O Globo
Paulo Guedes não chega fortalecido à reta
final do governo Bolsonaro por haver imposto suas ideias — na hipótese de que
as palestras motivacionais contivessem algo de programa econômico. Nem no
mercado o levam a sério. Guedes vai ora forte porque, na hipótese de que
houvesse alguma resistência sua à entrega do Orçamento para Ciro Nogueira e
Lira Boys, aderiu absolutamente — ou melhor, sem mais fingimento — ao projeto
gastador pela reeleição do chefe.
Veja-se a Petrobras. O que se faz ali
expressa esse movimento. Bolsonaro não está preocupado com a maneira como a
empresa forma preço. Quer que o preço não suba até a eleição. Quer um jeito.
Jeitinho. Ponto. E então ascende Guedes, de súbito prestigiado. Clara Nunes cantaria
que, para subir, o ministro desceu. Desceu mais. Guedes como agente interventor
numa companhia de capital aberto. Suas crias liberais vêm para segurar o preço
dos combustíveis. Não mexerão no estatuto da petroleira nem no PPI. A mão
grande pesa na figura de um puxadinho.
Enrolar, ganhar tempo; explorando até, esticando ao máximo, o prazo para formalização do novo presidente da Petrobras. Quarenta e cinco, talvez 60 dias. Tudo paralisado, Conselho atual deslegitimado, diretoria pendurada. Nada ocorre. Não se bole em preço. E depois, posto o Caio da vez, empurrar: represar preço — mais 100, 120 dias — para que a correção só bata nas bombas, aí como enchente, depois das eleições. Essa é a ideia.
A isso se presta Guedes, braço de Bolsonaro
num processo que reproduz, na Petrobras, o mesmo a que fora submetido o
Ministério da Saúde no auge da pandemia. Trocas e trocas, de luna em luna, até
que a superfície — ministério ou petroleira — converta-se em Bolsonaro, caio
vindo, caio caindo. Trocas e trocas e trocas até que se normalize o presidente
da República derrubar, num intervalo de 40 dias, o CEO de empresa listada em
Bolsa. O quarto CEO da Petrobras em três anos e cinco meses, quebras que minam
a resistência de qualquer governança, a companhia enfraquecida para ser
politicamente manipulada até a eleição.
A pazuellização da vida pública avança.
Bolsonarista desde sempre, Guedes enfim explícito como um Queiroga.
Veja-se o caso dos reajustes salariais ao
funcionalismo. Bloqueio ao Orçamento para além de R$ 12 bilhões — é o que se
projeta, a própria confirmação do Orçamento de Fantasia. De fantasia, mas
concebido para a preservação de interesses bem reais. Se esse bloqueio tocar em
algo do orçamento secreto, será surpresa — e será marginalmente, se tocar. A
sociedade entre o governo militar de Bolsonaro com o consórcio Ciro
Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, parceria avalizada por Guedes,
cortará dinheiros sobretudo da Saúde e da Educação.
Não há muita diferença entre Guedes e Lira,
senão que Lira faz. Guedes gosta. Incapaz de articular uma reforma tributária
de natureza estrutural, embarca na gambiarra. Em sociedade, destelharam o teto
de gastos; e agora se articulam — um só botando a cara — pelo teto ao ICMS, um
dos impactos a ser sentidos sobre a capacidade de investimentos, por estados e
municípios, em políticas sociais. Outro dos impactos: sobre a energia elétrica.
Está cara. Querem reduzir o custo para o consumidor. Né? Custo que o Parlamento
aumentou, distribuindo subsídios ao setor e aprovando leis onerosas — e que o
governo, para que Guedes tenha alguma privatização para apregoar, deixará
aumentar ainda mais com a capitalização da Eletrobras, infiltrada de gases,
dutos e outros contrabandos.
O teto ao ICMS baixará o preço do
combustível na ponta? Diria que não; e certamente não de modo sustentável. Mas
o que dá sustentabilidade ao preço do diesel na bomba? O que é decisivo a que o
preço do litro de gasolina supere os R$ 5? Falemos sobre câmbio, já que o
barril de petróleo é negociado em dólar. Falemos sobre real desvalorizado. Isso
foi política de governo. Citemos Guedes, em novembro de 2021:
— Não tem problema [o dólar estar ‘lá em
cima’]. Quem entrar agora [para investir no Brasil] tem uma margem adicional de
ganho.
Que tal? Quem entra agora no posto tem uma
margem adicional de prejuízo. Política de governo. Política setorial, né?
Volto ao reajuste aos servidores. Guedes e
time se jactam de o haver congelado por três anos e meio. Verdade. Outra
verdade: calcularam — por meio da PEC Emergencial, aquela cujo rigor fiscal
virá em 2025 — para soltá-lo com tudo, arregaçá-lo mesmo, neste ano eleitoral,
e com a característica do corporativismo. Fala-se em 5% em linha, para todos,
mas será surpresa se Bolsonaro não aplicar a distinção prometida à PRF.
Paulo Guedes chega forte ao fim do governo
— à campanha eleitoral — porque faz, com paixão, o mesmo que qualquer Sachsida,
qualquer Mantega, faria.
Guedes e seu otimismo surreal.
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