sexta-feira, 18 de março de 2022

Vera Magalhães: Petrobras, PF e o 'aqui mando eu'

O Globo

Diz o ditado popular que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. A erosão de praticamente todas as instituições do país no governo Bolsonaro segue a lógica de gotejar persistentemente líquidos tão corrosivos quanto intervencionismo, falta de respeito a ritos e processos e a sobreposição de interesses privados (familiares) sobre os públicos até abrir buracos que depois serão difíceis de fechar.

No momento, a Polícia Federal e a Petrobras, a maior companhia do país, são os alvos desse ataque insidioso que já atingiu, em diferentes momentos, as Forças Armadas, o Ministério Público Federal, a Abin e tantas outras corporações.

Em nenhuma dessas tentativas para minar a independência e a autonomia de braços importantes do tecido republicano, Jair Bolsonaro fez questão de esconder que a lógica que lhe serve é exigir alinhamento bovino dos indicados e ter o direito de opinar, quando não de intervir abertamente.

A Petrobras não é uma instituição do Estado, e sim uma empresa de economia mista e capital aberto, mas, ainda assim, é vista pelo presidente da República como um puxadinho de seu gabinete, que deve agir conforme seus desígnios eleitorais.

O passa-moleque que Bolsonaro arquiteta, conforme revelado pela colunista do GLOBO Malu Gaspar, para tirar o general Silva e Luna do comando da empresa é indigno e baixo. Mas é tratado com naturalidade no interior do governo, que se divide entre ministros que apoiam abertamente a fritura do general (entre os quais, espantosamente, colegas de farda) e os que tentam botar panos quentes.

Em nenhuma das duas frentes, no entanto, parece haver percepção da gravidade de tratar a maior empresa do Brasil como uma extensão da bomba de gasolina, como se fosse simples baixar na marra o preço dos combustíveis e qualquer um que se sentasse na cadeira de Silva e Luna fosse capaz de operar esse milagre. Não será.

A bagunça provocada por Bolsonaro na governança da Petrobras é aceita por todo o entorno, inclusive por um mercado desatento ao precedente de que não poderá se queixar depois.

Na PF, os interesses políticos são ainda mais sorrateiros e difusos, porque, além da já manifesta intenção de Bolsonaro de interferir na instituição e de proteger a si, aos filhos e aos aliados, existem grupos que rivalizam pelo controle dos principais postos e uma até aqui não resolvida pauta de reivindicações que ameaça estourar no colo do próprio capitão.

As sucessivas trocas na direção da PF mostram preocupação de Bolsonaro e do ministro da Justiça, Anderson Torres, de manter pessoas de sua confiança no comando. Existe o temor interno de que os novos ocupantes de postos-chaves na hierarquia tentem interferir em investigações em curso, sobretudo as mais delicadas para a família do presidente, de forma sutil, como promovendo o esvaziamento de inquéritos ou cortando orçamento e equipes.

Paralelamente a essa troca da guarda de grupos e gerações, cresce a impaciência com a demora de Bolsonaro em concretizar suas promessas de reestruturação de carreiras e reajuste de salários para delegados, agentes, peritos e também para a Polícia Rodoviária Federal.

Como a lei eleitoral prevê o prazo de seis meses antes da eleição para que reajustes e aumento de despesas discricionárias sejam aprovados, a contagem regressiva já pesa contra Bolsonaro, que passará a ser alvo de revolta (e possível retaliação) caso não cumpra o que prometeu.

O efeito colateral do tipo de dilapidação das instituições que o bolsonarismo promove é este: nem sempre se consegue lograr êxito no aparelhamento, e ainda se fica sob a mira daqueles a quem você fez promessas eleitoreiras. O custo para o país, no entanto, é de ordem perene — e já está dado.

 

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