Valor Econômico
Dados de curto prazo melhoraram, mas risco
persiste
O Banco Central deu uma boa suavizada,
recentemente, nas suas preocupações sobre os riscos fiscais, o que permitiu
conter o grau de aperto monetário nessa reta final do ciclo de alta de juros.
Ainda assim, as contas públicas seguem como uma das principais incertezas que
podem atrapalhar o trabalho de recolocar a inflação na meta.
Num evento da Câmara Espanhola, o diretor
de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, disse que o teto
de gastos “virou a Geni” e que só deverá haver uma direção clara sobre o
arcabouço fiscal de longo prazo depois das eleições. “A solução é política, que
é muito difícil de ter agora”, afirmou. “Acho que a gente vai ter clareza no
pós-novembro.”
As preocupações fiscais, junto com a incerteza sobre o aperto monetário em curso no Estados Unidos, são uma das razões que levam uma boa parte do mercado a esperar que a taxa de câmbio termine esse ano em um nível mais alto do que essa faixa ao redor de R$ 5,00 das últimas semanas.
É uma situação um tanto paradoxal. Os dados
fiscais correntes estão melhores do que o esperado, como, aliás, reconhecido
pelo próprio diretor do Banco. Central. Mas, no mercado financeiro, há dúvida
sobre a sustentabilidade desse resultado. A inflação corroeu as despesas reais
e ajudou a turbinar a arrecadação, junto com a alta das commodities. Mas esse
ajuste não deve perdurar. As pressões para a recomposição de salários do
funcionalismo e de outros gastos correntes vão aumentar. O governo está fazendo
muitas desonerações e, desconfia-se, abrindo mão de receitas não permanentes.
Em fins de abril, pelo dado mais recente da
distribuição das expectativas de mercado do boletim Focus, havia cerca de 30%
dos analistas econômicos que achavam que a taxa de câmbio irá encerrar esse ano
na faixa entre R$ 5,15 e R$ 5,52. Os mais pessimistas viam um câmbio cerca de
10% mais depreciado do que os R$ 4,95 usados nas mais recentes projeções de
inflação do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, em maio.
Se uma taxa de câmbio tão desvalorizada se
concretizar, significará um incremento de 1,1 ponto percentual na projeção de
inflação do Banco Central. Ou seja, em vez dos 3,4% de inflação esperados para
2023, teríamos algo como 4,5% de inflação. Seria uma distância muita grande em
relação à meta de inflação de 2023, de 3,25%, que é hoje o principal alvo da
política monetária.
Naturalmente, o Banco Central não precisa
utilizar o cenário mais negativo previsto pelo mercado. Mas, até o começo do
ano, o comitê levava em conta a probabilidade desse cenário mais adverso nas
suas projeções de inflação e, portanto, na calibragem de política monetária.
Em fins do ano passado, quando os avanços
do governo e do Congresso para a acomodar despesas eleitoreiras enfraqueceram o
teto de gastos, o Copom colocou o risco fiscal no seu alerta máximo. Foi uma
das justificativas para, então, acelerar o passo no aperto monetário, chegando
a um ritmo de alta de 1,5 ponto percentual por reunião.
A partir de março, o Copom reformulou a sua
visão sobre a política fiscal. Seu argumento é que uma boa parte do risco
fiscal já se materializou. O dólar subiu, assim como as projeções de inflação
de longo prazo. É como se os piores temores tivessem se concretizado e,
portanto, a chance de acontecer alguma coisa ruim diminuiu.
Serra, na Câmara Espanhola, argumentou que
a cotação do dólar está acima do que determinam os fundamentos. Ou seja, o
câmbio deveria estar mais baixo, considerando que o déficit em conta corrente
está basicamente equilibrado, que os altos juros vigentes no país atraem fluxos
de capitais estrangeiros e que os preços das commodities exportadas estão em
níveis bem favoráveis.
“O câmbio está bastante depreciado,
historicamente, por causa da incerteza fiscal”, resumiu Serra, colocando em
linguagem mais direta o que o próprio Copom vem afirmando nas suas atas. “Acho
que isso pesa sobre as projeções [de inflação], sobre as expectativas de
inflação de prazo mais longo.”
Na mais recente reunião do Copom, no começo
do mês, o colegiado deu uma reequilibrada no balanço de riscos, atribuindo
igual peso para os fatores altistas e baixistas para a inflação. O risco fiscal
segue lá. Mas agora está contrabalançado pela possibilidade de a economia
embicar muito para baixo, depois de uma alta nos juros básicos acumulada de
mais de 10 pontos percentuais em cerca de um ano.
Uma boa parte dos analistas econômicos está
meio confusa sobre o que levou o Banco Central a pesar mais o risco da
atividade econômica. Os últimos dados mostraram que a economia está mais forte
do que o esperado, e os economistas privados passaram a elevar as suas
projeções para a variação do Produto Interno Bruto (PIB).
Os riscos à atividade ligados às altas dos
juros básicos da economia sempre estiveram presentes e, em tese, o Banco
Central deveria estar os monitorando ao longo do ciclo de aperto. Se alguma
coisa mudou recentemente, é o fato de que, quando a Selic majorada começar a
fazer efeito na atividade, no segundo semestre, a economia estará operando num
nível mais alto do que o previsto.
A realidade é que o risco fiscal não acaba
porque supostamente já foi incorporado na cotação do dólar ou nas projeções de
inflação, muito menos porque surgiu um risco novo do lado da atividade
econômica. Ele segue aí. Durante as eleições, as contas públicas são o que os
economistas chamam de risco contínuo. Pode seguir piorando ao longo do tempo,
sem limites visíveis, até sabe-se lá onde.
Como sinaliza que está próximo ao fim do
ciclo de aperto, fazendo o ajuste fino da taxa Selic, aparentemente o Copom
considera que o nível de juros é suficiente para fazer frente a essas
incertezas. Essa é a prática do BC no Brasil: sobe a taxa e, durante a
campanha, para de subir, para evitar que a política monetária vire um assunto
de palanque. A independência aprovada em lei não faz a autoridade monetária se
afastar desse padrão.
Depois das eleições, o Banco Central terá
um novo encontro com o risco fiscal.
Lendo e aprendendo.
ResponderExcluir