sexta-feira, 13 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Urnas sem armas

Folha de S. Paulo

Enquanto Bolsonaro insiste em intimidações, Justiça Eleitoral reforça defesas

As autoridades responsáveis pela condução do processo eleitoral têm fortalecido suas defesas contra a desvairada ofensiva do presidente Jair Bolsonaro (PL) para tumultuar o pleito deste ano.

O Tribunal Superior Eleitoral deu resposta cabal aos múltiplos questionamentos apresentados pelas Forças Armadas na comissão criada para elevar a transparência do processo. Demonstrou-se que dúvidas tinham origem em cálculos equivocados, confusões conceituais e desinformação —indício, no mínimo, do despreparo.

Foi necessário que o TSE reafirmasse o óbvio no ofício em que respondeu aos generais, desfazendo a fantasia segundo a qual a totalização dos votos seria feita numa sala secreta do tribunal, disparate que Bolsonaro não cansa de propagar.

As urnas eletrônicas deram contribuição decisiva para garantir eleições limpas. Nunca se comprovou nenhuma fraude no sistema, e os dispositivos que reforçam sua segurança têm sido aprimorados.

O fracasso dos que sugerem o contrário é tão constrangedor que parece ter levado o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Oliveira, que até outro dia agia como bateria auxiliar do presidente da República em suas investidas contra o TSE, a refletir melhor sobre o assunto.

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), expressaram sua confiança no sistema e na capacidade da Justiça Eleitoral de conduzir o processo.

O único que teima em manifestar inconformismo é Bolsonaro. Em sua busca incessante por meios de tentar intimidar as instituições, nesta semana ele chegou a incitar os seguidores a se armar para reagir contra sabe-se lá o quê.

Suas bazófias são recebidas com ceticismo até em suas fileiras. Pesquisas de opinião têm mostrado que a confiança da população nas urnas eletrônicas é crescente, sendo amplamente majoritária mesmo entre os que torcem pela reeleição do mandatário incendiário.

No Brasil, é missão do TSE organizar as eleições, distribuir as urnas, contar os votos e proclamar os resultados. Como lembrou nesta quinta (12) o ministro Edson Fachin, presidente do tribunal, não há nada que o chefe do Executivo e seus generais possam fazer para alterar essa realidade.

Bolsonaro continuará apostando na confusão porque isso ajuda a mobilizar seus apoiadores mais radicais. O papel da Justiça Eleitoral será cumprir com zelo a missão que lhe foi confiada na ordem democrática, lembrando-o constantemente dos limites impostos aos seus desejos de arbítrio.

Além da repressão

Folha de S. Paulo

Retomar espaço ocupado pela cracolândia é dever; resta amparar os dependentes

Menos de dois meses após migrar para a praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, a cracolândia foi alvo de mais uma megaoperação policial nesta quarta-feira (11).

Até agora, como observado há décadas em ações do tipo, o resultado são algumas prisões, apreensões de porções de drogas e dispersão dos usuários pela região —uma pequena parcela aceitou ser encaminhada para serviços de acolhida e atendimento de saúde.

Até 18 de março, o feirão do tráfico ocupava a praça Júlio Prestes, a poucos metros dali. A mudança de local, segundo a Polícia Civil, se deu de forma pacífica por ordem da facção criminosa que comanda o fluxo. Este estaria sufocado após uma série de detenções, despejos e emparedamento de hotéis ilegais.

A blitz conduzida por Prefeitura de São Paulo e governo do estado trouxe duas consequências imediatas, ainda que longe de definitivas.

A primeira, positiva, desobstruiu um marco histórico tomado por barracas de traficantes e centenas de dependentes químicos. Por enquanto, guardas-civis ocupam o espaço 24 horas por dia para evitar nova invasão —expediente também empregado no antigo endereço. Projeto municipal prevê cercar a área de 16,6 mil m² com grades e transformá-la num parque.

Se o perímetro da praça está sob controle, o mesmo não ocorre nas adjacências. Grupos de usuários, de variados tamanhos, perambulavam pela região central nesta quinta (12) para se fixar em um novo ponto.

Muitos se espalharam por calçadas e vias próximas, formando minicracolândias. Carros da Guarda Civil Metropolitana tentavam dissipar as aglomerações e frear a renitente venda de crack.

O vaivém frenético de toxicômanos já preocupa moradores e comerciantes. Alguns chegaram a baixar as portas, com medo de saques.

Em artigo publicado na Folha, o secretário-executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Vargas, da gestão Ricardo Nunes (MDB), defendeu a pulverização. A concentração de usuários, diz ele, facilita o comércio de entorpecentes e prejudica a intervenção estatal para um tratamento mais humanitário.

É cedo para avaliar se a estratégia vai funcionar, mas vale observar que, à primeira vista, o acolhimento imediato dos remanescentes está aquém da exitosa recuperação dos espaços públicos, ambos deveres das autoridades paulistas.

Caberá aos responsáveis, daqui por diante, a complexa missão de conciliar operações repressivas ao estabelecimento de sólido arcabouço social, que de fato ampare esses cidadãos sob a ótica da saúde e ofereça o mínimo de dignidade.

Lula anuncia que será irresponsável

O Estado de S. Paulo

Promessa solene de Lula de acabar com o teto de gastos públicos, criado para remediar as lambanças petistas, é uma ameaça sobretudo aos mais pobres, que ele jura defender

Em sua turnê por Minas Gerais como pré-candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a Emenda Constitucional (EC) 95, que instituiu um teto para os gastos públicos. Promulgada em dezembro de 2016, a EC 95 talvez seja a medida econômica mais importante adotada no País desde a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Eu posso dizer uma coisa a vocês: não haverá teto de gastos para o nosso governo”, discursou o ex-presidente na Universidade Federal de Juiz de Fora, no dia 11 passado. A promessa deve soar mais como ameaça, sobretudo aos brasileiros mais pobres, que Lula jura de pés juntos defender. Afinal, como um Estado falido, que gasta mais do que arrecada, haveria de financiar políticas sociais sem gerar mais inflação e elevação da taxa de juros, cujos impactos são sabidamente muito mais perversos para a população de baixa renda?

O ex-presidente, ao que parece, tem uma resposta mágica. No Twitter, Lula reafirmou seu descompromisso com a responsabilidade fiscal e indicou qual será, caso seja eleito, a receita de sua poção milagrosa. “Não vai ter teto de gastos no meu governo. Vamos investir em educação porque é o que dá mais retorno ao País. O que vai resolver a relação dívida/PIB é o crescimento do PIB”, disse o chefão de um partido que legou ao País dois anos de PIB negativo – e isso sem pandemia.

Lula é o líder de todas as pesquisas de intenção de voto há alguns meses. Se esse cenário tenebroso se confirmar na eleição de outubro, o Brasil terá novamente um presidente disposto a arruinar o Tesouro em nome de seu projeto pessoal de poder. Convém recordar, então, por que o Congresso promulgou a EC 95 e por que a medida segue tão importante hoje como era à época de sua promulgação, malgrado o desmonte do teto de gastos promovido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o ano passado a fim de financiar seu projeto de reeleição.

O teto de gastos não nasceu por geração espontânea. Tampouco é um fetiche de economistas ou “instrumento de opressão” das elites sobre os mais pobres, como querem fazer crer seus detratores. Ao longo de 2016, o então presidente Michel Temer e um conjunto de parlamentares decidiram pela necessidade de estabelecer um controle sobre os gastos públicos na Constituição para evitar que o País sofresse no futuro uma nova razia econômica como a promovida pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), destituída justamente por maquiar o estado tenebroso das contas públicas.

Tanto por suas decisões desatinadas em política econômica como pela usurpação de recursos do Tesouro para financiar políticas públicas com vistas a garantir sua reeleição e, depois, sua permanência no poder, Dilma obliterou as finanças públicas, levando o País a um quadro de recessão que até hoje cobra seu preço dos brasileiros. “Gasto é vida”, chegou a dizer a ex-presidente. Ao defender o fim do teto de gastos, Lula promete solenemente quebrar o País.

Não se sustenta tampouco sua fórmula para “resolver a relação dívida/PIB”. Ora, como gerar investimentos públicos quando o Orçamento da União está 95% comprometido com gastos obrigatórios? Lula e Dilma estiveram no Palácio do Planalto por quase 14 anos. Contaram com ampla base de apoio no Congresso. E nem assim fizeram qualquer movimento significativo para acabar com o engessamento do Orçamento de modo a permitir que o governo fizesse os investimentos que Lula agora diz que vai fazer. Se não fizeram com uma base de apoio amplamente favorável, mais difícil será com um Congresso em que, mantida a tendência da atual legislatura, a construção de uma maioria se tornou muito mais complexa.

Uma coisa é Lula dizer que acabará com o teto de gastos se for eleito. Outra é conseguir, de fato, alterar a Constituição. Preocupa, no entanto, que os dois atuais favoritos nas pesquisas de intenção de voto para presidente, malgrado as acentuadas diferenças ideológicas, coincidam na rejeição ao teto. Mais do que nunca, é preciso que as forças moderadas do País se unam para convencer o eleitor de que a irresponsabilidade fiscal não é solução – é, ao contrário, a fonte de todos os problemas.

A esperança não decepciona

O Estado de S. Paulo

Em oportuna mensagem, CNBB diz que ‘Brasil não vai bem’, mas destaca que a crise ética, econômica, social e política só será superada por meio do diálogo e da cultura do encontro

Por dois anos o mundo esteve em transe. As pessoas foram obrigadas a se isolar umas das outras para lutar uma guerra contra um inimigo invisível, enquanto eram bombardeadas por estatísticas que escancaravam a fragilidade da vida. O clima de ressurreição de 2022 foi turvado pela guerra na Europa. A morte de seres humanos por seres humanos, a fome que se alastra no globo e os riscos de uma hecatombe nuclear são novos lembretes dos pecados mortais, o egoísmo, a soberba, que aviltam a humanidade. O Brasil, em particular, se prepara para um pleito que pode definir os destinos de uma geração.

É nesse cenário que a Assembleia-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) evoca uma “mensagem de fé, esperança e corajoso compromisso com a vida e o Brasil”.

“Enche o nosso coração de alegria perceber a explosão de solidariedade, que tem marcado todo o País na luta pela superação do flagelo sanitário e social da Covid-19.” Com efeito, durante a pandemia as ações solidárias bateram recordes extraordinários. Relembrá-las é relevante, porque a emergência sanitária está oficialmente em seu fim, mas suas sequelas socioeconômicas perdurarão por anos. Em descompasso com suas tradições cristãs, o histórico de solidariedade e filantropia na nação brasileira é comparativamente medíocre.

“A grave crise sanitária encontrou nosso País envolto numa complexa e sistêmica crise ética, econômica, social e política”, aponta a Mensagem ao Povo Brasileiro. “A Covid-19, antes de ser responsável, acentuou todas essas crises, potencializando-as, especialmente na vida dos mais pobres e marginalizados.”

Os bispos conclamam “a sociedade brasileira a participar das eleições e a votar com consciência e responsabilidade” na “luta pela justiça e pela paz”. Fome, dilapidação dos ecossistemas, desrespeito aos direitos dos indígenas e violência são algumas das trincheiras dessa luta.

Por um aparente paradoxo, o bom combate só será vencido por meio “do diálogo e da cultura do encontro”. A degradação deles torna o quadro atual “gravíssimo”. “A lógica do confronto que ameaça o estado democrático de direito e suas instituições, transforma adversários em inimigos, desmonta conquistas e direitos consolidados, fomenta o ódio nas redes sociais, deteriora o tecido social e desvia o foco dos desafios fundamentais a serem enfrentados.” 

Os bispos alertam para as “tentativas de ruptura da ordem institucional” que buscam desmoralizar a lisura das eleições. “Tumultuar o processo político, fomentar o caos e estimular ações autoritárias não são, em definitivo, projeto de interesse do povo brasileiro.”

A Mensagem adverte para duas ameaças em especial. Uma é a disseminação de fake news. “Carregando em si o perigoso potencial de manipular consciências, elas modificam a vontade popular, afrontam a democracia e viabilizam, fraudulentamente, projetos orquestrados de poder.” A outra é a manipulação religiosa, protagonizada tanto por autoridades políticas como religiosas, “que coloca em prática um projeto de poder sem afinidade com os valores do Evangelho de Jesus Cristo”. 

É inevitável relembrar episódios até há pouco estranhos à cultura política nacional, como a indicação de magistrados e ministros condicionada à sua confissão de fé, privilégios a congregações e seus braços empresariais, pastores traficando verbas em troca de ouro, deputados usando a Bíblia para justificar o armamentismo, proselitismo eleitoral em cultos ou slogans de campanha tomando o nome de Deus em vão.

Oportunamente, os bispos reafirmaram a laicidade constitucional do Estado. “A autonomia e independência em relação ao religioso são valores adquiridos e reconhecidos pela Igreja e fazem parte do patrimônio da civilização ocidental.”

Sem renunciar ao coração da Mensagem, gravado em sua epígrafe – “A esperança não decepciona” (Rm 5,5) –, os bispos admitem que “o Brasil não vai bem”. E uma das principais razões é que lideranças políticas e religiosas vêm atribuindo a César o que é de Deus e a Deus o que é de César. Que os brasileiros se valham das urnas para separar o joio do trigo.

Mistura de inflação com desemprego

O Estado de S. Paulo

No EUA desemprego caiu e inflação subiu; no Brasil, preços dispararam com muita gastança e pouco emprego

De recorde em recorde, a inflação inferniza cada vez mais o trabalhador e sua família, enquanto os sócios do poder usam dinheiro público para seus objetivos particulares, devastam as finanças oficiais, desarranjam a economia e agravam os desajustes inflacionários. Um novo marco foi registrado em abril, quando os preços ao consumidor subiram 1,06%, a maior taxa para o mês desde 1996, quando a variação chegou a 1,26%. Os R$ 13,1 bilhões do orçamento secreto negociados com prefeitos de vários Estados são parte dessa baderna financeira, assim como os R$ 82,3 bilhões de bondades eleitorais já previstos como legado sinistro para o próximo governo.

A farra vai continuar, se depender do Centrão e do presidente Jair Bolsonaro. Em discussão no Congresso, o projeto de construção de uma rede de gasodutos poderá comprometer R$ 100 bilhões nos próximos anos, numa iniciativa contestada pelo Ministério da Economia. Diante dessa desordem financeira e administrativa, investidores se desviam do Brasil, dólares são mandados para fora, o câmbio se torna instável, a insegurança contamina os mercados e os preços se desarranjam.

A inflação é problema global, agravado em 2020 pela pandemia e realimentado, neste ano, pela guerra na Ucrânia e pelo novo surto de covid na China. Mas a alta de preços no Brasil, de 12,13% nos 12 meses até abril, é muito mais intensa que a observada na maior parte dos países emergentes e avançados. Nos Estados Unidos, a grande potência mais afetada por esse problema, os preços aumentaram 0,3% em abril e 8,3% em 12 meses. Mas esse desajuste reflete principalmente os bem-sucedidos estímulos à recuperação econômica depois do choque da covid. O desemprego americano ficou em 3,6% no mês passado. No Brasil, o último cálculo, referente ao primeiro trimestre, mostrou desocupação de 11,1% da força de trabalho.

O desarranjo brasileiro, especialmente perverso, combina alta inflação com ocupação escassa. Quem consegue algum ganho logo vê seu dinheirinho sumir, corroído pelo custo de vida. A situação é mais sombria quando a inflação é puxada por preços de itens essenciais. Nos Estados Unidos o desemprego caiu e a inflação subiu; no Brasil, os preços dispararam com a economia emperrada.

Em abril, o item alimentos e bebidas encareceu 2,06% e teve impacto de 0,43 ponto na formação do índice geral. O componente transportes, com alta de 1,91%, teve peso de 0,42 ponto de porcentagem no cálculo final. Dois itens essenciais, portanto, produziram cerca de 80% da variação total de 1,06%.

Essa pressão perversa já se acumula há pelo menos um ano. Em 12 meses o grupo alimentação e bebidas ficou 13,47% mais caro. O custo do grupo transportes subiu 19,70%. No grupo habitação, os preços dos combustíveis domésticos (basicamente, gás) aumentaram 32,49%. As tarifas de eletricidade se elevaram 20,52%. Sobrou para o Banco Central a tarefa de tentar, com a alta de juros, conter o surto inflacionário, enquanto o presidente da República e o Centrão se esbaldam na farra eleitoreira.

Cracolândia de SP traduz desafio do combate às drogas

O Globo

O uso do crack no Brasil é crescente, assim como a discordância sobre a melhor maneira de lidar com o problema. Em 2010, havia 370 mil usuários da droga nas capitais brasileiras, segundo a Pesquisa Nacional sobre o Uso do Crack. Levantamento da Fundação Oswaldo Cruz revelou que, cinco anos depois, 1,4 milhão de brasileiros diziam ter consumido crack alguma vez, número que os próprios pesquisadores reconheceram estar subestimado. Por ser o ponto de maior concentração de consumidores de crack no Brasil, a Cracolândia de São Paulo, com uma média de 1.680 frequentadores, de acordo com estudo anterior à pandemia, acaba por atrair a atenção sobre a eficácia e o fracasso de políticas para combater a droga e mitigar suas consequências.

Nesta semana, a Polícia Civil paulista, com o apoio da Militar e da Guarda Civil Metropolitana, organizou uma operação para dispersar usuários e prender traficantes na Praça Princesa Isabel, recentemente ocupada com maior intensidade (desde os anos 1990, o ponto focal muda, mas os usuários costumam se concentrar sempre na mesma região do centro da cidade).

Há uma crença disseminada em certos meios de que é desumano usar a polícia para tratar o problema dos dependentes químicos. É um erro. Dependentes são abastecidos por traficantes. Quanto mais traficantes, mais drogas e mais dependência. É papel da polícia combater o tráfico, e ela não pode se furtar a esse dever. Ao mesmo tempo, a ação em São Paulo, a poucos meses da eleição, levanta a suspeita de que seja apenas uma medida eleitoreira, não um passo necessário dentro de uma estratégia abrangente. Se combater a chaga das drogas dependesse apenas do uso da força policial, o problema já estaria resolvido.

A Prefeitura paulistana argumenta, usando o exemplo de experiências bem-sucedidas como a de Lisboa, que a grande concentração de usuários e traficantes em pontos específicos dificulta a ação do Estado, deixando os dependentes sob controle do crime organizado. Afirma que dispersões contribuem para o tratamento. E apresenta dados preliminares para sustentar tal premissa.

Pode ser verdade. Mas é preciso fazer mais. A análise dos atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial precisa ser constante e ficar a cargo de entidades independentes de interesses políticos, para que se conheçam os efeitos reais do combate ao crack. Um dos critérios mais importantes é saber se mais usuários receberão o apoio necessário depois da ação policial.

A aposta das autoridades na dispersão deve também levar em conta os efeitos da medida para o restante da população. A presença de usuários de drogas por uma região maior da cidade traz inquietação a transeuntes e comerciantes. Ao mesmo tempo, a dispersão costuma espalhá-los pela cidade até surgir um novo ponto de concentração. Não dá para negligenciar nenhuma dessas preocupações. Se evitar concentrações é uma aposta que vale a pena perseguir, o apoio da população é fundamental.

A luta contra o crack e o tráfico de drogas é longa. A Cracolândia paulistana já foi palco de várias idas e vindas, mais erros que acertos. A sociedade deve estar aberta para testar novas estratégias, sem tentar varrer o problema para longe, nem esquecer que é uma difícil questão de saúde pública e, acima de tudo, humanitária.

Consumidor precisa estar atento a produtos que tentam ludibriá-lo

O Globo

Com a inflação chegando a 12,13%, a maior desde 2003, várias empresas têm recorrido à prática de manter os preços, mas reduzir o peso dos produtos. Conhecida como “reduflação”, a estratégia vem sendo notada em biscoitos, sabão em pó, grãos e diferentes molhos, como demonstrou reportagem do GLOBO. Não é propriamente ilegal, mas exige a atenção redobrada dos consumidores.

Regras do Ministério da Justiça de 2002 determinam que as empresas são obrigadas a informar as mudanças na rotulagem. Uma nova portaria publicada no Diário Oficial em 2021 passou a exigir um tamanho mínimo para as letras e o uso de cores contrastantes. A transparência é um direito do consumidor e uma obrigação do setor produtivo, que só tem a ganhar evitando a maquiagem enganosa. Além de antiética, ela também traz danos de imagem e prejuízo ao próprio negócio.

Dois episódios recentes demonstram que as instituições estão atentas. Por decisão do Procon do Distrito Federal, a venda do sanduíche Whopper Costela, do Burger King, foi suspensa depois de uma denúncia de que o hambúrguer tinha apenas “aroma de costela”. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também investiga a denúncia. Antes, na última semana de abril, o Conar iniciara processo investigativo sobre a linha de sanduíches McPicanha, do McDonald’s, depois de receber reclamação de consumidores de que não havia picanha no produto, apenas um molho “sabor picanha”. Nos dias seguintes, os dois sanduíches da linha foram retirados pela empresa de todos os restaurantes do país.

Em 2014, a fabricante de sorvetes Diletto teve de mudar o texto exibido nas embalagens e em seu site depois de uma decisão do Conar. Usando o recurso conhecido como storytelling, a marca dizia que seus produtos seguiam a receita formulada por Vittorio, avô do fundador da empresa e sorveteiro da região do Vêneto, na Itália. Havia até a imagem de um idoso com um carrinho de sorvetes. Fora haver mesmo um avô italiano, o resto era tudo mentira. O nome dele era Antonio, e sua profissão jardineiro. No julgamento do Conar, o relator do processo disse que não se pode “confundir ser lúdico com ludibriante”.

Assim como a Diletto, é fato que McDonald’s e Burger King perderam no quesito confiança do consumidor, independentemente da decisão do Conar. Podem até argumentar que havia informações sobre ingredientes em sites, peças publicitárias e cardápios. Mas, mesmo que os esclarecimentos estivessem expostos (nem sempre era o caso), fica evidente que os consumidores foram ludibriados sobre o que compravam.

Informar o consumidor de forma clara e visível é o mínimo a exigir de empresas honestas. O mesmo princípio deve valer para a redução no tamanho das embalagens. Ainda que mais sutil, ela também pode se tornar uma forma de enganação.

Centrão sugere e governo aceita negociata de gasodutos

Valor Econômico

É um monumento ao desperdício de recursos, que deveria ser extirpado da lei

Mesmo um planejamento raso de obra pública exige que ela, primeiro, seja necessária, que seus custos sejam compatíveis e módicos, que a infraestrutura necessária para que funcione já esteja disponível ou possa ser ampliada a baixo custo, que os insumos que serão utilizados sejam colocados à disposição ao menor preço e com maior rapidez. O conluio que os partidos do Centrão estão tecendo no Congresso para a construção de uma rede de gasodutos, além de ter beneficiários certos, inverte toda lógica do planejamento e tem custos altíssimos, que serão repassados em grande parte para o consumidor.

A capitulação do Executivo aos partidos fisiológicos, e seu aval a estripulias que começaram com as bilionárias emendas secretas, podem sair ainda mais caro com a pressão para a construção de gasodutos com o uso de R$ 100 bilhões dos recursos do pré-sal, que serão desviados de gastos imensamente mais importantes e básicos, como saúde e educação.

As iniciativas sucessivas e sistemáticas para a constituição do Brasduto, com subsídios para a construção de uma malha de gasodutos, indicam que há uma fatia significativa de parlamentares nelas envolvidos por motivos, até aonde a vista alcança, inexplicáveis. A mais recente tentativa de dar vida ao monstrengo parece ter a maior chance de prosperar, depois que, em frenesi eleitoral, o Executivo está prestes a ceder à engenharia elétrica do Centrão.

O projeto é um acinte à técnica e uma agressão aos cofres públicos, que serão usados para enriquecer alguns empresários. O Brastubo passou pelo Congresso em emenda de um projeto de lei em 2021, que foi vetado pelo Executivo por “vício de iniciativa” por reduzir em 20% os investimentos em saúde e educação e não apresentar “estimativa de impacto orçamentário e financeiro”. A bola da vez agora é um jabuti no projeto de lei 414, o do novo marco regulatório do setor elétrico. O próprio Executivo parece inclinado a dar ao Centrão um plano B, caso a emenda não vingue: a edição de uma medida provisória (Estadão, 11 de maio).

Sinal de que esse péssimo negócio para o Estado está adiantado é o fato de haver “resistências” no Ministério da Economia que estaria buscando alternativas para fazer a mesma coisa, supostamente com menos danos - sinal de que o ministro Paulo Guedes já engoliu mais um enorme sapo. Uma opção aventada é atribuir à PPSA, responsável pela gestão dos recursos do petróleo da União obtido com o regime de partilha, uma nova função, a de “estatal dos gasodutos”. A ideia é tida como “verdadeiramente ruim”, mas “um pouco menos ruim” que o Brastubo no governo.

O governo acha que o Congresso não só aprova uma emenda como derruba um eventual veto a ela. Mas não está interessado em se opor de verdade à uma iniciativa escandalosa, nem se empenha para isso.

A capitalização da Eletrobras, que ainda não saiu e a que está desenhada marca o primeiro “grande feito” de “privatização” na gestão de Bolsonaro e de Guedes, é ruim demais. Ela já traz as sementes de grandes negócios privados, a construção de termelétricas que garantam 8 GW, cuja distribuição regional é tão detalhista quanto são inexistentes os estudos de viabilidade: 2,5 GW no Norte, igual oferta no Centro-Oeste, 2 GW no Sudeste (parte na área da Sudene) e 1 GW no Nordeste. A maior parte das usinas seria construída nos Estados onde o empresário Carlos Suarez, ex-sócio da OAS e atuais sócios, entre eles governos estaduais, têm exclusividade na distribuição de gás e mal o fazem porque não há gás.

Mas a lei 14812, da capitalização, fez mais: localizou as futuras usinas aonde não há fornecimento de gás. Para isso será necessários construir gasodutos, ramo no qual Suarez também tem negócios. Cria-se uma demanda cara e desnecessária no meio do nada, que exigirá mais investimentos, com subsídios públicos, para levar o insumo básico para o fornecimento de energia. As obras não param por aí. Se construídos os gasodutos e as usinas, será preciso transmitir a energia, talvez com uma Brastrans financiando a construção de linhas de transmissão. É um monumento ao desperdício de recursos, que deveria ser extirpado da lei e não será porque o presidente da República precisa se reeleger e ele não tem a menor noção do descalabro que está patrocinando.

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