sexta-feira, 27 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Termômetro eleitoral

Folha de S. Paulo

Datafolha apura vantagem maior de Lula ante Bolsonaro e menos espaço para 3ª via

Pesquisa Datafolha sobre intenção de voto para presidente divulgada nesta quinta (26) traz o que parece ser a melhor explicação para os recentes rompantes de Jair Bolsonaro (PL) contra instituições democráticas: voltou a crescer a vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O levantamento anterior, de março, havia trazido boas notícias para o presidente. A distância entre ele e o petista caíra pela metade na declaração espontânea, em que o entrevistado simplesmente responde em quem pretende votar.

Agora, nesse tipo de pergunta, a dianteira do ex-presidente mais que dobrou e atingiu 16 pontos percentuais, ou 38% a 22%, ante 30% a 23% dois meses atrás.

Na pesquisa estimulada, em que uma lista de candidatos é apresentada ao entrevistado, Lula registra 48%, ante 27% de Bolsonaro e 7% de Ciro Gomes (PDT), com os demais ficando no máximo em 2%.

A margem para uma terceira via parece mais estreita. Lula e Bolsonaro somam 75 pontos e deixam 25 livres para outros concorrentes —eram 31 em março.

Como se trata de um novo cenário político devido sobretudo às desistências de João Doria (PSDB) e Sergio Moro (União Brasil), não se pode fazer uma comparação direta entre esse resultado e os de levantamentos anteriores.

Mas isso não impede ninguém de notar que, considerando os votos válidos (excluídos brancos, nulos e indecisos), Lula agora marca 54%, cifra em tese suficiente para vitória num primeiro turno hoje.

Além disso, a avaliação nada animadora do governo Bolsonaro ficou estagnada com 25% de aprovação e 48% de reprovação, a despeito de todos os esforços populistas e demagógicos que o mandatário empreendeu nos últimos meses.

O percentual dos que não votariam nele de jeito nenhum continua no mesmo patamar elevado (54%), ao passo que Lula viu sua rejeição passar de 37% para 33%.

Talvez por isso, num hipotético segundo turno, o petista derrota Bolsonaro com folga maior do que na pesquisa anterior: 58% a 33% agora, 55% a 34% em março.

O quadro pintado por esses números dificilmente terá passado batido pelos partidos. Um instituto como o Datafolha imprime um selo de independência no resultado, mas os políticos, mesmo aqueles que vociferam contra as pesquisas, medem o pulso dos eleitores com levantamentos próprios.

Daí por que Bolsonaro, ciente de que seu mau governo se transforma no maior obstáculo da corrida eleitoral, aposta no discurso contra as urnas. A eleição, por óbvio, está longe de decidida, e o adversário petista tem consideráveis fragilidades a serem exploradas. Mas é certo que o retrato do momento desfavorece o incumbente.

Fome de crescimento

Folha de S. Paulo

Sem expansão econômica e com inflação em alta, ação social tem eficácia reduzida

Miséria e fome são conceitos associados, embora as medidas de uma e outra variem. Define-se comumente a miséria como a falta da renda necessária para um consumo mínimo de nutrientes, o que envolve cálculos complexos. De modo mais simples, pode-se detectar a fome apenas perguntando a quem a vivencia ou a teme.

Com base em questionários globais, a ONU detectou o aumento da insegurança alimentar no mundo e no Brasil. Segundo o mais recente relatório da entidade, o percentual de pessoas que declaram ter tido dificuldade para comprar comida nos últimos 12 meses subiu no planeta de 23%, no período 2014-16, para 27,6% em 2018-20.

Na mesma comparação, a taxa brasileira passou de 18,3% a 23,5%. Se levada em conta apenas a insegurança considerada severa, as taxas mais recentes no documento são de 10,5% no mundo e 3,5% aqui.

O impacto devastador da pandemia de Covid-19 foi a explicação mais óbvia e geral para a piora no ano retrasado. Mas há fatores que variam conforme a região, incluindo guerras, turbulências políticas, mudanças climáticas e catástrofes naturais. No Brasil, a causa principal é o mau desempenho econômico desde a recessão de 2014-16.

Um novo trabalho da FGV Social, a partir de dados da pesquisa global Gallup (que também é referência para a ONU), aponta uma insegurança alimentar de 36% no país ao final de 2021, ligeiramente acima da média mundial de 35%.

As cifras podem variar conforme a metodologia, mas a tendência é indiscutível —e coerente com a fragilidade da economia. Nos últimos oito anos, o Produto Interno Bruto nacional encolheu em 1,6%. No mesmo período, a renda média por habitante, em valores corrigidos pela inflação, caiu de R$ 44,1 mil para R$ 40,7 mil anuais.

Depois da crise provocada pelo colapso das finanças públicas sob Dilma Rousseff (PT), o PIB apresenta taxas baixas de crescimento, o que deve se repetir neste ano depois de superada a contração da pandemia. Agora, é Jair Bolsonaro (PL) quem segue a trilha da irresponsabilidade econômica.

A agravar o quadro, a inflação crescente no mundo como efeito da Covid-19 e da guerra na Ucrânia atinge com força os alimentos e, portanto, a população mais pobre do país. Em tal contexto, reduz-se drasticamente a eficácia dos programas de seguridade social, em particular do Auxílio Brasil, na superação da miséria e da fome.

Paulo Guedes na Montanha Mágica

O Estado de S. Paulo

Em Davos, o ministro da Economia falou em nome de um estranho país, mais próspero, bem governado e com inflação em firme declínio

O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a Davos como representante do Brasil, mas acabou falando em nome de outro país, mais ajustado e com perspectivas bem melhores que as indicadas pelas deploráveis condições brasileiras. A cidade alpina onde se reúne o Fórum foi celebrizada por Thomas Mann num romance publicado há quase um século, em 1924. O título do livro, A Montanha Mágica, parece ganhar novo sentido com as palavras de Guedes, criadoras de um país muito diferente daquele produzido pelo desgoverno de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Neste mundo mais conhecido, onde milhões batalham duramente para sobreviver, o dia a dia é marcado pelo desemprego, pela inflação acelerada, pelo empobrecimento, pelo uso inepto e irresponsável do poder público e por ameaças frequentes à ordem institucional.

“O pesadelo de vocês está apenas começando”, disse o ministro a um grupo de jornalistas, numa referência aos sinais de enfraquecimento econômico dos países mais desenvolvidos. “Vai começar a recessão aqui fora”, acrescentou. “Eles estão começando a entrar no inferno e estamos saindo.” Mas o desemprego no Brasil, no primeiro trimestre, ficou em 11,1% e pouco deve ter mudado a partir daí. Os desocupados nos Estados Unidos, em abril, eram 3,6% da força de trabalho urbana (no campo o desemprego é pouco significativo). Na maior parte dos países desenvolvidos a taxa raramente alcança ou supera 7%. Além disso, o desempregado, nesses países, tem condições de vida geralmente melhores que as de boa parte dos brasileiros empregados.

Quanto ao dinamismo econômico, o País fica bem atrás de outros emergentes e também de muitos avançados. Se o País crescer 2% neste ano, como sugere o ministro da Economia, pouco se afastará do desempenho médio dos últimos do último decênio ou do período bolsonariano. Mas a última projeção oficial do governo indica uma expansão de apenas 1,5%, número próximo das últimas estimativas do mercado. Segundo a projeção recém-divulgada pela ONU, a produção mundial aumentará 3,1% em 2022, bem acima das taxas mais otimistas calculadas no Brasil.

Guedes também mostrou otimismo em relação à alta de preços. A inflação brasileira, segundo ele, pode ter atingido o pico e em seguida começar a diminuir. “Fomos os primeiros a combater a inflação, zeramos o déficit e subimos os juros”, afirmou. Seu comentário incluiu uma crítica ao atraso dos bancos centrais do mundo rico. Não há sinais claros, no entanto, de recuo duradouro da inflação.

A taxa apontada pela prévia deste mês, de 0,59%, é menor que a de abril, mas é também a mais alta para um mês de maio desde 2016. Além disso, o aumento de preços em 12 meses chegou a 12,20%, superando a variação acumulada até o mês anterior, 12,03%. Se o recuo começar agora, quanto tempo será necessário para a inflação anual chegar a níveis toleráveis?

O aumento de juros de fato começou mais cedo no Brasil do que nos Estados Unidos, mas isso ocorreu, obviamente, porque a inflação brasileira já era bem mais alta. Mas o Banco Central do Brasil também insistiu, por muito tempo, em avaliar como passageiro o surto inflacionário, e nesse ponto errou tanto quanto o Federal Reserve, seu par americano.

O ministro Guedes também falou de um país diferente do Brasil ao proclamar uma vitória da política fiscal. A melhora das contas públicas foi claramente facilitada pela inflação e em grande parte reflete, portanto, um desarranjo da economia brasileira. Também é preciso lembrar o dinheiro engolido, neste ano, pelo sumidouro do orçamento secreto e a transferência das decisões sobre gastos ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, representante principal do Centrão no Executivo. Enfim, ninguém deveria esquecer as bondades eleitoreiras deixadas como custos para o próximo governo. Nenhum desses desarranjos parece existir no país apresentado pelo ministro Guedes na Montanha Mágica. Mas neste outro país onde vivem os brasileiros a única façanha com jeito de mágica é a sobrevivência da maioria das famílias no dia a dia. 

A urgência de uma educação digital

O Estado de S. Paulo

Sobram planos e recursos, faltam foco e competência: nem um gênio como Musk será capaz de ajudar se o País continuar a tratar conexão de escolas à internet como um fim em si mesmo

Transformada em palanque eleitoral para Jair Bolsonaro, a visita de Elon Musk ao Brasil expõe como poucas as falhas nas políticas públicas nacionais e os motivos pelos quais mazelas históricas como a falta de conectividade de escolas públicas seguem sem solução. O empresário, dono da Starlink, que opera satélites capazes de oferecer internet, esteve em Porto Feliz (SP) e pouco falou com Bolsonaro, concentrando suas atenções em conversas com executivos das operadoras de telecomunicações em atuação no País. Como mostrou o Estadão, foi apenas um encontro de negócios de um bilionário interessado em vender serviços.

Até aí, tudo bem – não há nada irregular nessas reuniões. A Starlink já obteve autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para operar satélites de baixa órbita no Brasil, de forma que procurar as teles para apresentar sua companhia seria o próximo passo. A oferta de internet satelital pode ser uma boa alternativa para escolas em regiões isoladas no Norte, mas não exclui a necessidade de uma estrutura mínima de equipamentos de conexão em terra – nada impossível, ainda que dispendioso. O que passou despercebido na visita de Musk, no entanto, foi a crônica incompetência do Executivo para resolver um tema que está em debate há quase 15 anos no País.

A origem da história remete a 2008, quando o hoje candidato e então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), para conexão de unidades de ensino urbanas. Em 2010, a proposta foi incluída dentro do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que, a pretexto de universalizar o acesso à internet, justificou a reativação da Telebras – a empresa recebeu um aporte de R$ 3,2 bilhões para gerir a iniciativa. Mesmo sem cumprir os objetivos iniciais, Dilma Rousseff dobrou a aposta na estatal ao lançar a segunda edição do PNBL em 2014, versão turbinada do plano que pretendia alcançar todas as escolas públicas até – vejam só – o fim deste ano de 2022.

Em 2017, ao custo de R$ 2,8 bilhões, a gestão Michel Temer lançou um satélite em órbita; meses depois, anunciou o programa Internet para Todos, para prover banda larga satelital aos municípios desconectados. Bolsonaro, por sua vez, lançou algumas iniciativas, entre elas o Wi-Fi Brasil, que ficou célebre ao obrigar os alunos a assistir a propagandas do governo a cada conexão. Mais recentemente, por sugestão do Tribunal de Contas da União (TCU), a Anatel direcionou parte da arrecadação do leilão do 5G – R$ 3,1 bilhões – para a conectividade das escolas.

Com todo esse histórico de programas lançados por administrações tão distintas, fica claro que não faltaram planos nem recursos para conectar o ensino público. Mas o fato é que o País ainda tem 30 mil escolas sem acesso à internet, segundo dados da Anatel – 4,1 mil em regiões urbanas e 25,9 mil em áreas rurais; 15 mil no Nordeste e 11 mil no Norte. Vários motivos ajudam a explicar o problema, como a ausência de continuidade das ações, a desarticulação com Estados e municípios e a inexistência de avaliações de desempenho e resultado de cada proposta.

Em comum a todas elas, há algo que nenhum governo – e, lamentavelmente, nenhum pré-candidato – ousou enfrentar. A conectividade das escolas não deveria ser um fim em si mesmo, mas parte de uma política pública que ofereça uma educação verdadeiramente digital para alunos que, no futuro, vão enfrentar um mercado de trabalho competitivo. Isso passa pela capacitação de professores e por uma base curricular adaptada às exigências de um mundo tecnológico, entre muitas outras questões. A baixa qualificação do trabalhador brasileiro está diretamente ligada à também baixa – e decrescente – produtividade da economia e ao seu desempenho instável. Partir de um problema mal definido é caminho certeiro para chegar a uma solução ineficaz. Nesse sentido, é até positivo que nenhum contrato tenha sido fechado pelo governo com Musk e a Starlink. Muito provavelmente seria apenas mais um exemplo de desperdício e má alocação de recursos. 

Putin usa a fome como arma

O Estado de S. Paulo

Depois de agressão à Ucrânia, ameaças nucleares e atrocidades contra civis, Putin quer chantagear o mundo com a fome

Já virou folclore: o “Putin Versteher”, como dizem os alemães. Literalmente, um “entendedor” de Putin. Eles creem poder justificar os motivos e a visão de mundo do autocrata russo e projetam vastos mosaicos geopolíticos para extrair lógica do caos precipitado na Ucrânia. Os mais iconoclastas culpam o Ocidente pela catástrofe, os moderados equiparam as responsabilidades. Alguns condenam a agressão. Mas há sempre um “mas”.

A verdade incontestável é que a guerra foi não provocada. O próprio Vladimir Putin o admite, ao manufaturar o conceito de “agressão preventiva”. E nenhum “realismo” geopolítico pode justificar as atrocidades em Bucha ou Mariupol. Mesmo que, em tese, a guerra fosse inevitável, crimes de guerra nunca deixarão de ser crimes.

Abalos nas cadeias de fornecimento talvez fossem inevitáveis. Mas a escassez de alimentos não era. Putin não precisava usar a fome como arma. Tendo falhado em dominar militarmente a Ucrânia, quer estrangulá-la economicamente, confiscando grãos e maquinários. Mais do que isso, está bloqueando o Mar Negro e retendo grãos na Rússia para chantagear o mundo.

O secretário-geral da ONU prevê um “furacão de fome”. Estima-se que em novembro até 243 milhões de pessoas podem se juntar ao atual 1,6 bilhão em insegurança alimentar, especialmente em países da África e Oriente Médio sem parte no conflito.

Resolver o problema é responsabilidade de todos. As nações devem manter os mercados abertos. A Europa deve ajudar a Ucrânia a escoar seus grãos por terra. Suprimentos emergenciais devem ser dirigidos aos pobres.

O verdadeiro alívio viria do fim do bloqueio. Uma concertação, talvez envolvendo finalmente China e Índia, precisaria garantir que a Turquia permita escoltas navais no Bósforo, e a Ucrânia retire suas minas em Odessa. Mas tudo depende de que a Rússia autorize os embarques.

A julgar, porém, pelo diagnóstico de Boris Bondarev, que até esta semana integrava a missão russa na ONU, há poucas chances de negociação. “Hoje, o Ministério do Exterior da Rússia não trata de diplomacia. É tudo sobre belicismo, mentiras e ódio”, disse, ao renunciar à carreira diplomática. “Aqueles que conceberam esta guerra querem só uma coisa – permanecer no poder para sempre, viver em pomposos palácios de mau gosto, velejar em iates comparáveis em custo e tonelagem à Marinha Russa, gozando de poder ilimitado e impunidade completa. Para isso estão dispostos a sacrificar quantas vidas forem necessárias.”

Bondarev disse que nunca sentiu tanta vergonha. “A guerra agressiva desencadeada por Putin contra a Ucrânia, e de fato contra todo o Ocidente, não é só um crime contra o povo ucraniano, mas também, talvez, um crime ainda mais grave contra o povo da Rússia, com uma grossa letra Z riscando as esperanças e perspectivas de uma sociedade livre e próspera.”

Em meio à guerra de opiniões, o testemunho de alguém credenciado para se dizer um genuíno “entendedor de Putin” é um choque de realidade a ser assimilado pelas lideranças empenhadas em estratégias para mitigar o impacto dos crimes russos, como a fome mundial.

É hora de debater fim da gratuidade nas universidades

O Globo

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui mensalidades na universidade pública, apresentada pelo deputado General Peternelli e relatada pelo deputado Kim Kataguiri (ambos do União-SP), pode estar cheia de problemas, mas tem um mérito inegável: pôs em evidência a distorção no financiamento, pelo Estado, do ensino universitário, que custa ao Brasil 1,1% do PIB.

Por vários motivos, as universidades públicas são um patrimônio brasileiro. Reúnem o quadro de professores mais preparado. São responsáveis por quase toda a produção científica nacional. Num país em que só 21% dos adultos com até 34 anos têm formação superior, a cada ano oferecem ao mercado de trabalho por volta de 160 mil novos profissionais diplomados e qualificados. Garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dessas instituições é essencial para o futuro do país. E exige investimento.

Ao mesmo tempo, a maior carência da educação brasileira está no ensino básico. Em 2018, o Estado brasileiro gastava US$ 3.750 por aluno nos ensinos fundamental e médio, 63% abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No ensino universitário, eram US$ 14.500, ou 4% acima da média dos países da OCDE. Considerando a crise fiscal crônica que atravessamos e o fato de nosso gasto por aluno estar próximo ao de países com o dobro do PIB per capita, é urgente buscar outras fontes de receita.

Se parece justo reservar vagas gratuitas a grupos historicamente prejudicados ou pobres, não é absurdo nenhum cobrar de quem pode pagar. O número real de alunos abastados nas universidades públicas é desconhecido. É verdade que elas já foram muito mais elitistas. As ações afirmativas aumentaram a diversidade e deram acesso a camadas mais pobres. Apesar disso, ainda há muitos filhos de famílias ricas recebendo subsídio (em cursos como medicina, equivalente a um carro zero por ano). Uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), embora padeça de problemas metodológicos, estimou esse contingente em 30% do total de alunos.

Diante disso, a saída mais simples e justa seria cobrar mensalidades deles, como propõe a PEC. O problema está em definir a linha de corte da gratuidade. O pior para o país seria desestimular os jovens a buscar um diploma universitário por medo de se endividar ou por achar que não vale financeiramente. Quem conhece o Congresso não se assustaria com prováveis isenções para os filhos dessa ou daquela categoria.

Uma alternativa inspiradora é a adotada na Austrália. Lá, todos os que passaram pela universidade pública (ricos e pobres) pagam um valor proporcional à renda pela educação que tiveram. Quando ficam desempregados, não contribuem. Se demoram a entrar no mercado de trabalho, não é problema. Tal sistema não leva ninguém a desistir do diploma nem a se preocupar com dívidas impagáveis. No Brasil, a Receita Federal poderia controlá-lo a partir do Imposto de Renda. Pelos cálculos de Paulo Meyer Nascimento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que leva em conta apenas instituições federais, adotá-lo resultaria numa arrecadação anual de algo entre R$ 3,4 bilhões e R$ 7,1 bilhões, suficiente para mais que duplicar o orçamento para despesas discricionárias das universidades.

Morte por asfixia em Sergipe exige investigação e punição a policiais

O Globo

São sufocantes as imagens da abordagem truculenta, desumana e inaceitável da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao negro Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. Genivaldo, segundo a família portador de transtornos mentais, foi detido por três agentes quando passava de moto pela BR-101. Foi imobilizado e posto no porta-malas da viatura, de onde saía uma fumaça branca. De acordo com o relato do sobrinho, Wallison de Jesus, os policiais jogaram um gás dentro do veículo. No vídeo gravado por um morador, é possível ouvir os gritos. Levado pelos policiais ao hospital Dr. José Nailson Moura, ele chegou morto. Era casado e tinha um filho.

O Instituto Médico Legal de Sergipe apontou asfixia e insuficiência respiratória como causas da morte, investigada pela Polícia Federal. Em nota, a PRF alegou que os agentes usaram “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” para conter Genivaldo. Desde quando trancar alguém no porta-malas, num ambiente irrespirável, representa “menor potencial ofensivo”? A corporação argumenta ainda que Genivaldo resistiu à abordagem e foi agressivo. Não é o que o vídeo dá a entender.

A morte brutal de um cidadão cujo erro foi passar pela blitz onde estavam policiais despreparados e cruéis não pode ser ignorada. Os responsáveis precisam ser punidos com rigor. Imagens gravadas mostram a ação, há testemunhas da abordagem. Tudo isso ajuda a montar o quebra-cabeça do crime. Os agentes precisam ser afastados enquanto durarem as investigações.

A ação chocante em Sergipe chama a atenção para a truculência das forças de segurança do país. Um dia antes, no Rio de Janeiro, uma operação da Polícia Militar fluminense com a mesma PRF na favela da Vila Cruzeiro deixou ao menos 23 mortos, entre eles uma moradora atingida por uma bala perdida dentro de casa. Não se pode achar isso normal.

A violência policial não é problema exclusivo do Brasil. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta semana uma reforma da polícia, pondo em prática um compromisso de campanha. Golpes letais como o estrangulamento do negro George Floyd por um policial branco em 2020 não serão mais admitidos. As novas normas valerão para os agentes federais, uma minoria, mas ao menos são um sinal na direção desejável. No Brasil, após o morticínio da Vila Cruzeiro, o presidente Jair Bolsonaro parabenizou o Bope e a PRF.

É boa notícia que tenha havido redução do número de civis mortos por policiais no Brasil em 2021, embora estados como o Rio ainda mantenham Forças altamente letais. Na análise de pesquisadores, isso se deveu também a políticas públicas como a instalação de câmeras em fardas, iniciativa que deveria ser adotada por todas as corporações do país. É urgente que as polícias mudem o treinamento de seus agentes, tenham metas para reduzir letalidade e truculência e usem ferramentas como as câmeras para aumentar a segurança das operações. Caso contrário, não demorarão a surgir novos Genivaldos.

Sob o comando do Centrão, mais negócios suspeitos

Valor Econômico

O Centrão meaça ter mais controle sobre o Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições

Assim como Jair Bolsonaro, por atitudes e palavras, desvaloriza a função de presidente, o Centrão, que domina a Câmara dos Deputados, desmoraliza o Legislativo, tornando-o um balcão de negócios suspeitos e sem controle. As emendas secretas são a essência da forma de atuação de PP, PL e demais siglas fisiológicas - bilhões de reais transferidos em segredo, sem que se saiba quem pediu e quem recebeu. O presidente da República, que sempre foi do Centrão em seus 28 anos de inútil carreira parlamentar, pagou sorrindo o preço de ter a tranquilidade de que não enfrentaria um processo de impeachment.

Aos poucos, a reação ao escândalo das emendas do relator cresceu. Alvejada pela ministra Rosa Weber, do STF, a Câmara foi obrigada a traçar a rota dos recursos: quem pediu, quanto, a quem se destinava e com qual objetivo. O Legislativo cumpriu pela metade a exigência, enviando um cartapácio de relatórios listando 330 deputados, com muitas lacunas. Agora foi a vez do Tribunal de Contas da União entrar em ação e bloquear parte da farra com o dinheiro das emendas destinadas à Codevasf, dirigida por Marcelo Pinto, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, da Casa Civil.

A estatal, que no governo Bolsonaro ganhou como área de atuação o Norte do país, deixou de ser uma empresa que cuidava dos recursos hídricos do Vale do São Francisco e Parnaíba para tornar-se outra, que faz pavimentação de rodovias e compra máquinas agrícolas, por exemplo. Desde que o Centrão assumiu o poder, jorrou dinheiro para a Codevasf. As emendas de parlamentares saltaram de R$ 300 milhões em 2018 para R$ 2,1 bilhões em 2021, já sob a égide da emenda secreta. A dotação para pavimentação passou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões no mesmo período.

A Codevasf tem projetos rápidos para gastos imediatos, receita que sempre atrai os políticos, especialmente os do Centrão. Os resultados aparecem há meses. Houve superfaturamento na compra de centenas de tratores e máquinas agrícolas pela empresa.

Em seguida vieram as pavimentações de quinta categoria, feitas por uma empresa do Maranhão que nas licitações concorria com outra, dos mesmos sócios. Foram criados “contratos guarda-chuva”, com definições genéricas baseadas em modelos de rodovias que não existem e que podem valer para um Estado inteiro. O TCU sentiu que havia algo errado nisso e suspendeu novas ordens de serviços a partir de 29 pregões eletrônicos realizados em 2020. (Folha de S. Paulo, ontem).

Segundo o TCU, a Codevasf deixou abertos espaços para “direcionamento indevido da realização de obras e ocorrência de conluio entre empresas e agentes públicos e políticos”. O zelo dos deputados é digno de nota. Em 35% dos 78 ofícios examinados, constatou-se que os parlamentares faziam referência até sobre o tipo de pavimento a ser utilizado e a via a ser reparada. Há entre as obras estradas em bom estado, que não precisavam de reforço de pavimentação algum.

Essa conduta se repetiu em outra frente de negócios suspeitos, a do superfaturamento dos caminhões compactadores de lixo, que viveram o milagre da multiplicação, depois do surgimento das emendas do relator - entrega de 85 antes e 488 agora (O Estado de S. Paulo, 22 de maio). Há diferença de preços estimada em R$ 109 milhões. Os chefões do Centrão aparecem nelas. Barra de São Miguel, cujo prefeito é o pai de Arthur Lira, presidente da Câmara, aparece mais uma vez como aquinhoado - em um par de anos foram 3 caminhões para uma cidade de 8 mil habitantes. Os técnicos consideram que o uso deste tipo de veículo é antieconômico em lugares com menos de 17 mil pessoas.

Há cidades que não têm sequer aterro sanitário, mas que receberam caminhões. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, empenhou-se com afinco para fornecer à cidade de Brasileira (PI), dirigida por uma correligionária do PP, um caminhão, vendido por empresa de uma amiga que costuma frequentar seu gabinete.

A desfaçatez do Centrão com as emendas secretas é estimulada pela certeza da impunidade. Com seu apoio, a lei de improbidade administrativa foi modificada e uma das principais mudanças foi a necessidade de comprar intenção nos atos lesivos ao patrimônio público. O número de inquéritos caiu à metade depois disso.

O Centrão, como Bolsonaro, só se preocupa com familiares, amigos, correligionários e, claro, intermediação de obras. Ameaça ter mais controle sobre o Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições.

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