sábado, 9 de abril de 2022

Carlos Góes: Petrobras: passado, presente e futuro

O Globo

A estatal deve ser uma gigante do petróleo ou uma empresa de energia verde reinventada? Só a sociedade brasileira poderá dizer

A Petrobras está, de novo, no meio de um turbilhão. O governo federal, controlador da empresa, teve muita dificuldade para indicar seu terceiro presidente desde o começo do mandato do presidente Bolsonaro. Dado o contexto problemático, este é um momento apropriado para repensar o passado, o presente e o futuro da estatal.

Os problemas recentes da empresa começaram a ficar evidentes em 2010. Foi a partir de então que o valor de mercado da Petrobras se descolou do valor das outras empresas de petróleo. Nos cinco anos seguintes, o preço das ações das outras petrolíferas se manteria estável na Bolsa de Nova York, enquanto o preço das ações da Petrobras derreteria 87,5%.

Naquela época, o debate político era sobre uma suposta autossuficiência brasileira em petróleo, que na verdade nunca foi atingida. Por trás da publicidade, já existiam fraturas que podiam ser observadas nos relatórios financeiros da empresa.

Entre 2002 e 2010, estava em vigor a política que limitava a transmissão de variações no preço internacional do petróleo ao mercado doméstico. Nesse período, o preço real do petróleo subiu aproximadamente 150%, enquanto o preço real da gasolina no mercado doméstico só foi reajustado em 75%.

Independentemente do julgamento subjetivo que cada um possa ter quanto à necessidade de subsidiar a gasolina no mercado doméstico, o fato concreto é que a política limitou a rentabilidade da empresa.

Outra variável importante foi a política de conteúdo local, que exigia que até 70% dos componentes de plataformas e navios comprados pela Petrobras tivessem de ser fabricados no Brasil. Na prática, isso significava que a empresa pagava cerca de 50% acima do preço de mercado por produtos de qualidade problemática.

A título de exemplo, o primeiro dos navios petroleiros encomendados pela política de conteúdo local, João Cândido, foi entregue com dois anos de atraso e custo 56% acima do previsto. Segundo relatos da imprensa na época, a falta de mão de obra especializada foi um gargalo.

Cerca 75% do trabalho de soldagem realizado no navio teve que ser refeito, o que explica o atraso e o aumento de custos.

Isso tudo ilustra o fato de que as decisões dos gestores políticos da empresa limitaram tanto as receitas quanto a qualidade dos investimentos da Petrobras. A estatal se endividou para realizar esses investimentos, mas o retorno não veio.

Em determinados momentos, o valor de mercado da empresa ficou abaixo de seu valor contábil. Isso indicava que os investidores não acreditavam que a empresa valia o que ela dizia que seus ativos valiam.

Este é o seu passado recente. Já o presente tem girado principalmente ao redor da nova política de preços de paridade internacional dos derivados de petróleo.

Em agosto de 2016, a Petrobras passou a ajustar os preços da gasolina (e outros produtos) com base em seus preços internacionais. Um dos objetivos era evitar esses prejuízos citados anteriormente.

A partir de então, o preço da gasolina em reais se moveu mais ou menos junto ao preço do petróleo em dólares. Ou seja, a empresa repassou mais as variações diretas (quando o petróleo subiu, a gasolina subiu), do que as indiretas (quando o dólar subiu, a gasolina não subiu) no preço.

No longo prazo, a paridade faz sentido. Alterar preços relativos, subsidiando o preço dos combustíveis fósseis abaixo do seu preço de mercado, prejudica alternativas de menor dano ambiental.

Contudo, no curto prazo, isso leva a custos políticos altos. Por isso, organismos financeiros internacionais têm sugerido aos governos a adoção de um mecanismo de suavização do preço dos combustíveis, fazendo com que o preço atual da gasolina se mova com a média do petróleo nos últimos 12 ou 24 meses, por exemplo.

Além disso, o governo pode usar mecanismos mais específicos para atingir seus objetivos. Se a preocupação é com o impacto na inflação via transportes, faz sentido subsidiar o diesel; se a preocupação é com o acesso da população ao gás de cozinha, o foco pode ser esse. Não é necessário subsidiar todos os combustíveis.

Os desafios são grandes: evitar os problemas de gestão do passado; sobreviver aos dilemas políticos do presente; e construir uma Petrobras do futuro. Qual deveria ser essa empresa do futuro: uma gigante do petróleo ou uma empresa de energia verde reinventada? Só a sociedade brasileira poderá dizer.

 

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