fim, sugeriu que o isolamento de Putin só tende a aumentar. "Na batalha entre a democracia e as autocracias, as democracias se levantaram e o mundo está claramente escolhendo o lado da paz e da segurança", discursou.

A realidade, no entanto, parece mais incômoda do que Biden sugere. A invasão da Ucrânia, um país independente governado por um presidente eleito democraticamente nas franjas da Europa, representa uma contestação veemente à influência que os EUA e seus aliados buscam exercer no mundo.

A capacidade do autocrata russo de resistir à avalanche de sanções ainda está sendo testada, mas não há como duvidar da determinação de quem não hesita diante das normas do direito internacional e autoriza os tanques a disparar até contra instalações nucleares.

A crise chegou à mesa de Biden num momento de fragilidade, em que ele parece pouco propenso a correr riscos. Sua agenda doméstica encontra oposição até em seu partido, sua popularidade está em queda, e a maioria que detém no Congresso estará em jogo nas eleições legislativas de novembro.

Biden prometeu defender os vizinhos da Rússia que são membros da União Europeia e ofereceu assistência militar e socorro financeiro aos ucranianos, que querem entrar no bloco, mas já deixou claro que não tem intenção de mandar soldados americanos ao combate.

Os fiascos no Iraque e no Afeganistão, onde os EUA não deixaram de exibir truculência, são uma lembrança recente. Os norte-americanos, corretamente, não se mostram dispostos a financiar outra aventura militar no exterior —ainda mais diante das enormes incertezas de um confronto com outra potência nuclear.

Um prolongamento do conflito trará novos desafios, da necessidade de acolhimento de centenas de milhares de refugiados à busca por maior integração dos países da região com a economia global.

Se Putin é um adversário a ser enfrentado como parte de uma disputa global entre democracias liberais e autocracias emergentes, como Biden sugere, os Estados Unidos terão de abandonar a onipotência de outros tempos e encontrar novos meios de cooperação com seus aliados para prevalecer.

Contra o tempo

Folha de S. Paulo

Venda da Eletrobras, mesmo falha, atenuaria frustrações do plano de privatização

A privatização da Eletrobras avança. Diferentes órgãos públicos protocolaram nos últimos dias documentos com informações solicitadas pelo Tribunal de Contas da União. Os ministros da corte farão nova reunião, até o início de abril, para definir detalhes finais do processo, como o preço mínimo da ação da companhia.

Não há garantias, porém, de que os procedimentos burocráticos serão concluídos a tempo, ainda no primeiro semestre, antes de a campanha eleitoral colocar sob risco a janela de oportunidade.

A transferência da Eletrobras para a iniciativa privada deve ocorrer por meio da venda de papeis em Bolsa, o que reduzirá a participação da União de 72% para 45%. Ainda que a operação, estimada em R$ 25 bilhões, seja bem-sucedida, permanecerão dúvidas em torno do futuro do setor.

A estatal de energia detém um terço da geração e 44% das linhas de transmissão do país. Segunda colocada nesse ranking, a Engie tem 6% do mercado. A oferta de ações acaba com o controle do Estado, mas preserva o gigantismo.

Não houve o devido debate em torno da modernização do arcabouço legal e tributário, visando o interesse de consumidores residenciais e empresariais.

Deputados e senadores agravaram o quadro ao incluir no processo compromissos que atendem a interesses políticos —e geram despesas de longo prazo acima de R$ 100 bilhões para a empresa privada que ainda nem nasceu.

Mesmo falha, a privatização da Eletrobras será um feito importante numa agenda que claudica no governo Jair Bolsonaro (PL).

Com liquidações, alienações e incorporações, o total de estatais federais passou de 209, no final de 2018, para ainda muito elevados 158 no terceiro trimestre do ano passado. Não foram vendidas empresas sob controle direto do Tesouro Nacional, que hoje são 46 —a queda do número se deu entre subsidiárias das companhias existentes.

O Ministério da Economia semeou expectativas irrealistas, e o Planalto não mostrou disposição nem capacidade política para um programa ambicioso. Resta a esperança de que a Eletrobras, privatizada, deixe de ser veículo de clientelismo e projetos antieconômicos.

A guerra no mundo interconectado

O Estado de S. Paulo

As necessárias sanções econômicas foram surpreendentes em velocidade e escala. Agora, precisam ser calibradas para evitar consequências indesejadas

Vladimir Putin já foi descrito como um imperialista do século 20 operando com táticas do século 19 para se firmar com um czar do século 21. Tantos anacronismos são prerrogativa de um autocrata que vem há anos erguendo uma “fortaleza” financeira, isolando o regime da opinião pública e que não tem escrúpulos de impor miséria à sua população para satisfazer seu imperialismo. As lideranças globais não têm essas prerrogativas. Para que suas sanções sejam eficazes elas têm de ser concatenadas, e é preciso lidar com as pressões da opinião pública doméstica.

As sanções foram sem precedentes. Bancos russos foram barrados da rede Swift; EUA, União Europeia, Reino Unido e Suíça sancionaram o banco central russo; diversos países fecharam o espaço aéreo para a Rússia e impuseram limites à importação de tecnologias. Sanções ao petróleo e gás ainda estão em boa parte excluídas, mas países europeus dependentes da energia russa promoveram reversões surpreendentes em suas políticas.

Essas sanções não terão efeito imediato sobre a ofensiva contra a Ucrânia em si, mas imporão grandes pressões à economia russa, limitando o tempo do Kremlin para financiar sua guerra.

A velocidade e a escala das sanções mostram que a comunidade internacional aprendeu lições importantes desde a ocupação da Crimeia em 2014. Mas tal como os conflitos militares, a contraofensiva econômica exigirá cálculos táticos em vista de objetivos estratégicos. A prioridade é impedir que a guerra transborde as fronteiras da Ucrânia, sobretudo em um confronto entre potências nucleares. Além disso, é preciso minimizar os custos para as populações dos países aliados. 

Ainda que o opróbrio do povo russo seja inevitável, é preciso lembrar que o confronto é menos contra a Rússia do que contra o seu regime. A dissidência russa vem crescendo. Mas um colapso rápido demais poderia provocar efeitos adversos. Furar o bloqueio de desinformação do Kremlin na própria Rússia é essencial para engajar os russos contra o regime.

A comunicação pública às populações dos aliados precisa ser clara e consistente. É preciso envolvê-las nas decisões sobre os custos que precisarão ser pagos, esclarecer a sua dimensão e por que eles valem a pena. É fácil apelar ao idealismo e à solidariedade aos ucranianos no curto prazo. Mas o tempo pode desgastar esse entusiasmo. As medidas podem ter um efeito desproporcional sobre a classe média. O Kremlin conta com isso para desestabilizar os governos aliados. Será preciso um empenho continuado para demonstrar a essas populações que conter Putin serve ao seu próprio interesse.

As lideranças precisam se preparar, e preparar suas populações, para as retaliações. No plano econômico, Putin pode impor custos não só na energia, mas em grãos, fertilizantes e metais. Ele já pôs na mesa ameaças nucleares, mas mais iminentes são possíveis ataques cibernéticos contra as finanças e infraestruturas ocidentais.

Não há sinalização de que a China participará das sanções – e o regime observa a estratégia ocidental para calcular sua ofensiva a Taiwan. Mas a falta de liquidez de bancos, empresas e governo russos pode ser ruim para seus negócios. A diplomacia ocidental precisa deixar claro aos chineses que o apoio a Putin é incompatível com relações amigáveis com o Ocidente.

Agora que ativaram seus arsenais econômicos, os aliados precisam solidificar consensos para sinalizar ao Kremlin, por um lado, qual estoque de sanções ainda têm à disposição caso Putin opte por escalar sua guerra ou estendê-la além da Ucrânia e, por outro lado, quais seriam as saídas caso ele decida negociar, ou seja, quais sanções podem ser aliviadas e em quais circunstâncias.

Putin não tem escrúpulos em mesclar recursos militares, políticos e econômicos. O Ocidente tem esses recursos, em maior escala. A condição para que sirvam às prioridades estratégicas é a união política e a primazia das alavancas econômicas sobre as militares. A união não deveria encontrar quaisquer limites. Mas, até para evitar o choque militar, as pressões econômicas precisarão ser muito bem calibradas.

Afronta à Lei Eleitoral

O Estado de S. Paulo

Apesar da proibição legal, têm sido frequentes os casos de campanha eleitoral antecipada

O objetivo da legislação eleitoral é proteger o regime democrático e o livre exercício dos direitos políticos. Aparentemente simples e cristalinos, esses propósitos se manifestam depois em uma normativa especialmente detalhista, com ampla regulamentação. Ainda que se possa com razão criticar tal complexidade, vislumbra-se de fundo uma finalidade louvável: assegurar a efetividade das normas eleitorais. No entanto, deve-se advertir que, muitas vezes, o detalhamento legislativo, em vez de proteger as eleições, é ocasião de indevidas tolerâncias, colocando em risco precisamente os objetivos fundamentais da legislação eleitoral. É o que se observa, por exemplo, com as regras relativas à propaganda eleitoral antecipada.

A proibição da propaganda extemporânea busca evitar o desequilíbrio e a falta de isonomia na campanha eleitoral. Trata-se de princípio básico do regime democrático. Candidatos devem dispor de igualdade de condições. Por isso, acertadamente a Justiça Eleitoral consolidou, ao longo do tempo, jurisprudência no sentido de que a proibição de pedido de voto antes do período de campanha se refere tanto à forma explícita como à implícita. Por exemplo, mesmo sem referência direta a eleições ou a voto, é vedado antes do período de campanha o uso de outdoors para exaltar qualidades pessoais de possíveis candidatos. Tal proibição é o reconhecimento de que a propaganda eleitoral não se resume a pedir votos, mas a difundir que tal pessoa seria a mais apta a determinado cargo eletivo.

No entanto, não obstante a clareza desses critérios, continua sendo frequente – e bastante tolerada – a campanha eleitoral antecipada, como mostrou recentemente o Estadão, desde a instalação de outdoors até a realização de eventos festivos. Aliados do governo ou da oposição, pré-candidatos e partidos têm feito corpo a corpo e usado as redes sociais com inequívoco objetivo de angariar votos. É especialmente ofensiva à equidade nas eleições a propaganda eleitoral antecipada feita por quem ocupa cargo público.

Como mostrou o Estadão, existem ao menos sete representações por campanha antecipada contra o presidente Jair Bolsonaro. Uma delas refere-se a um evento em junho de 2021, em Marabá (PA), no qual o presidente da República mostrou uma camiseta entregue pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, com a mensagem “É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022”. De acordo com o Ministério Público Federal, houve propaganda eleitoral antecipada e conduta vedada a agente público no ato, que ademais foi transmitido pela TV Brasil.

Neste ano, Jair Bolsonaro tem feito inequívoca campanha eleitoral a favor do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, pré-candidato ao Palácio dos Bandeirantes. Além de desrespeitar o período oficial da campanha, essa atividade presidencial é triste repetição da prática lulopetista de usar o aparato estatal em benefício eleitoral. Cabe à Justiça determinar o devido ressarcimento aos cofres públicos, cujos recursos não podem custear campanha de político governista.

Para a indústria, é mudar ou perecer

O Estado de S. Paulo

A dinamização da indústria exige atenção aos novos padrões tecnológicos e ambientais; a boa notícia é que os novos dirigentes industriais parecem saber disso

Embora tenha crescido 4,5% no ano passado, a indústria está longe de ter superado a crise que se estende há pelo menos dez anos e afeta, sobretudo, o segmento de transformação. A expansão em 2021 parece expressiva, mas é menor do que a de toda a economia – o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%, segundo o IBGE – e, nos dois últimos trimestres do ano passado, a indústria registrou queda. A desindustrialização, para a qual economistas e dirigentes empresariais vêm apontando há tempos, não foi interrompida. São muitos os desafios para superá-la.

Governos que não conseguem ver além dos interesses imediatos e particulares de seus integrantes, como o de Jair Bolsonaro, dificilmente compreenderão a dimensão de desafios dessa natureza. Felizmente, com a possibilidade de sua substituição pelo voto, maus governantes não são eternos. E, no setor produtivo, parece haver firme e consciente disposição de encarar os novos problemas, com base em diagnósticos realistas, e buscar soluções condizentes com as exigências contemporâneas. Pode-se ter esperança.

Ao tomar posse como presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em fevereiro, o empresário Josué Gomes da Silva havia mostrado a necessidade de recuperar o dinamismo da indústria na economia nacional e debater a reindustrialização do País, num mundo em que os processos produtivos se modernizam e se modificam rapidamente. Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, o novo economista-chefe da Fiesp, Igor Rocha, disse que o grande desafio da indústria de transformação é definir uma nova política industrial.

Essa nova política, mostrou Rocha, deve estar livre dos vícios do passado – entre eles o protecionismo e a interminável determinação com que parte do setor buscava vantagens tributárias temporárias ou perenes – e ter, entre suas diretrizes, a sustentabilidade, a redução das emissões de carbono e o foco em setores de média e alta tecnologia. Não é pouco, para um segmento já às voltas com tantos obstáculos para recuperar seu papel no crescimento econômico. Mas é necessário.

Aos problemas antigos, que são conhecidos, se somam os que as transformações do sistema de produção, distribuição e comercialização em todo o mundo estão impondo a governos, empresas, trabalhadores e consumidores. São mudanças cuja compreensão será vital não apenas para o crescimento, mas até mesmo para a sobrevivência das empresas, em particular as da indústria de transformação.

A reforma tributária, que simplifique o sistema e propicie alguma redução do peso dos impostos e taxas, de modo a estimular os investimentos, continua sendo uma meta prioritária que o setor produtivo não pode abandonar. Da mesma forma, a recuperação da infraestrutura, para propiciar mais confiabilidade e redução de custos para a produção, transporte e comercialização de bens e serviços, continua indispensável.

Mas políticas industriais como as que vigoraram até há poucas décadas são coisas do passado, diz o novo economista-chefe da Fiesp. A preocupação deve, daqui para a frente, estar voltada para os segmentos com maior potencial de produção ambientalmente sustentável, que atenda aos objetivos resumidos no acrônimo para meio ambiente, preocupação social e governança – ESG (em inglês). Trata-se de um movimento global, de que a indústria brasileira não poderá escapar, a despeito de já ter problemas internos específicos que tendem a retardar a transformação de seu processo produtivo.

Só assim o Brasil poderá superar a desindustrialização que Igor Rocha e outros analistas consideram precoce. A redução do tamanho da indústria no PIB ocorre quando as economias passam de renda média para renda alta. Outros segmentos crescem mais, daí a perda do peso relativo da indústria na economia nacional. Mas isso ocorreu aqui sem que o País alcançasse a condição de renda alta, daí seu caráter prematuro. A renda gerada pela indústria caiu, da mesma forma que sua produtividade.

Com visão clara da imensidão do problema, é possível, ainda que muito difícil, começar a superá-lo.

Sanções à Rússia estão longe de ser uma resposta ideal

Valor Econômico

O boicote de Xi Jinping às sanções pode dar sobrevida à postura bélica de Putin

Do sequestro de ativos detidos por oligarcas próximos ao Kremlin até o bloqueio à movimentação de reservas do Banco Central da Rússia, os países ocidentais aplicaram contra Moscou uma espiral inédita de sanções econômicas, que visam enfraquecer o presidente Vladimir Putin no plano doméstico. Idilicamente, o cerco pode acelerar a transição política em um governo que usurpa a democracia e viola o direito internacional. No mínimo, as punições anunciadas constrangem Putin com seus eleitores e demonstram os custos de agredir outras nações sem nenhuma justificativa plausível. Pela primeira vez, no entanto, o mundo testa também a capacidade de uma autocracia instalada em potência bélica - não uma ditadura latino-americana, uma ilha de corrupção na África ou um emirado absolutista no Golfo Pérsico - sobreviver escorando-se na neutralidade ou no apoio tácito da China. Pequim pode ter se tornado o fiel da balança.

É de se colocar em perspectiva, sim, que as sanções adotadas até agora estão longe de constituir uma resposta ideal. Restrições econômicas de todos os lados resultam em sofrimento de toda a população russa. Não se pode desprezar ainda o fato de que podem ajudar o próprio Putin a reforçar internamente, com sua máquina de desinformação, o discurso de que é uma vítima do Ocidente e luta apenas para resistir às tentativas de avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Também guarda razoabilidade o argumento de que regimes autocráticos no Irã, na Venezuela ou na Coreia do Norte têm sobrevivido às sanções.

O cerceamento à Rússia, contudo, ocorre em velocidade e amplitude épicas. Em menos de dez dias houve exclusão do sistema Swift de pagamentos internacionais, proibição à compra de nova dívida soberana, fechamento de espaço aéreo para voos comerciais, quase metade das reservas do BC russo teve seu uso inviabilizado. Companhias de navegação que respondem por 47% do tráfego global de contêineres decidiram paralisar fretes. Dezenas de empresas americanas e europeias anunciaram suspensão dos negócios. Petroleiras como Shell, BP, Total e Equinor se comprometeram a não mais alocar capital no país. Nike, Ikea e Spotify interromperam suas atividades. A lista aumenta dia após dia.

Os efeitos na economia russa já apareceram. O BC mais do que dobrou a taxa de juros (para 20% ao ano), o valor do rublo caiu para um mínimo histórico, há corrida bancária e a Bolsa de Moscou passou a semana inteira fechada. O colchão financeiro preparado pela Rússia para enfrentar a guerra parece não ser suficiente. Ela empobrecerá muito, e rapidamente. Não à toa, em reunião ministerial parcialmente televisionada na sexta-feira, Putin acusou o golpe: "Não temos más intenções acerca dos nossos vizinhos. Eu gostaria também de aconselhá-los a não escalar a situação, a não introduzir nenhuma restrição".

De acordo com o instituto de pesquisas russo Levada Center, 52% dos cidadãos no país temem repressão das autoridades e 58% receiam sofrer prisões arbitrárias - os índices mais altos desde 1994. Por isso, impressiona que protestos tenham sido registradas em 48 cidades diferentes. A filha do porta-voz de Putin escreveu "não à guerra" em seu perfil numa rede social. Esportistas e celebridades têm se manifestado. Nesse ritmo, o apoio da classe média a Putin ficará cada vez mais corroído.

Nada disso garante que Putin aceite um cessar-fogo e, muito menos, uma paz duradoura com seus vizinhos. Trata-se, porém, do único caminho para pressioná-lo sem o impensável emprego de tropas da Otan. O problema é a resistência da China em aderir às sanções. Os países do eixo Ásia-Pacífico absorvem hoje 30% das exportações russas. Pequim já tem mais investimentos na Rússia do que a Alemanha. Putin e Xi Jinping, que já se encontraram 38 vezes e se chamaram de "melhores amigos", anunciaram a construção de um "superduto" que levará gás da Sibéria ao norte da China.

O boicote de Xi às sanções, pelo peso da aliança formada entre os dois países, pode dar sobrevida à postura bélica de Putin e impedir o declínio do regime russo. Ao mesmo tempo, aumentará a desconfiança do Ocidente com a China e a percepção - já alimentada durante a pandemia - de que é preciso tomar cuidado com as cadeias de valor dependentes do gigante asiático. Uma divisão do mundo em dois eixos apartados, no qual suspeitas prevalecem sobre cooperação e integração, é péssimo para o futuro da economia e da estabilidade globais.

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