Folha de S. Paulo
'Psicografados' por Silviano Santiago,
diários do escritor revelam fragilidade da democracia
Em 1937, depois de passar dez meses e dez
dias na prisão e quase morrer, Graciliano
Ramos foi solto: "Não sinto o meu corpo". Assim começa
"Em
Liberdade", de Silviano Santiago, publicado pela primeira vez em 1981
e que está de volta às livrarias. Uma obra inclassificável —ficção,
autobiografia, relato histórico, ensaio, pastiche—, que tem o dom (ou a
desgraça) da atualidade eterna.
O Brasil que Graciliano encontrou ao deixar
o presídio da Ilha Grande às vésperas da instauração do Estado Novo, o de
Silviano enquanto escrevia o livro ainda no período da ditadura militar e o de
agora, com Bolsonaro e seus generais conspirando para dar um golpe durante as
eleições, revelam quão frágil é a nossa realidade democrática.
"Em Liberdade" é um falso diário íntimo, que cobre dois meses da nova vida fora das grades. O leitor acompanha o romancista alagoano na casa do amigo José Lins do Rego, jantando bife à milanesa no Lamas, morando numa pensão do Catete, ganhando o sustento com frilas, seguindo uma garota na praia de Botafogo e tendo de esconder a ereção.
Silviano escreve como se psicografasse,
Chico Xavier recebendo Graciliano. Para conseguir o efeito mediúnico, antes de
iniciar o livro tirou seis meses para imitar o estilo seco, castiço e límpido
do mestre. Eis o resultado:
"Todos e cada um acreditam-se
idênticos na miséria, na dor e no sofrimento, isto é: desgraçados todos, mas
quem narra é sempre o mais desgraçado dos mortais. Por isso as pessoas são
pouco tolerantes diante da miséria alheia. (...) Já a linguagem do prazer é
original. Putaria, política e futebol –isso as pessoas escutam. Com o gozo nos
olhos e nos lábios, acrescentam: é um brasileiro da gema".
Talvez o desabafo de Graciliano (ou de
Gracilviano) explique por que Bolsonaro, segundo o Datafolha, tenha apenas 54%
de rejeição entre os eleitores —fora o grupo de fanáticos que aprova a putaria.
A esquerda esquece da ditadura varguista,eu,apesar de esquerdista,não esqueço.
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