segunda-feira, 23 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Receita perigosa

Folha de S. Paulo

Mesmo com ganhos de arrecadação, governo põe em risco qualidade do Orçamento

A situação das contas públicas continua a surpreender positivamente neste ano, graças ao impacto da inflação e da atividade econômica nas receitas. O fenômeno, entretanto, é conjuntural e não pode obscurecer os riscos de longo prazo, que são crescentes.

No relatório bimestral de avaliação do Orçamento, documento que atualiza as projeções para o ano, o governo federal calcula que terá déficit menor em 2022 —a estimativa do saldo negativo, sem incluir despesas com juros, passou de R$ 66,9 bilhões para R$ 65,5 bilhões.

Os novos parâmetros incluem R$ 49,1 bilhões a mais de arrecadação ante a avaliação anterior, chegando a um total de R$ 1,72 trilhão, já deduzidas as transferências a estados e municípios. Em relação à lei orçamentária aprovada no ano passado, a alta na coleta de impostos já atinge R$ 136,6 bilhões.

Os gastos também foram revistos, com acréscimo de R$ 34,9 bilhões, e deverão atingir R$ 1,63 trilhão. Na conta estão mais desembolsos com precatórios e subsídios agrícolas, além do encontro de contas com a Prefeitura de São Paulo relativo à concessão do aeroporto Campo de Marte.

Mesmo nesse contexto mais favorável, a regra do teto de gastos impõe um contingenciamento adicional nas despesas de R$ 8,2 bilhões, que, somado à contenção de R$ 1,7 bilhão do primeiro bimestre, resulta em R$ 9,9 bilhões no ano.

Tal cifra ainda não considera o possível reajuste salarial para o funcionalismo. Com um índice linear de 5%, a conta ficaria em R$ 8,5 bilhões, elevando o bloqueio deste 2022 para R$ 16,2 bilhões.

A benesse ainda é matéria de controvérsia na Esplanada brasiliense, e o conflito com os servidores vem se agravando desde que Jair Bolsonaro (PL) decidiu agradar à sua base de apoio na área de segurança. O risco de paralisação ampla da máquina permanece, com várias carreiras de elite em protesto.

O corte de gastos tende a atingir os já depauperados investimentos em infraestrutura, comprometendo a qualidade do Orçamento.

Tudo considerado, não se descarta que o Tesouro Nacional chegue ao fim do ano com um resultado melhor que o esperado, repetindo a surpresa do exercício passado.

Até o momento, a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto continua a cair —de 89,3% no final de 2020 para 78,5% do PIB em março deste ano.

Mesmo assim, a situação é frágil. Com juros maiores, provável esgotamento do impacto da inflação nas receitas e pressões cada vez mais fortes por reajustes salariais, o controle da dívida exigirá reformas e disciplina do próximo governo. Por ora, no entanto, as indicações dos principais candidatos ao Planalto vão na direção oposta.

Bafômetro ou multa

Folha de S. Paulo

Supremo acerta ao referendar sanção a motoristas que se recusam a fazer o teste

Motoristas que se recusam a fazer o teste de bafômetro —e outros exames para verificar a presença de substâncias psicoativas como o álcool— podem sofrer multa e até retenção e apreensão por um ano da carteira de habilitação. A regra foi corretamente referendada na quinta (19) em decisão unânime do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, tanto dirigir sob influência de álcool como recusar-se a submeter ao bafômetro constituem infração gravíssima, e a multa pode chegar a quase R$ 3.000.

No caso em julgamento, a corte inferior, o Tribunal de Justiça do Rio de Grande do Sul, havia entendido que impor a multa a um motorista que rejeitara o teste seria arbitrário, uma vez que a negativa não implica estado de embriaguez.

O Supremo acerta ao discordar do TJ. A sanção em dinheiro é a medida proporcional para, de um lado, respeitar o ditame constitucional segundo o qual ninguém pode ser forçado a produzir provas contra si mesmo, e de outro, impor um desincentivo a condutores que desrespeitam as normas.

Não se trata de um problema menor no Brasil. Em 2020, aqui se registraram 32,7 mil mortes por acidentes de trânsito, conforme levantamento da BBC a partir do DataSUS, base que reúne dados do Sistema Único de Saúde.

Há sinais eloquentes de que a Lei Seca, aprovada em 2008 para impor tolerância zero ao consumo de álcool por motoristas, contribuiu para a redução do morticínio nas pistas. Entre 2011 e 2020, o número de casos fatais teve queda de 30%, embora permaneça muito elevado. As principais vítimas são motociclistas jovens do sexo masculino.

No estado de São Paulo, a quantidade de flagrantes com o bafômetro cresceu no ano passado com o relaxamento das restrições impostas para o enfrentamento da pandemia. Na capital, o aumento foi de 52% em relação a 2020, segundo as informações do Detran.

Não se deve alimentar a ilusão de que apenas sanções conseguirão dar conta de um fenômeno multifatorial como as mortes no trânsito. Educação, fiscalização eletrônica de velocidade, uso de cinto de segurança e faixas para motociclistas em avenidas movimentadas, entre outras providências, mostram-se também eficientes.

São rigores que podem provocar incômodos e questionamentos, mas que se justificam em nome do que não deixa de ser uma questão de saúde pública.

A política como calcanhar de aquiles

O Estado de S. Paulo

Governo disfuncional, Congresso fragmentado, orçamento engessado e polarização populista dificultam controle da dívida e da inflação para aproveitar novo ciclo das commodities

Para o bem ou para o mal, num futuro próximo o destino da América Latina está atrelado à exportação de commodities. Historicamente, os ciclos de demanda global por bens primários foram chave para o crescimento da região. Mas a alta dependência das commodities também a deixa mais vulnerável às oscilações de preços.

O superciclo iniciado em 2004 trouxe uma era de abundância, marcada pelo declínio da pobreza e melhoras nos indicadores de saúde. No Brasil, durante a gestão petista, foram distribuídos subsídios e créditos que aumentaram o consumo da classe média. Mas perdeu-se a oportunidade de promover reformas modernizantes do Estado e investir em instrumentos elementares para o crescimento sustentável, como educação, infraestrutura e diversificação econômica.

O fim do ciclo, em 2014, combinado ao descalabro fiscal da gestão Dilma Rousseff, forçou a concertação de alguns ajustes, como reformas e consolidações fiscais. Quando os frutos mal começavam a ser colhidos, veio o impacto da guerra comercial entre China e EUA, seguida pela pandemia.

Agora, a guerra na Ucrânia impulsionou uma alta nos preços das commodities que já começara em 2021. Será essa uma nova oportunidade de crescimento? A questão foi abordada em um estudo da Economist Intelligence Unit (EIU).

As projeções indicam que a alta deve perdurar, ainda que não com a mesma intensidade, por mais alguns anos. Mas as condições são bem diferentes do último ciclo. Antes de tudo, a economia global está mais fragilizada. No início dos anos 2000, a política monetária das grandes economias estava mais flexível. Hoje, a inflação generalizada, especialmente alta nos EUA, aponta para um período de restrições. A economia da China, o grande motor do último boom, patina em meio às pressões da política de “covid zero”.

Para avaliar os países latino-americanos mais bem preparados para enfrentar esses desafios, a EIU modelou uma avaliação baseada em sete critérios: inflação, dívida pública, pagamentos de juros pelo setor público na proporção da receita, contas correntes, dependência das commodities e riscos políticos e regulatórios.

O posicionamento do Brasil é medíocre, na 13.ª colocação. Numa escala de gravidade de 1 a 5, a melhor nota, 2, é na conta corrente do balanço de pagamentos.

A alta nas commodities trará uma lufada de lucros e algum alívio fiscal, com uma janela de oportunidades para mais investimentos, empregos e consumo. Mas essas oportunidades são contrapesadas pelas pressões inflacionárias particularmente altas, que exigem políticas monetárias agressivas.

Como disse ao Valor a diretora da EIU para a região, Fiona Mackie, o nível elevado da dívida pública impõe ao governo duas opções. Uma seria manter as metas fiscais, mas isso arriscaria uma queda no crescimento econômico, aumentando a agitação pública em ano eleitoral. Por outro lado, ele pode avançar com medidas de apoio fiscal à renda dos consumidores corroída pela inflação. Mas isso abalaria ainda mais a credibilidade fiscal junto ao mercado.

O dilema expõe aquele que, segundo Mackie, é o calcanhar de aquiles do Brasil: a política.

Se a economia nacional se encontra nessa situação, é porque o governo, antes de promover as reformas que teriam reduzido o “custo Brasil” e garantido as condições para um crescimento sustentável, se entregou de braços abertos aos tráficos fisiológicos da “velha política”. Um Congresso fragmentado, um orçamento engessado e loteado e um ambiente político polarizado deixam ao País parcos recursos para controlar a inflação e a dívida.

As eleições são uma chance de injetar sangue novo nas políticas econômicas. Contudo, as frustrações com a desigualdade ou a corrupção, exacerbadas pela pandemia, abastecem, paradoxalmente, as mesmas aventuras populistas que tanto agravaram essas mazelas e perturbam o ambiente de negócios. A menos que as intenções de voto apontadas nas pesquisas sejam revertidas, a probabilidade é que, ao contrário do que aconteceu no último ciclo das commodities, este novo ciclo seja desperdiçado antes mesmo de trazer qualquer proveito.

Um imenso desafio para o jornalismo

O Estado de S. Paulo

Pela qualidade do debate democrático, talvez seja necessário adaptar os manuais à realidade segundo a qual nem tudo o que o atual presidente produz é digno de ser noticiado

O triunfo do presidente Jair Bolsonaro depende fundamentalmente da degradação do valor das instituições democráticas no imaginário coletivo. O jornalismo profissional e independente, base para a existência de uma sociedade livre e participativa, é uma dessas instituições-alvo.

Os cidadãos não defenderão as instituições ante o ímpeto liberticida de Bolsonaro se não acreditarem que um Congresso independente em relação ao governo é condição indispensável para uma democracia vibrante ou que é importante respeitar as decisões da Suprema Corte, ainda que delas se possa discordar, porque isso significa enxergar na Justiça, e não na força bruta, o meio apto para a resolução civilizada de conflitos. O mesmo vale para o jornalismo profissional e independente, ou seja, o jornalismo que preza pela ética e pelo compromisso com a verdade factual.

Bolsonaro já atacava jornalistas desde antes de assumir a Presidência da República. Eleito, os ataques só recrudesceram, pois desqualificar o papel da imprensa como uma das vigas-mestras do Estado Democrático de Direito é essencial para um autocrata como ele.

Quanto mais porosa for a fronteira que separa verdade e mentira, tanto mais fácil será para Bolsonaro impor à sociedade uma “realidade” à prova de escrutínios racionais, pois sustentada apenas por crenças e devoção pessoal ao presidente. Essa confusão lhe favorece. “O súdito ideal”, ensinou Hannah Arendt, “não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe diferença entre o fato e a ficção, entre o verdadeiro e o falso.”

Bolsonaro concebe “governo” como exercício de mando e conservação de poder pessoal. Por isso, jamais se preocupou em elaborar algo minimamente assemelhado a um plano de governo. O que se vê há três anos e meio, ao contrário, é um presidente desaprumado, alguém que apenas reage aos humores das mídias sociais digitais, ambiente que Bolsonaro toma como pulso da realidade, a fim de manter unida a sua base de apoiadores. Aí está o resultado. Em todas as áreas fundamentais para o desenvolvimento de qualquer país – economia, educação e cultura, saúde, meio ambiente e relações internacionais – o que se vê é um cenário de terra arrasada. Em grande medida, a sociedade só tomou conhecimento desse descalabro por meio do trabalho da imprensa.

Um governo que tem muito a esconder depende da crença de seus apoiadores nas versões oficiais para se sustentar. Logo, precisa desqualificar os portadores de más notícias. Bolsonaro é um inimigo da transparência e da verdade factual. Um presidente assim impõe um extraordinário desafio para o jornalismo, pois à imprensa não é dado simplesmente ignorar o que diz o presidente da República. Em qualquer país do mundo, o chefe de governo é o principal produtor de fatos potencialmente noticiosos.

Ao mesmo tempo que, todos os dias, a imprensa é desacreditada por Bolsonaro, tem de manter a sociedade informada sobre os movimentos de um presidente que anuncia dia e hora para tentar um golpe de Estado caso seja derrotado na próxima eleição; um presidente que engaja os cidadãos em debates infrutíferos, muitas vezes pautados por não questões, como a segurança do sistema eleitoral. Qual o papel do jornalismo profissional e independente quando o País é governado por um presidente que, em nome de seus interesses particulares, impõe uma agenda que estimula ressentimentos e explora medos dos cidadãos em detrimento dos fatos?

Cabe ao jornalismo dar direção e unidade às informações que apura com rigor técnico e compromisso ético. Isso significa confrontar as “narrativas” criadas no Palácio do Planalto com a verdade factual e tentar, na medida do possível, dissipar a desconfiança dos cidadãos nas instituições, um sentimento que serve de substrato para os delírios de poder de Bolsonaro. Para que a imprensa seja bem-sucedida nessa tarefa, talvez seja necessário adaptar os manuais de jornalismo à realidade segundo a qual nem tudo o que este presidente da República produz é digno de ser noticiado.

É claro que sempre haverá indivíduos imunes a informações que contrariem suas crenças. Mas deles se ocupa a psicologia. A imprensa deve se preocupar com a qualidade do debate democrático. 

Santinho caro

O Estado de S. Paulo

Governo trata o cartão do programa de auxílio a pobres como se fosse peça de propaganda eleitoral

Políticas públicas dignas do nome, isto é, que verdadeiramente conseguem atender às necessidades da população, costumam dar trabalho e envolver muitas mãos em seu planejamento e execução. É o caso dos programas de transferência de renda, cuja arquitetura foi montada a partir da década de 1990, em todo o País. Das experiências locais em Campinas (SP) e no Distrito Federal até o Auxílio Brasil dos dias atuais, foram muitos e longos passos. Esse importante mecanismo de repasse de dinheiro à população em situação de maior vulnerabilidade ganhou abrangência nacional no governo Fernando Henrique Cardoso. O governo Lula da Silva, por sua vez, unificou programas e criou o Bolsa Família, ampliando e aperfeiçoando toda a experiência anterior. 

No ano passado, na esteira do auxílio emergencial bancado pelo governo durante a pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória que instituiu o Auxílio Brasil. O novo nome, por óbvio, atendeu a interesses políticos e eleitorais do presidente, que encerrou assim quase duas décadas de vigência do Bolsa Família, marca do governo Lula.

Resgatar essa história se faz oportuno no momento em que o governo Bolsonaro, com motivação indubitavelmente eleitoreira, pretende substituir milhões de cartões magnéticos distribuídos na época do Bolsa Família e que seguem em uso para pagamento do Auxílio Brasil. Uma vez que os cartões continuam funcionando normalmente, não se trata de corrigir defeito, mas, sim de tirar das mãos dos beneficiários os cartões que supostamente remetem à gestão do principal adversário de Bolsonaro nas eleições de outubro.

Infelizmente, a iniciativa revela total incompreensão do que venha a ser uma política pública, pois trata o cartão magnético do principal programa de transferência de renda do Estado brasileiro como peça de propaganda ou santinho eleitoral. A substituição do cartão é absolutamente desnecessária – não é isso que fará o Auxílio Brasil funcionar melhor, tampouco reduzirá a fila de 1,3 milhão de famílias que ainda não receberam o benefício.

Para piorar, a substituição pode custar até R$ 324 milhões, caso se renovem os cartões dos 18 milhões de beneficiários, conforme informou o Estadão. De acordo com a reportagem, essa quantia seria suficiente para bancar benefícios do Auxílio Brasil para 65,9 mil famílias, durante um ano, considerando o valor médio dos repasses. 

Diante de tamanho desatino, 13 parlamentares da oposição acionaram o Tribunal de Contas da União (TCU). Em sua argumentação, afirmaram o óbvio: que se trata de ação eleitoreira e que não faz sentido despender recursos públicos para trocar cartões que estejam funcionando. Do TCU, espera-se que cumpra seu papel de zelar pela boa aplicação do dinheiro dos contribuintes. Seja sob o nome que for, a população em situação de vulnerabilidade social no Brasil deve continuar contando com um programa de transferência de renda efetivo e construído por muitas mãos, ao longo de décadas. 

Guerra na Ucrânia traz oportunidade agrícola ao Brasil

O Globo

A guerra na Ucrânia afetou não apenas o mercado de óleo e gás, mas também commodities como trigo e milho, usados em rações animais. O conflito tem impedido a Ucrânia — como a Rússia, um dos maiores exportadores mundiais de trigo — de semear suas plantações, encarecendo carnes e produtos alimentícios. Ao mesmo tempo, abriu uma oportunidade à agricultura brasileira.

Passou o tempo em que era considerado impossível cultivar trigo em solo brasileiro. De agosto a março, o Brasil exportou mais de 2,8 milhões de toneladas. Como reflexo da guerra, o agricultor já aumentou a área plantada. A Embrapa tem investido na melhoria do cereal, cuja safra deste ano poderá alcançar o recorde de 10 milhões de toneladas (ante consumo de 11 milhões). Apesar do avanço, o produto nacional é pobre em glúten na comparação com o argentino, por isso não seria capaz de suprir todo o mercado interno. Isso não impede que seja exportado para uso em rações, substituindo o ucraniano.

O caso do trigo ilustra como a guerra, ao colocar na agenda mundial a segurança alimentar do planeta, reforçou o protagonismo do Brasil como potência exportadora — estima-se que a produção brasileira alimente 800 milhões, quase o quádruplo da população do país. No biênio 2021-22, o Brasil deverá colher uma safra de 270,2 milhões de toneladas de grãos, alta de 5,7%, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O crescimento se deve não apenas ao trigo, mas sobretudo ao aumento na área plantada de soja.

Como fornecedor de alimentos, o Brasil tem uma enorme vantagem: está em região pacificada. Para aproveitar a oportunidade, contudo, enfrenta um desafio nada trivial. Precisa conservar o meio ambiente e interromper a devastação da Amazônia. A equação que governantes e empresários precisam resolver com eficiência e transparência é: como ser um dos maiores produtores de carnes e grãos preservando ao mesmo tempo os diversos biomas. Isso é importante, antes de qualquer motivo, para manter o regime de chuvas que garante a produtividade espetacular do agronegócio brasileiro e depende dos “rios voadores” que vão da Amazônia às regiões produtoras.

Há conhecimento científico para isso, infelizmente desprezado pelo governo Bolsonaro. O país também já demonstrou ser capaz de conter a devastação no passado. Ao não reprimir a ação de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais na Amazônia, o governo torna o país vulnerável a boicotes. Em abril, o presidente americano, Joe Biden, baixou um decreto para que os importadores reduzam a compra de alimentos produzidos em áreas desmatadas ilegalmente. O mesmo ocorre na Europa. O consumidor com maior renda já escolhe o que compra com base em noções de sustentabilidade.

Pecuaristas conscientes já desenvolvem projetos capazes de atenuar as emissões de metano do gado, criando em áreas de reflorestamento ou usando o gás como fonte de energia. Soluções existem. Falta uma política ambiental digna do nome — e um governo capaz de pô-la em prática. A antipolítica ambiental do governo Bolsonaro é feita sob medida para países protecionistas que querem barrar exportações brasileiras. É como se o Planalto fizesse o jogo do concorrente. O êxito do Brasil em aproveitar a oportunidade aberta pela guerra e em ampliar as exportações de alimentos depende de resolver o desafio ambiental.

Prioridade a escolas cívico-militares reforça viés ideológico na educação

O Globo

É conhecida a precariedade das escolas públicas do país, que sofrem com infraestrutura deficiente, escassez de professores e funcionários, falta de equipamentos, de conexão com a internet, entre outras carências. Mas as cívico-militares, uma das obsessões do presidente Jair Bolsonaro, passam ao largo da penúria. Como revelou reportagem do GLOBO, neste ano o orçamento delas mais que triplicou em relação a 2020 — de R$ 18 milhões para R$ 64 milhões.

Fica evidente que o Planalto privilegia as escolas cívico-militares, que representam apenas 0,15% da rede pública, em detrimento das demais. A distorção é tamanha que o programa, tratado como vitrine do governo Bolsonaro, terá neste ano o dobro de recursos destinados ao desenvolvimento do Novo Ensino Médio — importantíssimo para catapultar os índices educacionais do país — e dez vezes o previsto para a compra de ônibus escolares.

O problema não é a escola cívico-militar em si. É a diferença de tratamento e o uso ideológico pelo governo. Em maio do ano passado, o diretor de um estabelecimento cívico-militar na Zona Norte do Rio afirmou: “Nós queremos e podemos, nós somos nós, e o resto é o resto. Brasil acima de tudo. Abaixo de Deus. Esse é o nosso lema aqui na escola”. O Sindicato dos Professores do Estado do Rio classificou o discurso como doutrinação, pela referência ao slogan de campanha de Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”).

Parceria dos ministérios da Educação e da Defesa, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) contava com 216 estabelecimentos até o fim do ano passado. Estava presente em praticamente todos os estados. Ao explicar seus objetivos em novembro de 2021, Bolsonaro declarou: “O que nós queremos com as escolas cívico-militares é mostrar para todos os pais que, onde há hierarquia, disciplina, respeito, amor à Pátria e dedicação, a garotada tem como aprender e ser alguém lá na frente”.

O contraste entre a incensada rede cívico-militar e a convencional é gritante. Não custa lembrar que há cerca de 3.500 obras de construção e reforma de escolas e creches paralisadas por falta de recursos no Ministério da Educação. No mundo real que cerca a bolha do Planalto, crianças não têm sequer água encanada em seus colégios. Acesso à internet, que nos dias de hoje deveria ser serviço indispensável, ainda é artigo de luxo, deixando estudantes reféns do passado.

Lamentavelmente, o governo não se mostra nem um pouco preocupado em melhorar os pavorosos índices educacionais brasileiros, muito menos em recuperar os estragos provocados por quase dois anos de escolas fechadas, período em que o MEC abriu mão de seu papel para se tornar mero espectador. Sacudido por graves denúncias de que pastores sem cargo na pasta cobravam propina para destinar verbas públicas aos municípios, o ministério é um caos. Mas o presidente parece empenhado tão somente em impor a ideologia bolsonarista na educação e em turbinar programas que, a seu ver, o ajudarão no projeto de reeleição.

Privatizada como ‘corporation’, Eletrobras evitará concentração

Valor Econômico

Choques nos preços “maiores ou mais persistentes”obrigariam o BC a elevar os juros acima de 12,75%

O governo dispõe, agora, de todas as condições legais e normativas necessárias para privatizar a Eletrobras, holding que detém o controle acionário das estatais federais de energia. Após quase cinco anos de avanços e retrocessos, estes provocados principalmente por opositores à modernização do Estado brasileiros, o processo de desestatização da empresa foi legitimado por lei aprovada pelo Congresso Nacional e autorizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O governo pretende protocolar, nesta semana, operação de aumento de capital da empresa na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado acionário americano. Paralelamente a isso, o grupo de bancos - liderado pelo BTG - contratado para conduzir a operação promoverá “road show”, com a finalidade de divulgar as condições de venda da empresa e, assim, atrair investidores nacionais e estrangeiros.

Na sequência, virá a fase de coleta das manifestações de interesse na aquisição dos papéis da companhia. A demanda determinará o preço das ações. A expectativa do governo é que a liquidação de compra dos papéis ocorra até o fim de junho.

A privatização da Eletrobras, se levada a termo pelo governo, será realizada por meio de um modelo inovador. Em vez de levar a leilão o controle acionário da empresa, procurando, assim, obter o melhor retorno fiscal para a venda da estatal, o governo optou pela venda das ações em bolsa. Desta forma, a União poderá até arrecadar menos, mas, por outro lado, evitará que um grupo específico de acionistas privados detenham o controle acionário da companhia. Para uma holding do tamanho da Eletrobras, esse modelo de desestatização se mostra mais adequado, uma vez que tem o potencial de impedir o aumento da concentração num setor crucial da economia brasileira.

O processo de privatização da empresa ocorrerá por meio de um aumento de capital. A Eletrobras emitirá novas ações por meio de uma oferta primária. Detentora do controle acionário da estatal, a União renunciará ao direito de subscrição dos novos papéis. Em outras palavras, isto significa que o atual acionista controlador não exercerá o direito de preferência que possui na operação de aumento de capital.

Ao fim do processo a ser conduzido nos mercados acionários, a participação do Tesouro Nacional no capital votante da Eletrobras será reduzida dos atuais 72% para 45% - para deter o controle, é necessário ter 50% mais uma das ações ordinárias (com direito a voto nas assembleias de acionista). O controle da empresa passará a ser detido, portanto, por investidores privados, numa modalidade conhecida, no jargão em inglês, como “corporation”. Neste tipo de sociedade, não há acionistas controladores do capital, mas, sim, acionistas de referência. Ademais, nenhum acionista pode deter mais de 10% das ações com direito a voto.

A operação de diluição do capital da companhia será realizada de forma simultânea no Brasil e nos Estados Unidos - respectivamente, nas bolsas de São Paulo (B3) e de Nova York (Nyse), onde a Eletrobras tem recibos de ações (ADRs, na sigla em inglês). A princípio, a emissão de novas ações poderá movimentar volume financeiro entre R$ 22 bilhões e R$ 26,6 bilhões. Uma boa novidade é que trabalhadores poderão usar seus saldos no FGTS para adquirir ações da nova empresa.

O governo não descarta a possibilidade de, adiante, promover oferta secundária de ações (via venda direta na bolsa), para reduzir ainda mais a participação da União no capital. De fato, não sendo mais o Tesouro o controlador da empresa, não fará sentido manter tamanho volume de ações (45%) em seu poder. De toda forma, como é esperada a valorização dos papéis, o governo deve aguardar o momento mais adequado para autorizar a venda de um novo lote de ações.

A Eletrobras controla o capital de seis grandes subsidiárias que atuam nos segmentos de geração e transmissão de energia elétrica. Além de principal acionista dessas empresas, é proprietária, em nome da União, de metade do capital da usina hidrelétrica de Itaipu Binacional. Por meio dessas empresas, detém capacidade instalada de 50,5 gigawatts (GW), o equivalente a 28% do parque de geração de energia do Brasil, e 73,6 mil quilômetros de linhas de transmissão (40% do sistema brasileiro).

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