Valor Econômico
Datafolha indica elevação de risco de
questionamento do resultado das urnas
O resultado da última pesquisa Datafolha
agitou a política brasileira. Apontando uma vitória de Lula já no primeiro
turno, com 54% dos votos válidos, ela enfureceu os apoiadores de Jair
Bolsonaro, que passaram a desacreditar o instituto e acusá-lo de manipulação
dos dados, que seriam incompatíveis com o “DataRua” das aparições públicas do
presidente.
Não é a primeira vez que isso ocorre, e há
poucas semanas as críticas tiveram outro alvo e origem oposta. Publicado em 13
de abril, levantamento do PoderData mostrou a diferença de Lula sobre Bolsonaro
caindo para apenas cinco pontos percentuais, o que gerou uma avalanche de
acusações vindas da esquerda sobre a lisura da pesquisa e supostos interesses
escusos nos números indicados.
Vivemos um tempo em que a credibilidade das pesquisas está abalada, e isso se deve a uma série de fatores. Para começar, a ausência de um censo demográfico desde 2010 prejudica o planejamento da amostragem. Diferentes metodologias e tecnologias de coleta também produzem resultados muitas vezes divergentes, deixando muitas dúvidas no ar.
Com as sucessivas ondas de golpes a que
estamos sujeitos diariamente, cidadãos se tornaram mais arredios a atenderem os
entrevistadores, sejam presenciais ou por telefone. A elevada abstenção nas
eleições e as decisões tardias de voto, marcas dos últimos pleitos (como nas
vitórias de Witzel no Rio e Zema em Minas Gerais em 2018), produzem surpresas
que são apontadas como erros flagrantes dos institutos de pesquisas.
Mas há outro fenômeno que prejudica ainda
mais a confiança nas medidas de intenções de voto: a forte segregação da
população brasileira, agravada pelos algoritmos das redes sociais, nos
prenderam em ilhas de preferências políticas que causam falsas percepções da realidade.
Nem sempre foi assim. Entre 1994 e 2002, os
presidentes eleitos (FHC duas vezes e depois Lula) dominaram por ampla margem
as intenções de voto durante boa parte da corrida eleitoral em todos os
segmentos de todos os recortes usualmente utilizados nas pesquisas eleitorais -
gênero, idade, escolaridade, renda, região etc. O resultado das urnas era
aceito de forma inconteste.
Em 2006, porém, começa a surgir uma nítida
clivagem social nas preferências eleitorais. Naquele ano, apesar da folgada
vitória de Lula sobre Alckmin no segundo turno (60,83% a 39,17%), as pesquisas
na véspera da votação indicavam que o ex-tucano levava vantagem sobre o petista
entre os eleitores de nível superior (53% a 47%), de rendimentos mensais
superiores a dez salários mínimos (56% a 44%) e moradores da região Sul (52% a
48%).
Desde então, esse padrão só se intensifica.
De um lado, a maioria petista a cada eleição (com Dilma Rousseff em 2010 e
2014, Fernando Haddad em 2018 e agora Lula em 2022) se consolidou entre as
mulheres, os jovens e os eleitores de baixa renda e ensino fundamental, além
dos moradores do Nordeste. O outro lado (José Serra em 2010, Aécio Neves em
2014 e Bolsonaro em 2018 e 2022), por sua vez, ampliou sua base no público
masculino, mais velho, de renda e escolaridade altas e habitantes do centro-sul
do país - mais recentemente, acrescente-se aí também a maioria dos eleitores
evangélicos.
O fato de termos maiorias de esquerda e de
direita, lulistas e bolsonaristas, em territórios tão fortemente demarcados
demonstra que nós vivemos em bolhas não apenas na internet. Enquanto nas redes
sociais os algoritmos se encarregam de aproximar aqueles que pensam igual, na
vida real a classe social a que pertencemos e nossas relações de trabalho e
amizade também nos segregam em câmaras de ressonância de convicções e
preferências políticas mais ou menos uniformes.
Numa sociedade tão dividida em termos
econômicos, regionais, etários e religiosos, questionamentos sobre a
“veracidade” de pesquisas tornam-se muito mais frequentes. Qualquer pesquisa
que indique Lula à frente será considerada manipulada por empresários do
agronegócio de Sinop, no Mato Grosso, pois lá Bolsonaro é o preferido pela
imensa maioria de seus familiares e amigos. Da mesma forma, levantamentos que
apontarem uma redução na liderança do petista será vista com desconfiança nos
meios acadêmicos, onde o sentimento de “Fora Bolsonaro” é praticamente uma
unanimidade.
A questão torna-se muito mais séria quando
essa percepção extrapola o campo das pesquisas e chega à própria legitimidade
do processo eleitoral. Nesse sentido, a segunda leva de resultados do último
Datafolha é muito preocupante.
Para 34% dos entrevistados, existe muita
chance de haver fraude nas eleições deste ano. Isso significa que a pregação de
Bolsonaro contra a segurança das urnas eletrônicas e a imparcialidade da
Justiça Eleitoral vem surtindo efeito, uma vez que essa percepção é
compartilhada não apenas por 60% de seus eleitores, mas encontra ressonância
até mesmo em 21% daqueles que pretendem votar em Lula em outubro.
As dúvidas sobre a confiabilidade das urnas
povoam o imaginário de 24% dos brasileiros, e eles não são exclusivamente
bolsonaristas: 16% dos eleitores lulistas já não acreditam no sistema
eletrônico utilizado no Brasil; entre os apoiadores do presidente, o indicador
chega a 40%.
Além da falta de credibilidade dos
institutos de pesquisas e das suspeitas sobre a segurança das urnas, por uma
parte do eleitorado, um provável desfecho conturbado das eleições deste ano
também já entrou no radar dos brasileiros. Para 56% dos entrevistados, é
preciso levar a sério os ataques do presidente aos ministros do TSE e do STF e
as suas ameaças sobre as eleições - e neste quesito não há diferença de
julgamento entre bolsonaristas e lulistas.
Uma sociedade dividida, com redes sociais
amplificando a polarização, disseminação de dúvidas sobre a legitimidade do
processo eleitoral e a normalização de ataques às instituições que garantem o
resultado das urnas - a bomba relógio já está armada para explodir entre 2 de
outubro de 2022 e 1º de janeiro de 2023. Tic-tac, tic-tac, tic-tac...
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Concordo,o dia da posse será um perigo - O fato do Lula ser agredido na rua mostra a violência sem freio dos bolsonaristas - E se o os meios acadêmicos são esquerdistas e o agronegócio direitista,a esquerda está bem acompanhada,precisamos de cérebros que pensam.
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