O Globo
Diz o ditado popular que água mole em pedra
dura tanto bate até que fura. A erosão de praticamente todas as instituições do
país no governo Bolsonaro segue a lógica de gotejar persistentemente líquidos
tão corrosivos quanto intervencionismo, falta de respeito a ritos e processos e
a sobreposição de interesses privados (familiares) sobre os públicos até abrir
buracos que depois serão difíceis de fechar.
No momento, a Polícia Federal e a
Petrobras, a maior companhia do país, são os alvos desse ataque insidioso que
já atingiu, em diferentes momentos, as Forças Armadas, o Ministério Público
Federal, a Abin e tantas outras corporações.
Em nenhuma dessas tentativas para minar a
independência e a autonomia de braços importantes do tecido republicano, Jair
Bolsonaro fez questão de esconder que a lógica que lhe serve é exigir
alinhamento bovino dos indicados e ter o direito de opinar, quando não de
intervir abertamente.
A Petrobras não é uma instituição do Estado, e sim uma empresa de economia mista e capital aberto, mas, ainda assim, é vista pelo presidente da República como um puxadinho de seu gabinete, que deve agir conforme seus desígnios eleitorais.
O passa-moleque que Bolsonaro arquiteta,
conforme revelado pela colunista do GLOBO Malu
Gaspar, para tirar o general Silva e Luna do comando da empresa é indigno e
baixo. Mas é tratado com naturalidade no interior do governo, que se divide
entre ministros que apoiam abertamente a fritura do general (entre os quais,
espantosamente, colegas de farda) e os que tentam botar panos quentes.
Em nenhuma das duas frentes, no entanto,
parece haver percepção da gravidade de tratar a maior empresa do Brasil como
uma extensão da bomba de gasolina, como se fosse simples baixar na marra o
preço dos combustíveis e qualquer um que se sentasse na cadeira de Silva e Luna
fosse capaz de operar esse milagre. Não será.
A bagunça provocada por Bolsonaro na
governança da Petrobras é aceita por todo o entorno, inclusive por um mercado
desatento ao precedente de que não poderá se queixar depois.
Na PF, os interesses políticos são ainda
mais sorrateiros e difusos, porque, além da já manifesta intenção de Bolsonaro
de interferir na instituição e de proteger a si, aos filhos e aos aliados,
existem grupos que rivalizam pelo controle dos principais postos e uma até aqui
não resolvida pauta de reivindicações que ameaça estourar no colo do próprio
capitão.
As sucessivas trocas na direção da PF
mostram preocupação de Bolsonaro e do ministro da Justiça, Anderson Torres, de
manter pessoas de sua confiança no comando. Existe o temor interno de que os
novos ocupantes de postos-chaves na hierarquia tentem interferir em
investigações em curso, sobretudo as mais delicadas para a família do
presidente, de forma sutil, como promovendo o esvaziamento de inquéritos ou
cortando orçamento e equipes.
Paralelamente a essa troca da guarda de
grupos e gerações, cresce a impaciência com a demora de Bolsonaro em
concretizar suas promessas de reestruturação de carreiras e reajuste de
salários para delegados, agentes, peritos e também para a Polícia Rodoviária
Federal.
Como a lei eleitoral prevê o prazo de seis
meses antes da eleição para que reajustes e aumento de despesas discricionárias
sejam aprovados, a contagem regressiva já pesa contra Bolsonaro, que passará a
ser alvo de revolta (e possível retaliação) caso não cumpra o que prometeu.
O efeito colateral do tipo de dilapidação
das instituições que o bolsonarismo promove é este: nem sempre se consegue
lograr êxito no aparelhamento, e ainda se fica sob a mira daqueles a quem você
fez promessas eleitoreiras. O custo para o país, no entanto, é de ordem perene
— e já está dado.
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