Folha de S. Paulo
Veto alemão à mais limpa das fontes
tradicionais prende a UE numa camisa de força
"A mais recente estratégia da Comissão
Europeia entrega com uma mão o que tira com a outra", reclamou Eilidh
Robb, da organização ambientalista Friends of the Earth, criticando os planos
de construção ou expansão de mais de meia centena de usinas baseadas em
combustíveis fósseis. O erro clamoroso da nova estratégia de transição
energética da União Europeia (UE) encontra-se na ausência de qualquer
referência à fonte nuclear. A responsabilidade é dos ambientalistas.
Antes da invasão russa da
Ucrânia, o chamado Green Deal europeu previa uma longa evolução para
energias renováveis amparada no uso transitório de gás natural russo. Todo o
conceito repousava sobre políticas definidas pela Alemanha.
De 713 Mt (milhões de toneladas) de CO2 em 2011, a Alemanha passou a emitir 625 Mt em 2019, às custas de multibilionários investimentos em fontes renováveis. Já a França reduziu suas emissões de 321 Mt para 287 Mt. A diminuição foi praticamente a mesma, em termos relativos, nos dois países –mas a França emite 4,25 Mt por milhão de habitantes, contra 7,50 Mt da Alemanha. A diferença abismal deve-se ao papel da energia nuclear: na França, a fonte supre 42% do consumo energético, enquanto na Alemanha supre apenas 6%.
O acidente de Fukushima, em 2011, foi o
beijo de morte no programa nuclear alemão, que já se encontrava em declínio. A
decisão de desligar as usinas nucleares derivou da força política do Partido
Verde. Resultado: a intensificação da dependência do gás russo, obtido por meio
de gasodutos que cortam a Belarus, a Polônia e o Mar Báltico. De lá para cá, as
importações de gás russo saltaram de cerca de 35% do total para quase 50%.
O imperativo geopolítico de escapar à
"armadilha russa" força a Alemanha a uma brusca mudança de rumo. Mas
o dogma antinuclear não arrefeceu, ainda mais com o retorno dos Verdes à
coalizão governista. O veto alemão à mais limpa das fontes tradicionais prende
a UE numa camisa de força, impondo a expansão do uso de centrais térmicas que
queimam combustíveis fósseis, inclusive carvão.
Usinas a carvão emitem, em média, 802
toneladas de CO2 por GW/hora de eletricidade gerada, contra 720 em usinas a
óleo e 490 nas movidas a gás. As nucleares provocam emissões indiretas de 3
toneladas, menos que as eólicas e solares (4 ou 5), as hídricas (34) e as de
biomassa (78). O movimento ecologista rediscutia a opção nuclear antes de Fukushima,
mas o acidente causado pela combinação de um tsunami com um erro crasso de
projeto propiciou o triunfo dos ideólogos intransigentes.
A poluição produzida pela queima de carvão
mata, globalmente, meio milhão de pessoas por ano. Os acidentes nucleares de
Three Mile Island (1979) e de Fukushima não provocaram mortes. O de Chernobyl
(1986) matou 31 e, talvez, vários milhares, de câncer, ao longo do tempo, algo
comparável aos mortos por emissões poluentes de carvão num só dia.
Nunca, desde a central pioneira, de 1962, a
França registrou um único acidente nuclear. Os rejeitos nucleares acumulados em
60 anos nos EUA caberiam num grande hipermercado. A campanha contra a fonte
mais limpa extrai sua persuasão de fatores psicossociais: a memória de
Hiroshima e a deliberada confusão entre usinas termonucleares e armas de
destruição em massa.
A Rússia fornece 40% do gás e 27% do petróleo importados pela UE, o que lhe rende 40 bilhões de euros por ano e assegura os meios para a guerra de agressão na Ucrânia. O plano europeu para cortar as importações de combustíveis da Rússia, que consumirá 210 bilhões de euros em cinco anos, tem dois sólidos pilares: investimentos em eficiência energética e em fontes renováveis. O terceiro pilar, o aumento da geração em térmicas convencionais, representa um passo atrás no Green Deal. Dito de outro modo, é o imposto cobrado pela obsessão ideológica dos verdes contra a energia nuclear.
Demétrio é sempre polêmico,ou polemista,sei lá.
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