O Globo
A estatal deve ser uma gigante do petróleo
ou uma empresa de energia verde reinventada? Só a sociedade brasileira poderá
dizer
A Petrobras está, de novo, no meio de um
turbilhão. O governo federal, controlador da empresa, teve muita dificuldade
para indicar seu terceiro presidente desde o começo do mandato do presidente
Bolsonaro. Dado o contexto problemático, este é um momento apropriado para
repensar o passado, o presente e o futuro da estatal.
Os problemas recentes da empresa começaram
a ficar evidentes em 2010. Foi a partir de então que o valor de mercado da
Petrobras se descolou do valor das outras empresas de petróleo. Nos cinco anos
seguintes, o preço das ações das outras petrolíferas se manteria estável na
Bolsa de Nova York, enquanto o preço das ações da Petrobras derreteria 87,5%.
Naquela época, o debate político era sobre uma suposta autossuficiência brasileira em petróleo, que na verdade nunca foi atingida. Por trás da publicidade, já existiam fraturas que podiam ser observadas nos relatórios financeiros da empresa.
Entre 2002 e 2010, estava em vigor a
política que limitava a transmissão de variações no preço internacional do
petróleo ao mercado doméstico. Nesse período, o preço real do petróleo subiu
aproximadamente 150%, enquanto o preço real da gasolina no mercado doméstico só
foi reajustado em 75%.
Independentemente do julgamento subjetivo
que cada um possa ter quanto à necessidade de subsidiar a gasolina no mercado
doméstico, o fato concreto é que a política limitou a rentabilidade da empresa.
Outra variável importante foi a política de
conteúdo local, que exigia que até 70% dos componentes de plataformas e navios
comprados pela Petrobras tivessem de ser fabricados no Brasil. Na prática, isso
significava que a empresa pagava cerca de 50% acima do preço de mercado por
produtos de qualidade problemática.
A título de exemplo, o primeiro dos navios
petroleiros encomendados pela política de conteúdo local, João Cândido, foi
entregue com dois anos de atraso e custo 56% acima do previsto. Segundo relatos
da imprensa na época, a falta de mão de obra especializada foi um gargalo.
Cerca 75% do trabalho de soldagem realizado
no navio teve que ser refeito, o que explica o atraso e o aumento de custos.
Isso tudo ilustra o fato de que as decisões
dos gestores políticos da empresa limitaram tanto as receitas quanto a
qualidade dos investimentos da Petrobras. A estatal se endividou para realizar
esses investimentos, mas o retorno não veio.
Em determinados momentos, o valor de mercado
da empresa ficou abaixo de seu valor contábil. Isso indicava que os
investidores não acreditavam que a empresa valia o que ela dizia que seus
ativos valiam.
Este é o seu passado recente. Já o presente
tem girado principalmente ao redor da nova política de preços de paridade
internacional dos derivados de petróleo.
Em agosto de 2016, a Petrobras passou a
ajustar os preços da gasolina (e outros produtos) com base em seus preços
internacionais. Um dos objetivos era evitar esses prejuízos citados anteriormente.
A partir de então, o preço da gasolina em
reais se moveu mais ou menos junto ao preço do petróleo em dólares. Ou seja, a
empresa repassou mais as variações diretas (quando o petróleo subiu, a gasolina
subiu), do que as indiretas (quando o dólar subiu, a gasolina não subiu) no
preço.
No longo prazo, a paridade faz sentido.
Alterar preços relativos, subsidiando o preço dos combustíveis fósseis abaixo
do seu preço de mercado, prejudica alternativas de menor dano ambiental.
Contudo, no curto prazo, isso leva a custos
políticos altos. Por isso, organismos financeiros internacionais têm sugerido
aos governos a adoção de um mecanismo de suavização do preço dos combustíveis,
fazendo com que o preço atual da gasolina se mova com a média do petróleo nos
últimos 12 ou 24 meses, por exemplo.
Além disso, o governo pode usar mecanismos
mais específicos para atingir seus objetivos. Se a preocupação é com o impacto
na inflação via transportes, faz sentido subsidiar o diesel; se a preocupação é
com o acesso da população ao gás de cozinha, o foco pode ser esse. Não é
necessário subsidiar todos os combustíveis.
Os desafios são grandes: evitar os
problemas de gestão do passado; sobreviver aos dilemas políticos do presente; e
construir uma Petrobras do futuro. Qual deveria ser essa empresa do futuro: uma
gigante do petróleo ou uma empresa de energia verde reinventada? Só a sociedade
brasileira poderá dizer.
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