Editoriais
A política de Bolsonaro é a da crise
permanente
Valor Econômico
Ao STF cabe agora agir com sensibilidade e
firmeza
O presidente da República, Jair Bolsonaro,
convicto defensor da ditadura militar, voltou a bater os tambores da guerra
contra o Supremo Tribunal Federal e as instituições em nome da “liberdade de
expressão”. Menos de 24 horas após o STF ter condenado por 10 votos a 1 o
deputado Daniel Silveira (PSL) a 8 anos e 9 meses de prisão, um decreto
presidencial contestou a interpretação do Supremo sobre os limites do mandato
parlamentar e concedeu “graça” a Silveira, que ofendeu integrantes da Corte,
defendeu a volta do AI-5 e incitou as Forças Armadas contra a instituição.
O líder do Centrão e presidente da Câmara,
Arthur Lira, recorreu ao Supremo para que fique clara que é atribuição da Casa,
e não do STF, a cassação de mandatos de parlamentares. O presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, disse que o decreto de Bolsonaro é legal e nada há a fazer a
respeito.
O choque em curso traz riscos evidentes de
degradação institucional. O presidente voltou à catilinária contra as urnas
eletrônicas e à desmoralização da Justiça, mais passos na marcha constante para
contestar os resultados das próximas eleições, caso não seja vencedor. Pior do
que isso, a banda fisiológica do Congresso parece ter se alinhado a um ataque
antidemocrático de Bolsonaro, o que não havia ocorrido nesta extensão antes.
A investida de Bolsonaro nada teve de amadora ou intempestiva. Explorou as ambiguidades do ativismo do Supremo e suas contradições para fulminar a decisão do STF, revisando-a na prática. O presidente diz estar certo da legalidade do decreto com base em julgamento da Corte sobre o indulto a ex-condenados pela Lava-Jato concedido pelo então presidente Michel Temer em dezembro de 2017 e nos argumentos do voto do ministro Alexandre de Moraes na ocasião. O tribunal aprovou o indulto por 7 a 4.
Que um valentão de botequim desqualificado
como Daniel Silveira sirva como baluarte da “liberdade de expressão” é só um
indício do tipo de parlamentar e cidadão que o presidente preza e da sociedade
que almeja. Não há dúvida de que houve quebra de decoro parlamentar e de que as
ofensas que Silveira proferiu, e os desacatos às ordens judiciais subsequentes,
ultrapassam até uma noção bastante elástica a imunidade a que tem direito. Há
divergências sobre isso entre advogados e juristas, e uma terceira posição,
daqueles que acham que Silveira foi além dos limites, mas que a dosagem da
punição foi desproporcional - o voto do ministro André Mendonça, por exemplo,
foi nessa linha.
Outro fantasma legal que rondou o
julgamento foi a da cassação de mandatos, para o qual há razoável entendimento
de que cabe ao Congresso a decisão. Nas mãos do Centrão, uma questão vital
virou jogada política - sob o manto das prerrogativas do Legislativo, apoia-se
a impunidade. A Comissão de Ética da Câmara há 9 meses tem um parecer do caso
Silveira pronto para ser votado e isso não acontece, mesmo que sua prisão tenha
sido aprovada por 364 votos a 130, a comissão não se move. Desde 2002, apenas 7
parlamentares perderam o mandato. Algo mais grave ocorre com 150 pedidos de
impeachment de Bolsonaro, ignorados por Lira.
A aproximação das eleições e o perdão a
Silveira mostram mudança no ambiente político. A bandeira defesa da “liberdade
de expressão” foi empunhada também pelos clubes militares. A inabilidade do
ministro Luís Roberto Barroso, em palestra, detonou no mesmo dia uma reação do
ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, com aval do Alto Comando militar
e de Bolsonaro.
Barroso, em inexplicável excesso de
polidez, não identificou o sujeito da frase da discórdia, a de que as Forças
Armadas estavam sendo orientadas a atacar o sistema eleitoral. O sujeito oculto
é o presidente da República e comandante chefe das Forças Armadas, que faz
propaganda contra a urna eletrônica desde que foi eleito. O ministro da Defesa
exigiu “provas” - elas existem em abundância, como no 7 de Setembro de 2021, ou
antes, ou depois - e considerou a fala “ofensa grave”. Bolsonaro submete os
militares à sua vontade, como fez ao trocar todo o Alto Comando e seu ministro,
Fernando Azevedo.
O comando militar parece agora mais alinhado às intenções do presidente do que antes, o que pode ampliar o choque institucional. Ao STF cabe agora agir com sensibilidade e firmeza. Há poucas dúvidas de que Silveira tornou-se inelegível, e se tornará de fato quando forem julgados todos os recursos, o que precisa ser feito celeremente. Um exame sereno da legislação ditará se ele escapa da prisão, como prevê o decreto de Bolsonaro.
O voto dos auxiliados
Folha de S. Paulo
Transferência de renda não garante
transferência de eleitor, descobre Bolsonaro
Principal cartada de Jair Bolsonaro (PL) na
disputa por um novo mandato, o Auxílio Brasil pagará R$ 89,1 bilhões neste ano
eleitoral. Para uma ideia das dimensões do novo programa, o antecessor Bolsa
Família desembolsava R$ 42,4 bilhões anuais, em valores corrigidos, quando a
petista Dilma Rousseff se reelegeu em 2014.
Vai se constatando, porém, que
transferência de renda não resulta de modo automático em transferência de voto.
Até aqui, Bolsonaro não conquistou popularidade entre os que declaram viver em
domicílios atendidos pelo programa —ou 23% dos brasileiros acima de 16
anos, segundo o
Datafolha.
Pelo contrário, em março o presidente
obteve nessa clientela avaliações piores e mais rejeição do que no conjunto do
eleitorado nacional. Entre os beneficiários do auxílio, são apenas 19% os que
consideram o governo ótimo ou bom (ante 25% na população) e aqueles que se
dizem inclinados a reeleger o mandatário (ante 26%).
A esta altura, não há mais do que hipóteses
na tentativa de explicar o fenômeno. Algumas, não excludentes entre si, parecem
razoáveis.
Uma delas é a comparação não mais com o Bolsa Família, mas com o auxílio emergencial instituído no início da pandemia, que chegou aos R$ 600 mensais e de fato melhorou a avaliação de Bolsonaro.
O Auxílio Brasil teve valor básico fixado
em R$ 400, quantia tida como insuficiente por 68% dos atendidos —percepção
provavelmente acentuada pela alta inflacionária.
Soa plausível ainda que o novo programa
seja visto por muitos de seus beneficiários como mera continuação do Bolsa
Família, associado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —que tem até
59% das intenções de voto nesse estrato do eleitorado, ante 43% no total.
É natural, pois, que a campanha de
Bolsonaro planeje concentrar esforços em associar a política social ao
governo, como noticiou
a Folha. A tarefa seria mais fácil, decerto, se o presidente e
candidato tivesse, em sua longa carreira política, demonstrado algum mínimo
interesse no assunto.
Nos tempos de deputado, tratou a
transferência de renda como a mera criação de um curral eleitoral, relação que
agora se mostra menos simplista. No governo, andou a reboque do Congresso na
implantação do auxílio emergencial.
Se não estivesse cronicamente limitado à
pauta ideológica que só mobiliza seus apoiadores mais inflamados, poderia
apresentar ao eleitorado diretrizes para um programa abrangente, duradouro e
compatível com o equilíbrio orçamentário. Trata-se de debate que deveria ser
travado sem demagogia por todos os presidenciáveis.
Chame o diretor
Folha de S. Paulo
De modo incipiente, avançam iniciativas
para profissionalizar gestão de escolas
As mazelas que assolam a educação pública
brasileira não se limitam à sala de aula e as dificuldades enfrentadas por
alunos e professores. Há deficiências graves de gestão, que se estendem das
cúpulas de governos aos cargos de direção nas redes municipais e estaduais.
Em 2014, segundo o IBGE, nada menos que
74,5% dos municípios adotavam apenas critérios políticos para o preenchimento
de diretorias. Cinco anos depois, o índice até melhorou, mas se manteve em
altíssimos 69,5% das cidades.
Não é difícil entender a persistência do
fenômeno nem os prejuízos que ele pode acarretar. O apadrinhamento de diretores
escolares abre espaço para as práticas deploráveis do clientelismo, uma vez que
tende a privilegiar, no indicado, a fidelidade política à qualificação
profissional.
Um projeto de lei, parado desde agosto de
2021 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, busca tornar
tais escolhas mais racionais e republicanas.
O diploma estabelece a adoção de critérios
técnicos de mérito, desempenho e participação da comunidade escolar no processo
de seleção dos diretores dos estabelecimentos públicos do país —acabando, ao
menos no papel, com as indicações eminentemente políticas.
Mesmo na ausência de uma lei federal,
alguns estados já vêm agindo nesse sentido. Um dos primeiros foi Sergipe, que
desde 2019 aplica parâmetros técnicos na escolha dos diretores. Por meio de um
processo seletivo, os postulantes apresentam seus currículos, bem como
propostas de gestão, que são então analisados e classificados por uma banca de
especialistas.
Em Minas Gerais, os gestores são escolhidos
em votação pela comunidade escolar. Todos os candidatos precisam ter alguma
formação em pedagogia e serem aprovados no processo de Certificação Ocupacional
de Diretor, uma espécie de credenciamento dos servidores na secretaria de
ensino.
Já em São Paulo, a seleção se dá tanto por
intermédio de concurso público, que exige licenciatura em pedagogia e considera
a experiência em sala de aula, como por meio de designação, em que um servidor
da rede é temporariamente designado para a função.
Se os vários métodos de escolha revelam a
dificuldade de adotar uma fórmula ideal, não resta dúvida a respeito da
importância de padrões de competência. Nenhuma lei, porém, substitui o
monitoramento persistente de metas e resultados que deveriam estar no centro da
política educacional.
STF não deve cair na provocação
bolsonarista
O Estado de S. Paulo
Não há duelo entre Bolsonaro e STF. A Corte
tem apenas cumprido seus deveres. E a briga do presidente é mais ampla e mais
grave: é com a lei e com a democracia
Segundo o conto bolsonarista, o que se vê
hoje no País seria o duelo entre Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal
(STF), nada mais que a disputa, própria do sistema de freios e contrapesos,
entre dois Poderes da República. Esse discurso, aparentemente muito
institucional, não tem nenhum apoio nos fatos. Os últimos dias foram
especialmente significativos para desmascarar a falsa simetria entre o STF e o
Palácio do Planalto, a começar pelo comportamento do próprio Bolsonaro.
Na semana passada, cumprindo suas funções
constitucionais, o STF julgou uma ação penal proposta pela Procuradoria-Geral
da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), que, em
função do cargo, tem foro privilegiado. No julgamento da ação, não houve a
rigor nada de estranho. O órgão judicial competente analisou a causa criminal,
proferindo decisão de condenação por 10 votos contra 1. Era apenas o Judiciário
fazendo o seu trabalho.
Ação penal não é tema do Executivo, mas
Jair Bolsonaro viu, no caso, uma oportunidade para criar confusão. Sob o
pretexto de conceder indulto, o presidente da República arrogou o direito de
rever a decisão judicial, declarando que o deputado do PTB era inocente.
Segundo Bolsonaro, as ações de Daniel Silveira estariam cobertas pela imunidade
parlamentar.
O decreto presidencial não continha,
portanto, nenhum perdão. Era nada menos que um novo entendimento
jurisprudencial, proferido por órgão inteiramente incompetente. Não era o
Executivo federal exercendo uma de suas atribuições constitucionais. Era
Bolsonaro sendo Bolsonaro, convertendo todas as situações em ocasião de
enfraquecer as instituições.
Desde os dois episódios da semana passada –
condenação pelo Supremo e revisão da condenação pelo Palácio do Planalto –, os
dois padrões de comportamento vêm sendo sistematicamente repetidos. De forma
exemplar, o Supremo não caiu na provocação de Jair Bolsonaro. Fosse verdadeiro
o discurso bolsonarista, seria a ocasião perfeita para o STF responder na mesma
moeda. Mas não. O que se viu foram despachos técnicos, proferidos nos autos,
tanto pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes, como pela
relatora da ação que questiona o indulto, ministra Rosa Weber.
Alexandre de Moraes determinou que o
decreto presidencial seja juntado aos autos, lembrando o entendimento
consolidado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que indulto não
alcança a inelegibilidade relativa à condenação criminal. Em seguida, intimou a
defesa de Daniel Silveira para que se manifeste sobre o decreto e sobre o
descumprimento de medidas cautelares por parte do réu. Na outra ação, Rosa
Weber abriu prazo de 10 dias para Jair Bolsonaro se manifestar sobre o indulto.
Assim atua a Justiça: de forma técnica, nos autos.
Por sua vez, Jair Bolsonaro confirmou que
seu objetivo nunca foi indultar Daniel Silveira, e sim criar tumulto. Uma vez
que o Supremo não respondeu ao deboche de quinta-feira passada, Bolsonaro
precisou recorrer a novos assuntos para manter o clima de aparente duelo. Na segunda-feira,
chegou a dizer que talvez não cumpra a decisão do STF sobre o marco temporal
para a demarcação de terras indígenas. “Se ele (Edson Fachin, relator da ação) conseguir
vitória nisso, me restam duas coisas: entregar as chaves para o Supremo ou falar
que não vou cumprir”, disse.
É constrangedor o comportamento de Jair
Bolsonaro, em descarada procura de assuntos que o coloquem em colisão com o
Supremo. Engana-se quem pensa, no entanto, que a briga do bolsonarismo é com a
Corte constitucional. O presidente não está preocupado com eventual ida de
Daniel Silveira à cadeia, tampouco com o STF, como se o motivo da desavença
fosse a interpretação de algum ponto da Constituição.
A confusão provocada por Jair Bolsonaro é
muito mais grave. É meio para enfraquecer as instituições e, assim, avançar com
mais desenvoltura em sua caminhada rumo à impunidade da família e, quem sabe, à
permanência indeterminada no poder. Não foi assim que Hugo Chávez fez?
Musk e a concentração de poder na internet
O Estado de S. Paulo
Independentemente do valor das propostas para o Twitter, missão de regular a concentração de poder e a liberdade de expressão ainda é da sociedade e de seus representantes eleitos
A compra do Twitter por Elon Musk é uma das
maiores da história. Mas, se o impacto é grande em termos de negócios, parece
ainda maior em relação à regulação da liberdade de expressão online.
O próprio Musk se diz menos interessado no
negócio. “Eu não ligo para a economia em absoluto”, disse. “É só o meu senso
forte e intuitivo de que ter uma plataforma pública que seja maximamente
confiável e amplamente inclusiva é extremamente importante para o futuro da
civilização.”
As reações foram igualmente hiperbólicas.
Nos EUA, os conservadores, que se sentem perseguidos pelas Big Techs, estão
radiantes; os progressistas, horrorizados. Para um articulista da revista
Axios, Musk “está cada vez mais se comportando como um supervilão do cinema”. A
senadora democrata Elizabeth Warren disse, em um tuíte, que “esse negócio é
perigoso para a nossa democracia”.
Por trás destas esperanças e temores há uma
legítima inquietação com a concentração de poder das Big Techs e a liberdade de
expressão. Os governos e sociedades democráticas ao redor do mundo têm debatido
formas de regulação para lidar com essas questões. A compra do Twitter não
altera em nada a magnitude desse desafio, mas as ambições de Musk de utilizá-lo
como um laboratório para provar suas convicções maximalistas sobre a liberdade
de expressão podem trazer subsídios às instâncias reguladoras.
A ideia de Musk é que as publicações do
Twitter são mais policiadas do que eram há alguns anos. De fato, há uma década
as plataformas advogavam pela liberdade máxima dos usuários, alegando que não
eram editoras. Em 2012, um gerente do Twitter o descreveu como “a ala da
liberdade de expressão do partido da liberdade de expressão”.
O uso bombástico das redes por políticos
como Donald Trump e a pandemia mudaram essa atitude. Em 2019 o Twitter removeu
1,9 milhão de postagens e suspendeu 500 mil contas. Em dois anos essa cifras
cresceram, respectivamente, para 5,9 milhões e 1,2 milhão.
A filosofia de Musk é que, quanto mais
livre e competitivo for o mercado público de postagens, mais a verdade
prevalecerá. Mas não está claro o quanto ele está consciente das tensões entre
a viralização dos conteúdos e a sua retidão. Anos de experiências das mídias
sociais mostram que a competição por compartilhamentos e “likes” não tende
naturalmente à verdade. “Maus protagonistas e más informações têm uma vantagem
natural”, disse Tobias Rose-Stockwell, que pesquisa a influência da tecnologia
sobre as emoções morais e consensos cívicos.
Ainda assim, algumas das principais ideias
de Musk vão na direção proposta por muitos estudiosos para desintoxicar as
redes, como a repressão aos spams por robôs e a autenticação dos
usuários humanos. Ele promete ainda limitar a penalização de conteúdos
inadequados com bloqueios focalizados em suspensões temporárias e mover as
fontes de receita para mais longe da publicidade e mais perto das assinaturas.
Em um ambiente volátil como as redes
sociais, é difícil prever se essas medidas darão certo. A mais intrigante
delas, a transparência dos algoritmos de moderação, por exemplo, tem o
potencial revolucionário de abrir o negócio aos competidores e aumentar o
controle dos usuários. Por outro lado, há o risco de entregar aos
mal-intencionados as ferramentas para explorar a plataforma. Dar aos usuários
mais controle também pode aumentar a segregação.
Musk disse que “políticas para uma
plataforma de mídia são boas se os 10% mais extremos na esquerda e na direita
estão igualmente infelizes”. Isso pode ser ruim para os negócios, mas bom para
a sociedade. Mais de 75% do conteúdo político no Twitter é gerado por 6% dos
usuários, e a esmagadora maioria deles está nos extremos.
Ninguém duvida dos talentos de Musk para
empregar as melhores descobertas científicas em bons negócios. Há uma crescente
literatura científica sobre as disfunções políticas provocadas pelas mídias
sociais. Se ele for capaz de empregar o melhor dessas pesquisas no Twitter, já
será um passo relevante rumo ao “futuro da civilização”.
A arrastada venda da Eletrobras
O Estado de S. Paulo
Cabe exame minucioso dos detalhes da operação pelo TCU, já que parlamentares abriram mão dessa prerrogativa
Um pedido de vista no Tribunal de Contas da
União (TCU) adiou a privatização da Eletrobras, prevista para maio. Depois de
ventilar que qualquer postergação colocaria por terra a possibilidade de
capitalização da empresa neste ano, o governo anunciou que trabalha para
concluir a operação em agosto, dois meses antes das eleições. Mesmo com
eventuais ajustes, tudo indica que o processo será aprovado pela Corte de
contas, de forma que o que se deve discutir são os motivos pelos quais foi
solicitado mais tempo para analisar o caso.
Autor do pedido, o ministro Vital do Rêgo
alegou a existência de inconsistências nos estudos que servirão de base para a
privatização e para o cálculo do preço mínimo da ação. Ele pretendia trazer
suas considerações em até 60 dias, mas uma ala da Corte de contas liderada por
Jorge Oliveira, indicado por Jair Bolsonaro, chegou a cobrar a devolução do
processo em apenas uma semana. Incomodado, o ministro Bruno Dantas disse que
poucas vezes havia visto uma tentativa de pressionar o TCU de forma tão
avassaladora – aparentemente, ele se esqueceu do uso dessa mesma estratégia na
aprovação do edital do 5G, em agosto. Acordaram-se, por fim, 20 dias.
De fato, a pressão sobre o TCU foi pública
e notória. Numa óbvia referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que candidatos estariam procurando
o TCU para travar a venda da Eletrobras. Evidentemente, os ministros da Corte
de contas se irritaram com a insinuação. Se de fato o ambiente não estava
favorável para a aprovação do processo, Guedes contribuiu diretamente para
conturbá-lo.
Independentemente das questões políticas,
os questionamentos feitos pelo TCU sobre a privatização são válidos, e é este o
momento certo para fazê-los – não depois que a capitalização estiver concluída.
Vários pontos passaram ao largo das preocupações do Congresso durante a
tramitação da medida provisória que autorizou a venda da estatal – editada em
fevereiro e aprovada em apenas quatro meses com dezenas de jabutis, como são
chamadas as emendas estranhas ao texto original. Uma delas, já regulamentada
por decreto, foi a contratação de termoelétricas em locais onde não há
reservas, gasodutos ou linhas de transmissão para escoar a energia.
Não está mais em questão se a Eletrobras deve ou não ser privatizada: o Congresso deu o comando legal para que isso seja feito. Tampouco faz sentido manter uma estatal sem capacidade de investimento em uma área em que o setor privado atua com eficiência. Mas cabe, sim, exame minucioso dos detalhes da operação por parte do TCU, dado que os deputados e senadores abriram mão dessa prerrogativa. Espera-se que essa avaliação seja concluída com celeridade e que impeça danos à empresa e à sociedade, até porque a companhia recebeu aportes bilionários do Tesouro no passado. Neste momento, não há dúvidas de que o pior cenário possível seria o cancelamento da capitalização da Eletrobras e a manutenção de jabutis com custo bilionário aos consumidores.
Controle do Twitter por Elon Musk desperta
temores
O Globo
Embora o Twitter não seja a maior rede
social, nem mesmo um grande sucesso como negócio, adquiriu importância sem
paralelo na política contemporânea. De 15 anos para cá, foi a plataforma mais
usada para projetar movimentos populares, difundir ideias e opiniões, em
especial as extremistas. Militantes de todo tipo, dos antirracistas aos
antivacinas, lá encontraram terreno acolhedor. Foi o campo em que o
bolsonarismo floresceu e o veículo predileto de Donald Trump — até ser banido
por ter instigado a invasão do Capitólio. Não faltam motivos para a compra da
empresa por Elon Musk, o homem mais rico do mundo, despertar temores.
O principal é que sua visão libertária leve
ao relaxamento das normas sobre a desinformação na plataforma, conhecida pela
virulência. Bolsonaristas e trumpistas celebraram a chegada de Musk; seus
adversários se mostraram decepcionados. Empresário mais afeito ao mundo etéreo
da transição energética ou das viagens interplanetárias, ele terá de se voltar
agora para o chão pedregoso e enlameado da política.
Embora Musk tenha dado pistas de sua
intenção — ampliar a liberdade de expressão e as contas verificadas, afrouxar
as políticas de moderação, talvez criar um recurso de edição de tuítes —,
ninguém sabe o que fará em relação aos temas críticos: a volta de Trump e as
tentativas de usar o Twitter para atacar a democracia ou dar golpes de Estado.
É preocupante o risco de que o volume dos trinados e gorjeios por lá cresça
vários decibéis, com consequências que podem se revelar dramáticas.
Tal inquietação resulta da omissão das
autoridades americanas na regulação das redes sociais. Como afirmou o psicólogo
social Jonathan Haidt em ensaio na revista The Atlantic, “na média, as mídias
sociais amplificam a polarização política, fomentam o populismo, especialmente
de direita, e estão associadas à disseminação de desinformação”. Privilegiam a
minoria extremista em detrimento da maioria moderada. “Precisamos fortalecer as
instituições democráticas para que possam resistir, reformar as redes sociais
para que sejam menos corrosivas, preparar a próxima geração para a cidadania
democrática nesta nova era”, afirma Haidt.
Uma missão dessa envergadura não deve ficar
a cargo apenas de empresários, mesmo os mais bem-sucedidos, ou das “mentes
iluminadas” do Vale do Silício. É trabalho de políticos. Um exemplo do que
precisa ser feito é a nova legislação da União Europeia (UE) para limitar o
poder das gigantes digitais.
Entre as medidas adotadas estão a obrigação
de policiar de forma eficaz o conteúdo on-line, o veto a propagandas dirigidas
a menores e à segmentação de anúncios com base em etnia, religião ou orientação
sexual. A venda de produtos ilegais sofrerá penalidades mais pesadas. Em março,
a UE já anunciara a Lei de Mercados Digitais, com regras para aumentar a
competição e multas pesadas contra práticas monopolistas. É esperado que esse
tipo de iniciativa influencie legislações semelhantes noutros países. No
Brasil, a prioridade deveria ser a aprovação do PL das Fake News — infelizmente
deixado em segundo plano pela Câmara.
Não se trata apenas de garantir um mercado
saudável. Está em jogo a própria democracia, vítima de campanhas de
desinformação sob os olhares sonolentos e cúmplices de autoridades omissas e
empresas que se guiam mais pelos índices de engajamento e audiência que pelo
espírito democrático.
É precipitada a decisão de governos de
acabar com passaporte sanitário
O Globo
Foi açodada a decisão do prefeito do Rio,
Eduardo Paes (PSD), de acabar com a exigência do passaporte sanitário. O
anúncio foi feito na segunda-feira, após reunião do comitê científico que
assessora a prefeitura nas medidas de combate à Covid-19. O grupo recomendou a
suspensão temporária da obrigatoriedade do certificado de vacinação, até então
pedido em atrações turísticas e lugares sujeitos a aglomeração, como bares,
restaurantes, academias, salões de beleza, ou eventos como os desfiles no
Sambódromo.
Não há dúvida de que os números da doença
são favoráveis, mas o Rio não é uma ilha, recebe visitantes do país inteiro. De
acordo com a prefeitura, na terça-feira havia apenas nove pacientes internados
com Covid-19. A taxa de ocupação das UTIs está em 49%. As 34 Regiões Administrativas
do Rio mantêm classificação de risco baixo para a doença.
Os números da vacinação também são
positivos. Está com o esquema vacinal completo 87% da população carioca (ou
99,8% dos adultos). Mas a dose de reforço — essencial para o controle das novas
variantes — não foi tão bem-sucedida. Até agora, 62,4% dos adultos a tomaram.
Decreto do próprio prefeito estipulava que o passaporte só acabaria quando 70%
tivessem a dose de reforço.
Pioneira em dispensar o uso de máscaras —
depois foi seguida por praticamente todas as capitais —, a cidade do Rio não é
a primeira a pôr fim ao passaporte sanitário. No dia 20, o governador do
Paraná, Ratinho Junior (PSD), sancionou uma lei que proíbe a exigência do
certificado de vacinação no estado. Mato Grosso também aprovara em março lei
semelhante. Não há dúvida de que essas decisões influenciarão outros governos.
Em ano eleitoral, ninguém quer arcar com o ônus da impopularidade das medidas
de restrição.
A pandemia não está controlada, nem no Rio,
nem no Brasil, nem no mundo. Na China, megalópoles como Xangai e Pequim
enfrentam confinamentos severos com o aumento de casos. Nos Estados Unidos,
cidades como Filadélfia voltaram a exigir máscaras em lugares fechados devido
ao crescimento do número de infectados. Em entrevista ao GLOBO, o imunologista
Anthony Fauci, que comanda o combate à Covid-19 nos EUA, diz acreditar que a
pior fase da pandemia já tenha passado, mas lembra que situações semelhantes já
aconteceram antes, e surgiram novas variantes do vírus.
Tanto no Rio quanto no resto do Brasil, a
dose de reforço ainda patina (em torno de 50%). O risco de abolir as poucas
medidas de restrição que ainda resistem é criar na população uma falsa e
perigosa sensação de que a pandemia acabou, desestimulando a vacinação, melhor
arma contra a doença. O passaporte sanitário é uma garantia de segurança para
todos e não chega a ser estorvo na vida de ninguém. Não há por que eliminá-lo
num momento em que o país ainda registra cerca de cem mortes diárias.
Interesses políticos não podem se sobrepor aos aspectos sanitários. Como
afirmou Fauci: “Já fomos enganados antes”.
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