EDITORIAIS
É preciso evitar os erros do passado no uso
dos royalties
O Globo
A alta de preços do petróleo que
convulsiona a economia mundial traz, ao mesmo tempo, uma onda de bonança a
estados e municípios beneficiados com os royalties da exploração. Ajudados
também pelo dólar alto e pelo aumento da produção do pré-sal, governadores e
prefeitos de regiões produtoras veem o dinheiro jorrar como nunca. É uma
dádiva, num momento em que as finanças ainda tentam se recuperar do baque da
pandemia. Mas a maré boa esconde uma armadilha em ano eleitoral, com gestores
ávidos por distribuir aumentos salariais para fazer subir seus índices de
aprovação. É preciso saber gastar, evitando erros e desperdícios do passado.
Como mostrou reportagem do GLOBO, a arrecadação de União, estados e municípios com royalties e participações especiais da produção de petróleo e gás já havia aumentado 65% em 2021. Para este ano, é esperado um novo salto de quase 60%. Pela estimativa da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o total iria para R$ 118,7 bilhões, mais de R$ 40 bilhões acima dos R$ 77 bilhões previstos em janeiro, antes da guerra na Ucrânia e da consequente disparada nas cotações (em março, o barril do tipo Brent bateu em US$ 139, maior valor desde 2008).
Os bons ventos favorecem os estados do Rio
de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, que concentram a maior parte da
produção no mar. Municípios como Maricá, Niterói, Macaé e Rio (RJ), Ilhabela
(SP), Marataízes e Presidente Kennedy (ES) receberão substancial reforço no
caixa. Em Maricá, no topo do ranking, os recursos já saltaram de R$ 1,4 bilhão
em 2020 para R$ 2,45 bilhões no ano passado.
Em tese, toda essa dinheirama — que oscila
ano a ano, por isso não pode ser dada como certa pelos governantes — deveria
ser usada em investimentos de longo prazo: saúde, saneamento, educação e meio
ambiente. É o que preveem a lei e o manual das boas práticas da gestão pública.
Infelizmente não é o que acontece. A história está cheia de maus exemplos. Na
década passada, o então governador do Rio Luiz Fernando Pezão atribuiu à queda
na receita dos royalties a culpa pela grave crise em que o estado mergulhou a
partir de 2016. Balela. O governo gastou o que tinha e o que não tinha dando
aumentos ao funcionalismo e criando despesas fixas com uma arrecadação
variável. O final da história é conhecido.
O efeito inebriante dos cofres abarrotados
de royalties pode levar ao desperdício se o dinheiro for canalizado para
aumentos a servidores ou obras de maquiagem. Ficou conhecido o caso do
município fluminense de Rio das Ostras, que construiu um dispendioso calçadão
de porcelanato. A prefeitura de Campos dos Goytacazes ergueu uma Cidade das
Crianças de R$ 17 milhões com a ambição de ser a “Disney de Campos”, além de um
Sambódromo num lugar sem tradição de carnaval. No Rio Grande do Norte, o
município de Guamaré fez um muro de 1,5 quilômetro apenas para marcar os
limites da cidade. Foi apelidado Muro de Berlim.
É preciso aprender com os erros do passado.
Em época de maré alta, é fundamental aproveitar a oportunidade e aplicar os
recursos em projetos duradouros, que melhorem as condições de vida e fortaleçam
a economia dos estados e municípios, para enfrentar os tempos de maré baixa,
que certamente virão (a ANP prevê queda de 7,62% nessas receitas já em 2023). O
fluxo de royalties do petróleo costuma descer tão rápido quanto sobe.
Suspeitas no caso da empreiteira Engefort
exigem pronta investigação
O Globo
Chama a atenção o desempenho da Engefort
Construtora e Empreendimentos, com sede em Imperatriz, no Maranhão. Antes da
chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto, a empreiteira nunca havia sido
contratada pela administração federal. Em 2021, foi a segunda maior em empenhos
para obras, com R$ 396 milhões. Desse total, R$ 84 milhões já foram pagos.
Diante desse crescimento suspeito numa época em que o combate à corrupção foi
afrouxado, o mínimo que se pode exigir dos organismos de Estado é uma
investigação séria e rápida para entender os motivos desse repentino sucesso
empresarial.
A Engefort ganhou a maioria das
concorrências de pavimentação do governo Bolsonaro nas licitações de que
participou, sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em
nome de um irmão dos sócios, segundo revelou a Folha de S.Paulo. A maior parte
dos recursos vem da notória Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal vinculada ao Ministério do
Desenvolvimento Regional, dominada pelo Centrão e um dos principais destinos
das verbas do orçamento secreto.
Cerca de 70% do montante reservado pelo
governo em 2021 para pagar a Engefort quando as obras forem concluídas (ou R$
272 milhões) tem como origem as emendas do relator. Esse dispositivo é usado
para distribuir verbas do orçamento à revelia dos organismos de fiscalização e
controle (elas têm sido a principal forma de o governo garantir apoio no
Congresso). É necessário que as autoridades se debrucem com atenção sobre os
beneficiários dessas obras e suas prováveis conexões políticas.
Outra dúvida essencial a esclarecer é o que
foi tratado num encontro de janeiro passado entre executivos da Engefort, o
então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o presidente da
Codevasf, Marcelo Moreira. Marinho estava de férias, não registrou a reunião na
agenda oficial e diz ter ido a Brasília para uma reunião com Ciro Nogueira,
ministro da Casa Civil.
A aproximação de empreiteiras do Planalto e
outros cantos do Executivo é o enredo de vários esquemas de corrupção
desbaratados ao longo da História. O último deles, revelado pela Operação
Lava-Jato, parecia ter levado o setor a adotar novas práticas. Encontros fora
da agenda oficial com caciques do Centrão sugerem o oposto disso.
O orçamento secreto é um duto de recursos
públicos cujo uso precisa ser esclarecido até o último centavo. Não é nada
tranquilizador que parte desse dinheiro — mais de R$ 38 bilhões empenhados em
2020-2021 e R$ 16,5 bilhões orçados neste ano — tenha ido para uma empreiteira
que até há pouco tempo nem negócio tinha com o governo. Bolsonaro afirmou nesta
semana que as emendas do relator ajudam a “acalmar o Parlamento”. Foi quase uma
confissão.
Túneis para o cofre
Folha de S. Paulo
Sob Bolsonaro e centrão, FNDE e Codevasf
tornam-se focos de transações nebulosas
Nas palavras de Jair Bolsonaro (PL), o
dinheiro das emendas de deputados e senadores ao Orçamento "ajuda a
acalmar o Parlamento". Bem menos tranquilos, porém, deveriam
estar os cidadãos que pagam impostos e os que se preocupam com a lisura e a
racionalidade no uso de recursos públicos.
No Senado, ainda não se conseguiu o mínimo
de 27 assinaturas para uma CPI destinada a investigar escândalos no Ministério
da Educação. O comando do Congresso, como se vê, está no controle também do
escoadouro de emendas.
Empreendedores da política parecem
encontrar novos túneis para o assalto aos cofres depois que leis criaram
dificuldades para a corrupção de outrora, como na Petrobras —um efeito da
falecida Lava Jato.
Os casos mais evidentes de agora se dão no
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e na Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
O FNDE é o órgão de execução financeira dos
programas do MEC; no ano passado, autorizou desembolsos de R$ 55,3 bilhões. A
Codevasf, com R$ 2,1 bilhões autorizados neste ano, executa obras hídricas e de
infraestrutura para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em 15
estados.
O FNDE está sob controle do PP, partido do
ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e do PL de Valdemar Costa Neto. A
Codevasf também é do PP, e o MDR, do PL. Servem como instrumentos de
pulverização dos recursos federais em pequenos projetos, sem prioridade ou
necessidade técnica bem definidas, por meio de emendas.
Agora e mais uma vez, as verbas são
malversadas, dirigidas a acólitos e empresas familiares —e intermediadas por
propina, segundo o depoimento de prefeitos.
Desde que sentiu o risco crescente de impeachment,
em 2020, Bolsonaro se rendeu à necessidade de montar uma coalizão. Entregou-se
ao bloco comandado por PP e PL, de histórica ficha corrida, e seus agregados, o
chamado centrão.
A partir de 2014, com o enfraquecimento
político da Presidência da República, o grupo ganhou mais poder sobre a fatia
ainda livre do Orçamento (5% do total). Parte cada vez maior das emendas
parlamentares se tornou de execução obrigatória nos últimos anos.
Há mais dinheiro e menos transparência na
destinação de fundos ou critérios técnicos de aplicação. De 2015 a 2019, foram
empenhados em média R$ 9,1 bilhões anuais de emendas. Em 2020 e 2021, já em
Orçamentos de Bolsonaro, a média subiu a R$ 34,3 bilhões ao ano.
O aumento do poder do centrão e o
desgoverno bolsonarista confluíram para criar um ambiente propício ao desmando
e ao desvio. Os sinais estão evidentes, não deixando às instituições, como
Procuradoria-Geral, Controladoria-Geral da União e Polícia Federal, nenhuma
margem para omissão.
As cartas de Putin
Folha de S. Paulo
Apesar de reveses, russo mantém apoio
doméstico e prepara nova fase da guerra
Vladimir Putin não logrou conquistar Kiev,
e a Rússia sofre sanções draconianas impostas pelo Ocidente, que devem levar a
economia a uma grave recessão. A um desavisado poderia surpreender que, a
despeito das consequências da infame invasão da Ucrânia, o autocrata russo
mantém forte apoio doméstico e a iniciativa
no conflito.
Na frente militar, Putin fracassou no
aparente desejo de vencer a guerra com a mera demonstração de força. O ataque
com vários eixos divergentes mostrou-se um erro, dada a dispersão de esforços.
A Rússia, todavia, obteve sucesso no estabelecimento de um corredor ligando as
áreas russófonas do leste, o Donbass, à Crimeia que o regime anexou em 2014.
Com isso, estão dadas as condições para
outra fase da guerra, focada na região do Donbass e com reforços vindos da
cercania de Kiev e de pontos da Rússia. Para liderá-los, um general conhecido
pela brutalidade na guerra civil da Síria.
A nova disposição tática, que favorece
manobras e apoio aéreo, e não o combate urbano até aqui, é mau sinal para a
Ucrânia. Resta saber o que Putin fará se conseguir esmagar as forças
adversárias: forçar o fim do conflito ou ir além.
Na frente doméstica, a situação do
presidente é mais confortável. Pesquisa do instituto Levada mostra que sua
popularidade saltou de 71%
para o recorde de 83%.
Embora a economia sinta o impacto das
sanções, o país tem resistido, principalmente, ao manter boa parte de sua
exportação de energia, inclusive para a Europa que o fustiga. No primeiro mês
da guerra, para cada € 1 de ajuda concedida pelo continente a Kiev, € 35 eram
pagos a empresas russas, segundo a Comissão Europeia.
O rublo, até por manobras como a exigência
de seu uso em transações externas, voltou ao nível pré-guerra. Há inflação, mas
nada explosivo como em alguns vizinhos.
Nesta terça (12), Putin voltou a cantar uma
vitória que inexiste. Sua posição será precária caso o esforço no Donbass
falhe, o que prenuncia uma radicalização perigosa para todo o mundo, a começar
pela sociedade russa.
A pressão das sanções, ora driblada, pode se tornar insuportável e obrigá-lo a negociar, o que só fará com algum trunfo militar. Ou vai dobrar a aposta no conflito com o Ocidente, o que ameaça ser pior.
O efeito ‘calmante’ do orçamento secreto
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro diz que distribuição de verbas serve para ‘acalmar o Congresso’, mas quem passou a dormir tranquilo enquanto o dinheiro público era loteado foi o presidente
A esta altura, o País já se acostumou com o
fato de que a estabilidade política do governo de Jair Bolsonaro é dependente
da distribuição farta de verbas e sinecuras a aliados oportunistas. Afinal,
trata-se de um governo com DNA do baixo clero. Mas, quando o próprio presidente
admite candidamente essa desfaçatez e, pior, considera que se trata de algo
positivo, significa que o País atingiu um novo nível de degradação moral.
A um podcast, Bolsonaro disse que o
pagamento de emendas bilionárias a parlamentares por meio do orçamento secreto,
esquema de compra de apoio parlamentar revelado pelo Estadão, ajuda a
“acalmar” o Congresso.
Aqui cabem algumas perguntas. Por que o
Congresso precisa ser tranquilizado? Qual a razão da agitação dos
parlamentares? Quem se beneficia, direta e indiretamente, dessas emendas com
esse alegado efeito calmante? E o que farão os deputados e senadores se suas
demandas não forem atendidas? Bolsonaro, evidentemente, não responderá a
nenhuma dessas questões, mas quem acompanha as relações entre o Executivo e o
Legislativo sabe o que está por trás dessa prática opaca e nada democrática.
O Orçamento talvez seja o instrumento que
melhor representa os interesses de um governo e da sociedade que o elegeu. Ali
estão as escolhas feitas no passado e as prioridades para o futuro. Para além
do pagamento de salários ao funcionalismo e benefícios previdenciários e
assistenciais, o sucesso da execução de políticas públicas passa,
obrigatoriamente, pelo Orçamento. Sem recursos, o enfrentamento da pobreza, do
desemprego e da inflação não passa de boas e vagas intenções. É a peça
orçamentária que traduz o retorno dos impostos pagos por toda a
sociedade.
Neste ano, por exemplo, as emendas de
relator, aquelas vinculadas a interesses paroquiais, somam R$ 16,5 bilhões,
rubrica que supera em quase quatro vezes os valores reservados, por exemplo,
para a recuperação de toda a malha de rodovias federais públicas. Há suspeitas
de que alguns parlamentares cobram comissão sobre o valor enviado aos
municípios, algo que remete ao que pastores com trânsito livre no Ministério da
Educação teriam feito ao negociar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) com prefeitos. Para Bolsonaro, nada disso é relevante. “Não
tenho nada a ver com isso”, disse aquele que, malgrado ser presidente da
República, age como se fosse um barnabé que se limita a pendurar o paletó na
cadeira e não se responsabiliza por nada.
As bases que sustentam o governo e o
impedem de desabar, mesmo depois de uma atuação criminosa na pandemia de
covid-19, são justamente essas emendas. São elas que contêm o andamento dos
mais de 140 pedidos de impeachment. Responsável pela decisão final a respeito
desses requerimentos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não analisa
nenhum deles, mas tampouco os arquiva: enquanto esse dinheiro não for
contingenciado, o caminho de Bolsonaro estará livre. A execução das emendas é o
salvo-conduto do presidente e sua melhor chance de reeleição.
É a corrupção no varejo, como explicou em
entrevista ao Estadão o economista Marcos Fernandes Gonçalves da
Silva. O superfaturamento de obras gigantescas e o petrolão das gestões
petistas ficaram para trás depois que as empresas adotaram práticas de
governança e o País aprovou a Lei Anticorrupção. A classe política, no entanto,
respondeu a esse avanço institucional se adaptando aos novos tempos. Para isso,
nada melhor que se associar a um egresso do rebotalho da Câmara, com quase 30
anos de atuação irrelevante no Parlamento e fortes suspeitas de enriquecimento
ilícito por meio de rachadinha.
Sem nenhum projeto que não a proteção de si
mesmo e de sua família, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, incluindo
verbas e cargos. É o que resta em termos de negociação para um presidente fraco.
Não são apenas os parlamentares que ficam calmos com esse esquema espúrio. Quem
dorme tranquilo enquanto o dinheiro público é loteado é o próprio Bolsonaro.
‘Surpresa’ inflacionária força duro ajuste
O Estado de S. Paulo
Depois do salto dos preços, aumenta a especulação acerca de juros muito altos dificultando a recuperação dos negócios
Encarregado de vigiar e conter a inflação,
o Banco Central (BC) foi surpreendido pela alta de preços em março, segundo
admitiu, com notável franqueza, o presidente da instituição, Roberto Campos
Neto. Com alta de 1,62%, o indicador oficial superou todas as marcas para o mês
de março desde 1994, ano de implantação do Plano Real, e acumulou variação de
11,30% em 12 meses, uma das maiores taxas do mundo. Surpresas também têm
ocorrido em outros países, segundo Campos Neto. Com ou sem surpresa, resultados
notáveis têm sido contabilizados nos Estados Unidos, onde os preços ao
consumidor subiram 8,50% nos 12 meses terminados em março, completando a maior
elevação anual desde 1981. Na maior economia do mundo e na maior da América Latina,
a terapia anti-inflacionária, tudo indica, será um aperto monetário bem mais
severo e doloroso do que se previa no começo do ano.
Com a guerra na Ucrânia e as sanções
aplicadas à Rússia, aumentaram as incertezas sobre o comércio internacional, as
cotações de alimentos e minérios, a evolução dos custos de produção e a
variação dos preços ao consumidor. Os efeitos econômicos da guerra somam-se às
consequências, ainda sensíveis, dos desarranjos na produção de insumos e nas
cadeias de distribuição ocasionados pela pandemia de covid-19. Mas seria
impróprio descrever todos os desajustes de hoje, especialmente na área dos
preços, como efeitos combinados da ação do coronavírus e da truculência
internacional do presidente russo, Vladimir Putin.
O surto de inflação no mundo capitalista é
em parte atribuível à enorme expansão monetária facilitada, nos últimos anos,
por bancos centrais do mundo rico. Merece destaque, nesse balanço, o Federal
Reserve (Fed). A política do Fed, guardião do dólar, moeda oficial da maior potência
econômica do mundo, afeta as condições de financiamento e o movimento de
recursos nos principais mercados. O Brasil também é afetado e as decisões
tomadas pela autoridade monetária americana são relevantes, também, para
deliberações sobre o custo do crédito no Brasil.
Depois de anos de política frouxa, o aperto
monetário apenas começa, nos Estados Unidos. O novo informe da inflação,
divulgado na terça-feira, favorece a expectativa de um forte ajuste dos juros
nos próximos meses. No Brasil, a hipótese de apenas mais um aumento da taxa
interna, de 11,75% para 12,75%, foi abandonada por muitos analistas do mercado,
talvez por todos.
Essa hipótese foi estabelecida pelo próprio
BC. Um novo ajuste de um ponto porcentual ocorreria em maio, na próxima reunião
do Comitê de Política Monetária (Copom), e isso encerraria a série de ajustes.
Completado o aperto, as autoridades ficariam à espera dos efeitos. O resultado
principal, do ponto de vista dos membros do Copom, seria uma taxa de inflação,
no próximo ano, próxima do centro da meta oficial, fixada em 3,25%, com
tolerância de 1,50 ponto para mais ou para menos.
Nem essa previsão é considerada segura por
analistas do mercado. Projeções de inflação de algumas instituições financeiras
apontam taxas superiores a 7%, bem acima do limite superior de tolerância, de
5%. Em 2021 esse limite, de 5,25%, foi superado com folga pela variação do
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 10,06%, a principal
medida oficial.
Com a piora das expectativas de inflação,
multiplicam-se as previsões de juros básicos bem acima de 12,75%. Ao reconhecer
um choque imprevisto, o presidente do BC abriu espaço, provavelmente de forma
involuntária, para novas especulações sobre a evolução dos juros. Hipóteses de
taxa básica de 13,75% ou mesmo de 14% já circulam. Juros altos podem cumprir
mais de uma função. Além de frear os preços, podem atrair capital estrangeiro,
como têm atraído nos últimos meses, aumentando os dólares disponíveis e
favorecendo a revalorização do real. Com isso se neutralizou, pelo menos
temporariamente, um fator inflacionário, o dólar sobrevalorizado. Juros
maiores, no entanto, deverão atrapalhar ainda mais o consumo, a produção e a
urgente criação de empregos.
Imunização urgente
O Estado de S. Paulo
Um dos efeitos mais perniciosos da pandemia foi desarticular a imunização de outras doenças, como sarampo.
Uma das sequelas mais perversas da pandemia
foi ressuscitar doenças erradicadas. Com ela, o alcance vacinal no Brasil, que
já vinha declinando, despencou. Agora que a pandemia caminha para o fim, os
epidemiologistas estão em alerta: a combinação entre a baixa imunização e a
volta das interações sociais pode ser catastrófica, especialmente para as
crianças.
O fenômeno é global. Segundo a OMS, nas
últimas décadas as vacinas evitaram a morte de 4 milhões a 5 milhões de
crianças por ano no mundo. Mas desde 2010 a cobertura se estagnou. No Brasil,
entre os anos 1980 e 2000 a cobertura cresceu expressivamente, mantendo-se
elevada até 2015. Nesse ano e no seguinte a rubéola e o sarampo foram
erradicados. Mas, com a queda da vacinação, em 2018 registraram-se mais de 10
mil casos de sarampo e, em 2019, mais de 20 mil, com dezenas de mortes.
Especialistas indicam uma combinação de
fatores para a queda, como a ilusão de que algumas doenças já não existem; o
desconhecimento de um calendário vacinal crescentemente complexo; a
desinformação e o medo infundado de reações adversas; ou falhas na
infraestrutura e capacitação dos profissionais. Todos esses problemas foram
agravados na pandemia.
Em 2021, de 15 vacinas que protegem contra
17 doenças graves, pelo menos 9 ficaram abaixo dos índices recomendados. Entre
2015 e 2021, a média da cobertura caiu de 95% para 60%, retrocedendo aos anos
80. Entre 2018 e 2021, a imunização contra a tuberculose caiu de 95% para 65%;
contra a poliomielite, de 89% para 66%; contra caxumba, sarampo e rubéola, de
93% para 70%.
Além de a população brasileira padecer das
mesmas rupturas comportamentais e estruturais que desarticularam a imunização
global na pandemia, quis o destino que o País estivesse sob o comando de um
demagogo incompetente e obscurantista. Na gestão de Jair Bolsonaro, o
Ministério da Saúde teve quatro ministros, e o Programa Nacional de
Imunizações, cinco coordenadores. No começo de 2020, a queda da imunização no
mundo foi de 30%; em alguns Estados brasileiros chegou a 60%.
Em 2022, o risco para doenças altamente
transmissíveis é alarmante. Algumas até caíram com o distanciamento social e as
máscaras. Mas, com a volta da normalidade, há o risco de um surto de sarampo,
do aumento de casos de difteria ou coqueluche ou do reaparecimento da pólio.
A reversão depende de esforços como a
descentralização da vacinação por parte dos municípios até a capacitação dos
serviços de saúde e campanhas ostensivas de conscientização. As vacinas estão
disponíveis. Quando não estão na prática, há amplos meios legais para
disponibilizá-las.
Compreensivelmente, as pessoas querem virar
a página da pandemia. Mas suas sequelas permanecem. As crianças eram o grupo
menos vulnerável à covid. No esforço coletivo para proteger os vulneráveis,
elas foram castigadas em sua educação e saúde mental. A menos que a sociedade e
o poder público empreendam um esforço massivo para recolocar a imunização nos
trilhos, o risco é que as crianças paguem também com sua saúde física e a
própria vida o preço mais alto da pandemia.
Crescem as suspeitas de “corrupção virtual”
Valor Econômico
A aliança com os partidos fisiológicos de
Bolsonaro é incapaz de produzir algo diferente de corrupção grosseira
O presidente Jair Bolsonaro disse que as
emendas do relator - secretas, palavra que não mencionou - servem para
“acalmar” o parlamento que, no entanto, anda indócil, em especial os partidos
mais ligados ao Planalto e à sua campanha de reeleição, como o PP e o PL. Como
era esperado, o escândalo dos pastores vendedores de influência no Ministério
da Educação revelou que há sérios problemas na liberação de recursos a cargo do
FNDE, chefiado por Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira,
ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Denúncias de mau uso desse dinheiro se
avolumaram.
Há vastos indícios de que se montou um
balcão de negócios no fundo, com frequentadores que já amargaram prisão, como o
líder do PL, Valdemar Costa Neto, ou fizeram parte de processos, anulados, por
formação de quadrilha, como Ciro Nogueira e Arthur Lira, presidente da Câmara.
O orçamento secreto, nome que Bolsonaro atribui ao mau-caratismo da imprensa,
tem facilitado o que parecem tenebrosas transações, que surgem aos borbotões.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, sobre o
pedido de demissão do ministro Milton Ribeiro - na verdade, demissão -,
Nogueira afirmou que as suspeitas não passavam de “corrupção virtual”. Nogueira
criou um daqueles conceitos-valise, capazes de abranger o modus operandi de
todo o governo Bolsonaro. Para Nogueira, nada foi pago, por exemplo, no
escândalo dos traficantes de vacina em um Ministério da Saúde que não queria, e
retardou o quanto pode, a compra de imunizantes.
A partir da queda de Ribeiro o conceito
encarnou na realidade. Surgiram as “escolas fake”, para as quais não há verbas
no orçamento do FNDE, mas que seguem em frente assim mesmo. São de fato 2 mil
escolas virtuais, que nunca serão construídas. O encanto da ação está em que
uma pequena verba, como R$ 200 mil, inicia a obra que jamais será terminada -
como outras 3,5 mil que aguardam conclusão. Das novas obras, 52 foram alocadas
no Piauí, para aliados do ministro da Casa Civil.
Também no lusco-fusco entre o real e o
virtual surgiu uma licitação diferente, de R$ 4,1 milhões, para a compra de
veículos para transporte da merenda escolar, dos quais R$ 3,1 milhões, ou mais
de dois terços dos recursos, se destinavam a 14 prefeituras geridas pelo PP de
Nogueira - 9 no Estado natal do coordenador político do governo.
O Ministério da Educação, ele próprio uma
nociva repartição virtual, fez um pregão eletrõnico para compra de 3.850 ônibus
escolares por R$ 732 milhões. Alertado pela imprensa (O Estado de S. Paulo), os
órgãos de controle, como o TCU, consideraram o preço virtualmente exagerado,
algo como 55% mais do que valiam na tal da realidade. O valor do pregão foi
reduzido para R$ 510 milhões, mas o tribunal resolveu avaliar melhor a questão
e suspendeu a coisa toda.
Mas, para escolas que teriam ônibus
superfaturados e merenda transportada por caminhões idem, faltavam equipamentos
virtuais obrigatórios. Do FNDE surgiram os kits robóticos, ao custo de R$ 31
milhões, que foram encaminhados por orientação de aliados do presidente da
Câmara, Arthur Lira, a estabelecimentos que em geral não têm internet e sequer
água encanada ou banheiro, uma prova forte de que o mundo virtual é mais real
do que a realidade, pelo menos em Alagoas, Estado que recebeu 75% dos recursos
destinados a esse interessante instrumento de aperfeiçoamento tecnológico da
educação.
Os pontos em comum desse mundo virtual são
que os recursos saem do orçamento secreto e do FNDE comandado por auxiliares do
PP e do PL. Outra interseção curiosa é a da Codevasf, de onde partem
favorecimentos curiosos. Hoje a construtora maranhense Engefort é a maior
receptora de verbas federais para licitações de construção civil - R$ 620
milhões em contratos - nas quais concorre com outra empresa do mesmo dono. A
empresa tem acesso ao ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP) e ao
ministro Rogério Marinho, e diz que nada fez de errado. Ela apenas segue o
modelo de concorrência elaborado pela estatal, com um estilo algo de virtual:
os trechos prêt a porter de estradas, o mesmo figurino para qualquer trecho em
um mesmo Estado. O preço se acerta depois.
A aliança com os partidos fisiológicos de Bolsonaro é incapaz de produzir algo diferente, que alguns, mais exaltados, chamariam de corrupção grosseira. Como a onda atual vai na direção contrária da apuração e punição, Bolsonaro pode dizer, como faz, que não tem nada a ver com isso. Se perder a eleição, a maré pode virar.
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