quarta-feira, 4 de maio de 2022

Daniel Rittner: Chega de penduricalho nas tarifas de energia!

Valor Econômico

Conta de luz subiu 117% desde 2013; alta do IPCA foi 70%

Desde 2013, quando a ex-presidente Dilma Rousseff tentou baixar na marra as contas de luz e deu com os burros n’água, a tarifa média de energia subiu 117%. Enquanto isso, o IPCA teve alta acumulada de 70%. O valor do megawatt-hora pago pelo consumidor residencial saiu de R$ 284,67 e foi para R$ 616,64 em 2021, como se lê no Informativo de Gestão do Setor Elétrico, documento anual que é publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Neste ano, mais um aumento de dois dígitos: Light (14,68%), Enel Rio (16,86%), Coelba (21,13%), Enel Ceará (24,88%). Até julho estão previstos os reajustes de outras 13 distribuidoras, como Cemig, Copel e Enel São Paulo. Mal dá para curtir o recém-anunciado fim da bandeira de escassez hídrica, adicional tarifário para arcar com o custo bilionário de acionamento das termelétricas.

É hora de pressão política, mas tem que ser do jeito certo. Decretos legislativos, sustando os últimos reajustes, avançam na Câmara dos Deputados com ar de cinismo. A mesma turma que aproveita a tramitação de medidas provisórias para enfiar mais subsídios nas contas de luz agora se vira para dar alguma resposta a eleitores insatisfeitos.

Só na última década, segundo um levantamento do ex-diretor da Aneel e consultor Edvaldo Santana, passaram 17 MPs com enfoque no setor elétrico pelo Congresso Nacional. A maioria é aprovada com emendas fora da proposta original. Os jabutis não sobem em árvore. Se lá estão, ou foi enchente, ou mão de gente.

Pelas mãos de parlamentares e com o aval do Poder Executivo, independentemente de quem for o governo de plantão, esses jabutis despertam a sanha dos grupos de interesse. Dezenas de associações no setor elétrico - estima-se que sejam perto de 30 - veem cada MP ou projeto de lei como oportunidade única para resolver (legitimamente) seus problemas. Não importa muito se a floresta está pegando fogo, basta que a sua própria árvore fique de pé. Subsídios vão sendo criados como solução para esses problemas reais e incorporados às tarifas de energia. Exemplos?

Um projeto de lei do senador Esperidião Amin (PP-SC), que já ampliava as subvenções para os consumidores de distribuidoras pequenas do interior, ganhou emenda no meio do caminho e estendeu por 15 anos a compra obrigatória de energia produzida por térmicas a carvão mineral em Santa Catarina. Na contramão do combate às mudanças climáticas, foi tudo sancionado em janeiro.

Quando a Aneel foi revisar os incentivos à geração de energia fotovoltaica, por entender que já não se tratava de uma tecnologia incipiente e que a instalação de placas de silício nos telhados não dependia mais de tanto subsídio, empresários assustados com a redução do benefício investiram pesado em propaganda para denunciar falsamente a criação de uma “taxa do sol”. Semearam confusão e colheram ingerência do presidente Jair Bolsonaro, que determinou o fim das discussões e depois comunicou sua decisão aos apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada: “Fique tranquilo, Sol, não serás taxado”.

Na MP da Eletrobras entraram a exigência de contratação de 8 mil megawatts de térmicas a gás natural em localidades onde não existe suprimento e a renovação, por duas décadas, dos contratos de usinas no âmbito do Proinfa - programa criado nos anos 2000 para dar um empurrão nas novas usinas eólicas (hoje em dia, com a difusão delas e o forte tombo em seus custos de implantação, não há a menor necessidade disso).

E assim, de penduricalho em penduricalho, vão engordando a tarifa de energia. Itaipu? Pois a hidrelétrica binacional, que produz energia abundante e barata, passou a bancar todo tipo de obra onde falta recurso orçamentário: a segunda ponte Brasil-Paraguai, casas populares no oeste do Paraná, reforma do Palácio do Itamaraty no Rio. O novo ministro da Infraestrutura já fala até em usar o dinheiro da megausina numa futura ligação ferroviária entre o Atlântico e o Pacífico. Ok, boa ideia, mas que tal baixarmos a conta de luz?

Na semana passada, a Aneel aprovou um orçamento de R$ 32,1 bilhões para financiar os subsídios em 2022. Esse valor, 34% superior ao vigente no ano passado, é cobrado nas tarifas dos brasileiros por meio de um encargo. Deve-se a Victor Iocca e a Natália Moura de Oliveira, da Abrace (associação dos grandes consumidores industriais de energia), uma descoberta sobre fragilidades na fiscalização das subvenções. Um clube de lazer recebia desconto nas contas de luz como se fosse consumidor rural. Já produtores agrícolas tinham desconto na tarifa das bombas que alimentavam suas irrigações sem ter nem outorga para a retirada de água dos rios.

Após sua famigerada tentativa de reduzir a tarifa de energia, há quase dez anos, Dilma é sempre lembrada pelo voluntarismo e pelo desastre na implantação do plano. Muita gente se esquece, porém, dos meses anteriores ao seu lançamento. Fabricantes de alumínio foram à petista dizer precisavam de uma eletricidade, no mínimo, 20% mais barata a fim de segurar investimentos no Brasil. O país estava bombando e o governo não queria parar por aí. E se a energia com bom preço proporcionasse a transformação do alumínio em aço, do aço em autopeças, das peças em carros?

Deu tudo errado. Em vez de cair, o valor do megawatt-hora continuou subindo. Unidades industriais, como a da Alcoa em Poços de Caldas (MG), fecharam as portas. O país regrediu desde então. Hoje importa três vezes mais alumínio. Fica mais barato comprar da China, da África do Sul, da Índia. E exporta bauxita ou alumina, primarizando-se cada vez mais, sonhando em produzir semicondutores.

 

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