quarta-feira, 13 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É preciso evitar os erros do passado no uso dos royalties

O Globo

A alta de preços do petróleo que convulsiona a economia mundial traz, ao mesmo tempo, uma onda de bonança a estados e municípios beneficiados com os royalties da exploração. Ajudados também pelo dólar alto e pelo aumento da produção do pré-sal, governadores e prefeitos de regiões produtoras veem o dinheiro jorrar como nunca. É uma dádiva, num momento em que as finanças ainda tentam se recuperar do baque da pandemia. Mas a maré boa esconde uma armadilha em ano eleitoral, com gestores ávidos por distribuir aumentos salariais para fazer subir seus índices de aprovação. É preciso saber gastar, evitando erros e desperdícios do passado.

Como mostrou reportagem do GLOBO, a arrecadação de União, estados e municípios com royalties e participações especiais da produção de petróleo e gás já havia aumentado 65% em 2021. Para este ano, é esperado um novo salto de quase 60%. Pela estimativa da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o total iria para R$ 118,7 bilhões, mais de R$ 40 bilhões acima dos R$ 77 bilhões previstos em janeiro, antes da guerra na Ucrânia e da consequente disparada nas cotações (em março, o barril do tipo Brent bateu em US$ 139, maior valor desde 2008).

Os bons ventos favorecem os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, que concentram a maior parte da produção no mar. Municípios como Maricá, Niterói, Macaé e Rio (RJ), Ilhabela (SP), Marataízes e Presidente Kennedy (ES) receberão substancial reforço no caixa. Em Maricá, no topo do ranking, os recursos já saltaram de R$ 1,4 bilhão em 2020 para R$ 2,45 bilhões no ano passado.

Em tese, toda essa dinheirama — que oscila ano a ano, por isso não pode ser dada como certa pelos governantes — deveria ser usada em investimentos de longo prazo: saúde, saneamento, educação e meio ambiente. É o que preveem a lei e o manual das boas práticas da gestão pública. Infelizmente não é o que acontece. A história está cheia de maus exemplos. Na década passada, o então governador do Rio Luiz Fernando Pezão atribuiu à queda na receita dos royalties a culpa pela grave crise em que o estado mergulhou a partir de 2016. Balela. O governo gastou o que tinha e o que não tinha dando aumentos ao funcionalismo e criando despesas fixas com uma arrecadação variável. O final da história é conhecido.

O efeito inebriante dos cofres abarrotados de royalties pode levar ao desperdício se o dinheiro for canalizado para aumentos a servidores ou obras de maquiagem. Ficou conhecido o caso do município fluminense de Rio das Ostras, que construiu um dispendioso calçadão de porcelanato. A prefeitura de Campos dos Goytacazes ergueu uma Cidade das Crianças de R$ 17 milhões com a ambição de ser a “Disney de Campos”, além de um Sambódromo num lugar sem tradição de carnaval. No Rio Grande do Norte, o município de Guamaré fez um muro de 1,5 quilômetro apenas para marcar os limites da cidade. Foi apelidado Muro de Berlim.

É preciso aprender com os erros do passado. Em época de maré alta, é fundamental aproveitar a oportunidade e aplicar os recursos em projetos duradouros, que melhorem as condições de vida e fortaleçam a economia dos estados e municípios, para enfrentar os tempos de maré baixa, que certamente virão (a ANP prevê queda de 7,62% nessas receitas já em 2023). O fluxo de royalties do petróleo costuma descer tão rápido quanto sobe.

Suspeitas no caso da empreiteira Engefort exigem pronta investigação

O Globo

Chama a atenção o desempenho da Engefort Construtora e Empreendimentos, com sede em Imperatriz, no Maranhão. Antes da chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto, a empreiteira nunca havia sido contratada pela administração federal. Em 2021, foi a segunda maior em empenhos para obras, com R$ 396 milhões. Desse total, R$ 84 milhões já foram pagos. Diante desse crescimento suspeito numa época em que o combate à corrupção foi afrouxado, o mínimo que se pode exigir dos organismos de Estado é uma investigação séria e rápida para entender os motivos desse repentino sucesso empresarial.

A Engefort ganhou a maioria das concorrências de pavimentação do governo Bolsonaro nas licitações de que participou, sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome de um irmão dos sócios, segundo revelou a Folha de S.Paulo. A maior parte dos recursos vem da notória Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, dominada pelo Centrão e um dos principais destinos das verbas do orçamento secreto.

Cerca de 70% do montante reservado pelo governo em 2021 para pagar a Engefort quando as obras forem concluídas (ou R$ 272 milhões) tem como origem as emendas do relator. Esse dispositivo é usado para distribuir verbas do orçamento à revelia dos organismos de fiscalização e controle (elas têm sido a principal forma de o governo garantir apoio no Congresso). É necessário que as autoridades se debrucem com atenção sobre os beneficiários dessas obras e suas prováveis conexões políticas.

Outra dúvida essencial a esclarecer é o que foi tratado num encontro de janeiro passado entre executivos da Engefort, o então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira. Marinho estava de férias, não registrou a reunião na agenda oficial e diz ter ido a Brasília para uma reunião com Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil.

A aproximação de empreiteiras do Planalto e outros cantos do Executivo é o enredo de vários esquemas de corrupção desbaratados ao longo da História. O último deles, revelado pela Operação Lava-Jato, parecia ter levado o setor a adotar novas práticas. Encontros fora da agenda oficial com caciques do Centrão sugerem o oposto disso.

O orçamento secreto é um duto de recursos públicos cujo uso precisa ser esclarecido até o último centavo. Não é nada tranquilizador que parte desse dinheiro — mais de R$ 38 bilhões empenhados em 2020-2021 e R$ 16,5 bilhões orçados neste ano — tenha ido para uma empreiteira que até há pouco tempo nem negócio tinha com o governo. Bolsonaro afirmou nesta semana que as emendas do relator ajudam a “acalmar o Parlamento”. Foi quase uma confissão.

Túneis para o cofre

Folha de S. Paulo

Sob Bolsonaro e centrão, FNDE e Codevasf tornam-se focos de transações nebulosas

Nas palavras de Jair Bolsonaro (PL), o dinheiro das emendas de deputados e senadores ao Orçamento "ajuda a acalmar o Parlamento". Bem menos tranquilos, porém, deveriam estar os cidadãos que pagam impostos e os que se preocupam com a lisura e a racionalidade no uso de recursos públicos.

No Senado, ainda não se conseguiu o mínimo de 27 assinaturas para uma CPI destinada a investigar escândalos no Ministério da Educação. O comando do Congresso, como se vê, está no controle também do escoadouro de emendas.

Empreendedores da política parecem encontrar novos túneis para o assalto aos cofres depois que leis criaram dificuldades para a corrupção de outrora, como na Petrobras —um efeito da falecida Lava Jato.

Os casos mais evidentes de agora se dão no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

O FNDE é o órgão de execução financeira dos programas do MEC; no ano passado, autorizou desembolsos de R$ 55,3 bilhões. A Codevasf, com R$ 2,1 bilhões autorizados neste ano, executa obras hídricas e de infraestrutura para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em 15 estados.

O FNDE está sob controle do PP, partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do PL de Valdemar Costa Neto. A Codevasf também é do PP, e o MDR, do PL. Servem como instrumentos de pulverização dos recursos federais em pequenos projetos, sem prioridade ou necessidade técnica bem definidas, por meio de emendas.

Agora e mais uma vez, as verbas são malversadas, dirigidas a acólitos e empresas familiares —e intermediadas por propina, segundo o depoimento de prefeitos.

Desde que sentiu o risco crescente de impeachment, em 2020, Bolsonaro se rendeu à necessidade de montar uma coalizão. Entregou-se ao bloco comandado por PP e PL, de histórica ficha corrida, e seus agregados, o chamado centrão.

A partir de 2014, com o enfraquecimento político da Presidência da República, o grupo ganhou mais poder sobre a fatia ainda livre do Orçamento (5% do total). Parte cada vez maior das emendas parlamentares se tornou de execução obrigatória nos últimos anos.

Há mais dinheiro e menos transparência na destinação de fundos ou critérios técnicos de aplicação. De 2015 a 2019, foram empenhados em média R$ 9,1 bilhões anuais de emendas. Em 2020 e 2021, já em Orçamentos de Bolsonaro, a média subiu a R$ 34,3 bilhões ao ano.

O aumento do poder do centrão e o desgoverno bolsonarista confluíram para criar um ambiente propício ao desmando e ao desvio. Os sinais estão evidentes, não deixando às instituições, como Procuradoria-Geral, Controladoria-Geral da União e Polícia Federal, nenhuma margem para omissão.

As cartas de Putin

Folha de S. Paulo

Apesar de reveses, russo mantém apoio doméstico e prepara nova fase da guerra

Vladimir Putin não logrou conquistar Kiev, e a Rússia sofre sanções draconianas impostas pelo Ocidente, que devem levar a economia a uma grave recessão. A um desavisado poderia surpreender que, a despeito das consequências da infame invasão da Ucrânia, o autocrata russo mantém forte apoio doméstico e a iniciativa no conflito.

Na frente militar, Putin fracassou no aparente desejo de vencer a guerra com a mera demonstração de força. O ataque com vários eixos divergentes mostrou-se um erro, dada a dispersão de esforços.
A Rússia, todavia, obteve sucesso no estabelecimento de um corredor ligando as áreas russófonas do leste, o Donbass, à Crimeia que o regime anexou em 2014.

Com isso, estão dadas as condições para outra fase da guerra, focada na região do Donbass e com reforços vindos da cercania de Kiev e de pontos da Rússia. Para liderá-los, um general conhecido pela brutalidade na guerra civil da Síria.

A nova disposição tática, que favorece manobras e apoio aéreo, e não o combate urbano até aqui, é mau sinal para a Ucrânia. Resta saber o que Putin fará se conseguir esmagar as forças adversárias: forçar o fim do conflito ou ir além.

Na frente doméstica, a situação do presidente é mais confortável. Pesquisa do instituto Levada mostra que sua popularidade saltou de 71% para o recorde de 83%.

Embora a economia sinta o impacto das sanções, o país tem resistido, principalmente, ao manter boa parte de sua exportação de energia, inclusive para a Europa que o fustiga. No primeiro mês da guerra, para cada € 1 de ajuda concedida pelo continente a Kiev, € 35 eram pagos a empresas russas, segundo a Comissão Europeia.

O rublo, até por manobras como a exigência de seu uso em transações externas, voltou ao nível pré-guerra. Há inflação, mas nada explosivo como em alguns vizinhos.

Nesta terça (12), Putin voltou a cantar uma vitória que inexiste. Sua posição será precária caso o esforço no Donbass falhe, o que prenuncia uma radicalização perigosa para todo o mundo, a começar pela sociedade russa.

A pressão das sanções, ora driblada, pode se tornar insuportável e obrigá-lo a negociar, o que só fará com algum trunfo militar. Ou vai dobrar a aposta no conflito com o Ocidente, o que ameaça ser pior.

O efeito ‘calmante’ do orçamento secreto

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro diz que distribuição de verbas serve para ‘acalmar o Congresso’, mas quem passou a dormir tranquilo enquanto o dinheiro público era loteado foi o presidente

A esta altura, o País já se acostumou com o fato de que a estabilidade política do governo de Jair Bolsonaro é dependente da distribuição farta de verbas e sinecuras a aliados oportunistas. Afinal, trata-se de um governo com DNA do baixo clero. Mas, quando o próprio presidente admite candidamente essa desfaçatez e, pior, considera que se trata de algo positivo, significa que o País atingiu um novo nível de degradação moral.

A um podcast, Bolsonaro disse que o pagamento de emendas bilionárias a parlamentares por meio do orçamento secreto, esquema de compra de apoio parlamentar revelado pelo Estadão, ajuda a “acalmar” o Congresso.

Aqui cabem algumas perguntas. Por que o Congresso precisa ser tranquilizado? Qual a razão da agitação dos parlamentares? Quem se beneficia, direta e indiretamente, dessas emendas com esse alegado efeito calmante? E o que farão os deputados e senadores se suas demandas não forem atendidas? Bolsonaro, evidentemente, não responderá a nenhuma dessas questões, mas quem acompanha as relações entre o Executivo e o Legislativo sabe o que está por trás dessa prática opaca e nada democrática.

O Orçamento talvez seja o instrumento que melhor representa os interesses de um governo e da sociedade que o elegeu. Ali estão as escolhas feitas no passado e as prioridades para o futuro. Para além do pagamento de salários ao funcionalismo e benefícios previdenciários e assistenciais, o sucesso da execução de políticas públicas passa, obrigatoriamente, pelo Orçamento. Sem recursos, o enfrentamento da pobreza, do desemprego e da inflação não passa de boas e vagas intenções. É a peça orçamentária que traduz o retorno dos impostos pagos por toda a sociedade. 

Neste ano, por exemplo, as emendas de relator, aquelas vinculadas a interesses paroquiais, somam R$ 16,5 bilhões, rubrica que supera em quase quatro vezes os valores reservados, por exemplo, para a recuperação de toda a malha de rodovias federais públicas. Há suspeitas de que alguns parlamentares cobram comissão sobre o valor enviado aos municípios, algo que remete ao que pastores com trânsito livre no Ministério da Educação teriam feito ao negociar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) com prefeitos. Para Bolsonaro, nada disso é relevante. “Não tenho nada a ver com isso”, disse aquele que, malgrado ser presidente da República, age como se fosse um barnabé que se limita a pendurar o paletó na cadeira e não se responsabiliza por nada.

As bases que sustentam o governo e o impedem de desabar, mesmo depois de uma atuação criminosa na pandemia de covid-19, são justamente essas emendas. São elas que contêm o andamento dos mais de 140 pedidos de impeachment. Responsável pela decisão final a respeito desses requerimentos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não analisa nenhum deles, mas tampouco os arquiva: enquanto esse dinheiro não for contingenciado, o caminho de Bolsonaro estará livre. A execução das emendas é o salvo-conduto do presidente e sua melhor chance de reeleição.

É a corrupção no varejo, como explicou em entrevista ao Estadão o economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva. O superfaturamento de obras gigantescas e o petrolão das gestões petistas ficaram para trás depois que as empresas adotaram práticas de governança e o País aprovou a Lei Anticorrupção. A classe política, no entanto, respondeu a esse avanço institucional se adaptando aos novos tempos. Para isso, nada melhor que se associar a um egresso do rebotalho da Câmara, com quase 30 anos de atuação irrelevante no Parlamento e fortes suspeitas de enriquecimento ilícito por meio de rachadinha. 

Sem nenhum projeto que não a proteção de si mesmo e de sua família, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, incluindo verbas e cargos. É o que resta em termos de negociação para um presidente fraco. Não são apenas os parlamentares que ficam calmos com esse esquema espúrio. Quem dorme tranquilo enquanto o dinheiro público é loteado é o próprio Bolsonaro.

‘Surpresa’ inflacionária força duro ajuste

O Estado de S. Paulo

Depois do salto dos preços, aumenta a especulação acerca de juros muito altos dificultando a recuperação dos negócios

Encarregado de vigiar e conter a inflação, o Banco Central (BC) foi surpreendido pela alta de preços em março, segundo admitiu, com notável franqueza, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Com alta de 1,62%, o indicador oficial superou todas as marcas para o mês de março desde 1994, ano de implantação do Plano Real, e acumulou variação de 11,30% em 12 meses, uma das maiores taxas do mundo. Surpresas também têm ocorrido em outros países, segundo Campos Neto. Com ou sem surpresa, resultados notáveis têm sido contabilizados nos Estados Unidos, onde os preços ao consumidor subiram 8,50% nos 12 meses terminados em março, completando a maior elevação anual desde 1981. Na maior economia do mundo e na maior da América Latina, a terapia anti-inflacionária, tudo indica, será um aperto monetário bem mais severo e doloroso do que se previa no começo do ano.

Com a guerra na Ucrânia e as sanções aplicadas à Rússia, aumentaram as incertezas sobre o comércio internacional, as cotações de alimentos e minérios, a evolução dos custos de produção e a variação dos preços ao consumidor. Os efeitos econômicos da guerra somam-se às consequências, ainda sensíveis, dos desarranjos na produção de insumos e nas cadeias de distribuição ocasionados pela pandemia de covid-19. Mas seria impróprio descrever todos os desajustes de hoje, especialmente na área dos preços, como efeitos combinados da ação do coronavírus e da truculência internacional do presidente russo, Vladimir Putin.

O surto de inflação no mundo capitalista é em parte atribuível à enorme expansão monetária facilitada, nos últimos anos, por bancos centrais do mundo rico. Merece destaque, nesse balanço, o Federal Reserve (Fed). A política do Fed, guardião do dólar, moeda oficial da maior potência econômica do mundo, afeta as condições de financiamento e o movimento de recursos nos principais mercados. O Brasil também é afetado e as decisões tomadas pela autoridade monetária americana são relevantes, também, para deliberações sobre o custo do crédito no Brasil.

Depois de anos de política frouxa, o aperto monetário apenas começa, nos Estados Unidos. O novo informe da inflação, divulgado na terça-feira, favorece a expectativa de um forte ajuste dos juros nos próximos meses. No Brasil, a hipótese de apenas mais um aumento da taxa interna, de 11,75% para 12,75%, foi abandonada por muitos analistas do mercado, talvez por todos.

Essa hipótese foi estabelecida pelo próprio BC. Um novo ajuste de um ponto porcentual ocorreria em maio, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), e isso encerraria a série de ajustes. Completado o aperto, as autoridades ficariam à espera dos efeitos. O resultado principal, do ponto de vista dos membros do Copom, seria uma taxa de inflação, no próximo ano, próxima do centro da meta oficial, fixada em 3,25%, com tolerância de 1,50 ponto para mais ou para menos.

Nem essa previsão é considerada segura por analistas do mercado. Projeções de inflação de algumas instituições financeiras apontam taxas superiores a 7%, bem acima do limite superior de tolerância, de 5%. Em 2021 esse limite, de 5,25%, foi superado com folga pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 10,06%, a principal medida oficial.

Com a piora das expectativas de inflação, multiplicam-se as previsões de juros básicos bem acima de 12,75%. Ao reconhecer um choque imprevisto, o presidente do BC abriu espaço, provavelmente de forma involuntária, para novas especulações sobre a evolução dos juros. Hipóteses de taxa básica de 13,75% ou mesmo de 14% já circulam. Juros altos podem cumprir mais de uma função. Além de frear os preços, podem atrair capital estrangeiro, como têm atraído nos últimos meses, aumentando os dólares disponíveis e favorecendo a revalorização do real. Com isso se neutralizou, pelo menos temporariamente, um fator inflacionário, o dólar sobrevalorizado. Juros maiores, no entanto, deverão atrapalhar ainda mais o consumo, a produção e a urgente criação de empregos.

Imunização urgente

O Estado de S. Paulo

Um dos efeitos mais perniciosos da pandemia foi desarticular a imunização de outras doenças, como sarampo.

Uma das sequelas mais perversas da pandemia foi ressuscitar doenças erradicadas. Com ela, o alcance vacinal no Brasil, que já vinha declinando, despencou. Agora que a pandemia caminha para o fim, os epidemiologistas estão em alerta: a combinação entre a baixa imunização e a volta das interações sociais pode ser catastrófica, especialmente para as crianças.

O fenômeno é global. Segundo a OMS, nas últimas décadas as vacinas evitaram a morte de 4 milhões a 5 milhões de crianças por ano no mundo. Mas desde 2010 a cobertura se estagnou. No Brasil, entre os anos 1980 e 2000 a cobertura cresceu expressivamente, mantendo-se elevada até 2015. Nesse ano e no seguinte a rubéola e o sarampo foram erradicados. Mas, com a queda da vacinação, em 2018 registraram-se mais de 10 mil casos de sarampo e, em 2019, mais de 20 mil, com dezenas de mortes. 

Especialistas indicam uma combinação de fatores para a queda, como a ilusão de que algumas doenças já não existem; o desconhecimento de um calendário vacinal crescentemente complexo; a desinformação e o medo infundado de reações adversas; ou falhas na infraestrutura e capacitação dos profissionais. Todos esses problemas foram agravados na pandemia.

Em 2021, de 15 vacinas que protegem contra 17 doenças graves, pelo menos 9 ficaram abaixo dos índices recomendados. Entre 2015 e 2021, a média da cobertura caiu de 95% para 60%, retrocedendo aos anos 80. Entre 2018 e 2021, a imunização contra a tuberculose caiu de 95% para 65%; contra a poliomielite, de 89% para 66%; contra caxumba, sarampo e rubéola, de 93% para 70%.

Além de a população brasileira padecer das mesmas rupturas comportamentais e estruturais que desarticularam a imunização global na pandemia, quis o destino que o País estivesse sob o comando de um demagogo incompetente e obscurantista. Na gestão de Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde teve quatro ministros, e o Programa Nacional de Imunizações, cinco coordenadores. No começo de 2020, a queda da imunização no mundo foi de 30%; em alguns Estados brasileiros chegou a 60%.

Em 2022, o risco para doenças altamente transmissíveis é alarmante. Algumas até caíram com o distanciamento social e as máscaras. Mas, com a volta da normalidade, há o risco de um surto de sarampo, do aumento de casos de difteria ou coqueluche ou do reaparecimento da pólio.

A reversão depende de esforços como a descentralização da vacinação por parte dos municípios até a capacitação dos serviços de saúde e campanhas ostensivas de conscientização. As vacinas estão disponíveis. Quando não estão na prática, há amplos meios legais para disponibilizá-las.

Compreensivelmente, as pessoas querem virar a página da pandemia. Mas suas sequelas permanecem. As crianças eram o grupo menos vulnerável à covid. No esforço coletivo para proteger os vulneráveis, elas foram castigadas em sua educação e saúde mental. A menos que a sociedade e o poder público empreendam um esforço massivo para recolocar a imunização nos trilhos, o risco é que as crianças paguem também com sua saúde física e a própria vida o preço mais alto da pandemia.

Crescem as suspeitas de “corrupção virtual”

Valor Econômico

A aliança com os partidos fisiológicos de Bolsonaro é incapaz de produzir algo diferente de corrupção grosseira

O presidente Jair Bolsonaro disse que as emendas do relator - secretas, palavra que não mencionou - servem para “acalmar” o parlamento que, no entanto, anda indócil, em especial os partidos mais ligados ao Planalto e à sua campanha de reeleição, como o PP e o PL. Como era esperado, o escândalo dos pastores vendedores de influência no Ministério da Educação revelou que há sérios problemas na liberação de recursos a cargo do FNDE, chefiado por Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Denúncias de mau uso desse dinheiro se avolumaram.

Há vastos indícios de que se montou um balcão de negócios no fundo, com frequentadores que já amargaram prisão, como o líder do PL, Valdemar Costa Neto, ou fizeram parte de processos, anulados, por formação de quadrilha, como Ciro Nogueira e Arthur Lira, presidente da Câmara. O orçamento secreto, nome que Bolsonaro atribui ao mau-caratismo da imprensa, tem facilitado o que parecem tenebrosas transações, que surgem aos borbotões.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, sobre o pedido de demissão do ministro Milton Ribeiro - na verdade, demissão -, Nogueira afirmou que as suspeitas não passavam de “corrupção virtual”. Nogueira criou um daqueles conceitos-valise, capazes de abranger o modus operandi de todo o governo Bolsonaro. Para Nogueira, nada foi pago, por exemplo, no escândalo dos traficantes de vacina em um Ministério da Saúde que não queria, e retardou o quanto pode, a compra de imunizantes.

A partir da queda de Ribeiro o conceito encarnou na realidade. Surgiram as “escolas fake”, para as quais não há verbas no orçamento do FNDE, mas que seguem em frente assim mesmo. São de fato 2 mil escolas virtuais, que nunca serão construídas. O encanto da ação está em que uma pequena verba, como R$ 200 mil, inicia a obra que jamais será terminada - como outras 3,5 mil que aguardam conclusão. Das novas obras, 52 foram alocadas no Piauí, para aliados do ministro da Casa Civil.

Também no lusco-fusco entre o real e o virtual surgiu uma licitação diferente, de R$ 4,1 milhões, para a compra de veículos para transporte da merenda escolar, dos quais R$ 3,1 milhões, ou mais de dois terços dos recursos, se destinavam a 14 prefeituras geridas pelo PP de Nogueira - 9 no Estado natal do coordenador político do governo.

O Ministério da Educação, ele próprio uma nociva repartição virtual, fez um pregão eletrõnico para compra de 3.850 ônibus escolares por R$ 732 milhões. Alertado pela imprensa (O Estado de S. Paulo), os órgãos de controle, como o TCU, consideraram o preço virtualmente exagerado, algo como 55% mais do que valiam na tal da realidade. O valor do pregão foi reduzido para R$ 510 milhões, mas o tribunal resolveu avaliar melhor a questão e suspendeu a coisa toda.

Mas, para escolas que teriam ônibus superfaturados e merenda transportada por caminhões idem, faltavam equipamentos virtuais obrigatórios. Do FNDE surgiram os kits robóticos, ao custo de R$ 31 milhões, que foram encaminhados por orientação de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira, a estabelecimentos que em geral não têm internet e sequer água encanada ou banheiro, uma prova forte de que o mundo virtual é mais real do que a realidade, pelo menos em Alagoas, Estado que recebeu 75% dos recursos destinados a esse interessante instrumento de aperfeiçoamento tecnológico da educação.

Os pontos em comum desse mundo virtual são que os recursos saem do orçamento secreto e do FNDE comandado por auxiliares do PP e do PL. Outra interseção curiosa é a da Codevasf, de onde partem favorecimentos curiosos. Hoje a construtora maranhense Engefort é a maior receptora de verbas federais para licitações de construção civil - R$ 620 milhões em contratos - nas quais concorre com outra empresa do mesmo dono. A empresa tem acesso ao ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP) e ao ministro Rogério Marinho, e diz que nada fez de errado. Ela apenas segue o modelo de concorrência elaborado pela estatal, com um estilo algo de virtual: os trechos prêt a porter de estradas, o mesmo figurino para qualquer trecho em um mesmo Estado. O preço se acerta depois.

A aliança com os partidos fisiológicos de Bolsonaro é incapaz de produzir algo diferente, que alguns, mais exaltados, chamariam de corrupção grosseira. Como a onda atual vai na direção contrária da apuração e punição, Bolsonaro pode dizer, como faz, que não tem nada a ver com isso. Se perder a eleição, a maré pode virar.

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