quinta-feira, 3 de março de 2022

Vinicius Torres Freire: A Inflação que vai vir

Folha de S. Paulo

Com alta do mercado de petróleo, decisão influencia na inflação e tem efeito político

Faz 50 dias que a Petrobras não aumenta o preço de gasolina e diesel. Nesse tempo, o barril de petróleo do tipo Brent ficou 36,8% mais caro. Em reais, em uma conta de guardanapo, o barril encareceu 26,4%, pois o real se valorizou e não voltou a levar tombo maior mesmo com a guerra.

Não é assim que petroleira faz contas para definir o preço de acordo com a paridade internacional (que depende do custo de gasolina e diesel nos mercados produtores relevantes para o Brasil etc.). Mas dá para ter uma ideia do problema, se a estatal estiver mesmo decidida a manter sua política de preços.

Está? A decisão vai influenciar a inflação, talvez o tamanho da alta de juros que ainda está por vir e tem efeito político, é óbvio. O assunto se torna ainda mais enrolado quando se nota que os preços de trigo, milho, soja e carnes também vão subir um tanto mais também por causa da guerra na Ucrânia.

Em tese, a Petrobras teria um argumento sensato para não mexer por ora nos seus preços, que é justamente a alteração causada pela guerra e a incerteza a respeito do que vai acontecer. Mas tem problemas práticos e políticos para enrolar muito.

O conflito começou no dia 21 de fevereiro, quando Vladimir Putin anunciou que mandaria "missões de paz" para o leste da Ucrânia. Desde a sexta-feira, 18, o preço do Brent aumentou 22,4%. Até agora, portanto, esse é o custo extra da guerra para o petróleo, que, no entanto, tem variado muito, até para baixo, nestes dias de tumulto e horror. Neste ano, o Brent já ficou 47% mais caro.

A Petrobras pode dizer que o momento é incerto, mas não parece razoável acreditar que tão cedo o barril vá ficar mais barato. A guerra ainda vai durar. Se o conflito armado viesse a ser interrompido, as sanções econômicas contra a Rússia permaneceriam. Mesmo que essas retaliações não abarquem negócios com energia ou comida, as limitações financeiras, legais e administrativas impostas a empresas e bancos da Rússia tiram parte do petróleo russo do mercado.

Não há outros sinais de alívio no horizonte. Estados Unidos e aliados disseram nesta semana que vão liberar a venda de 60 milhões de barris de petróleo de suas reservas estratégicas. Mas isso não dá 10 dias de exportações russas de petróleo. Não é ninharia, decerto, mas não salva o mercado do tumulto.

OPEP, o cartel do petróleo, aliás aliado ao menos comercial da Rússia, manteve a política de aumentar a exportação em 400 mil barris por dia, a cada mês, 12 milhões por mês, pois (o que está difícil de acontecer, pois vários países estão com dificuldades de produzir mais, em particular na África).

mercado financeiro do Brasil fez festinha na Quarta-feira de Cinzas da guerra, pois ainda entra dinheiro de fora na Bolsa e as commodities brasileiras estão em alta. Além do mais, mesmo nos EUA a tormenta em Bolsas e juros esteve contida —a guerra vai levar os bancos centrais dos EUA e da União Europeia a elevar a taxa básica de juros deles em ritmo mais lento.

No entanto, a questão monetária e política de fundo permanece: não há motivos para acreditar em queda mais rápida da inflação tão cedo —ao contrário. A carestia de guerra vai bater diretamente nos preços mais visíveis e dolorosos: comida e combustíveis. A baixa ligeira da eletricidade em abril ou maio não vai servir de refresco, a não ser que Putin diga "desculpaê, foi mal, a guerra acabou". Improvável.

Em resumo, inflação vai ser um assunto que vai ficar mais quente: vai bater na política de preços da Petrobras, vai resultar em mais blablá e ideias daninhas no Congresso, deve afetar uns pontos do prestígio de Jair Bolsonaro.

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