Editoriais
Termômetro eleitoral
Folha de S. Paulo
Datafolha apura vantagem maior de Lula ante
Bolsonaro e menos espaço para 3ª via
Pesquisa
Datafolha sobre intenção de voto para presidente divulgada
nesta quinta (26) traz o que parece ser a melhor explicação para os recentes
rompantes de Jair Bolsonaro (PL) contra instituições democráticas: voltou a
crescer a vantagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O levantamento anterior, de março, havia
trazido boas notícias para o presidente. A distância entre ele e o petista
caíra pela metade na declaração espontânea, em que o entrevistado simplesmente
responde em quem pretende votar.
Agora, nesse tipo de pergunta, a dianteira
do ex-presidente mais que dobrou e atingiu 16 pontos percentuais, ou 38% a 22%,
ante 30% a 23% dois meses atrás.
Na pesquisa estimulada, em que uma lista de
candidatos é apresentada ao entrevistado, Lula registra 48%, ante 27% de
Bolsonaro e 7% de Ciro Gomes (PDT), com os demais ficando no máximo em 2%.
A margem para uma terceira via parece mais
estreita. Lula e Bolsonaro somam 75 pontos e deixam 25 livres para outros
concorrentes —eram 31 em março.
Como se trata de um novo cenário político
devido sobretudo às desistências de João Doria (PSDB) e Sergio Moro (União
Brasil), não se pode fazer uma comparação direta entre esse resultado e os de
levantamentos anteriores.
Mas isso não impede ninguém de notar que, considerando os votos válidos (excluídos brancos, nulos e indecisos), Lula agora marca 54%, cifra em tese suficiente para vitória num primeiro turno hoje.
Além disso, a avaliação nada animadora do
governo Bolsonaro ficou estagnada com 25% de aprovação e 48% de reprovação, a
despeito de todos os esforços populistas e demagógicos que o mandatário
empreendeu nos últimos meses.
O percentual dos que não votariam nele de
jeito nenhum continua no mesmo patamar elevado (54%), ao passo que Lula viu sua
rejeição passar de 37% para 33%.
Talvez por isso, num
hipotético segundo turno, o petista derrota Bolsonaro com folga
maior do que na pesquisa anterior: 58% a 33% agora, 55% a 34% em março.
O quadro pintado por esses números
dificilmente terá passado batido pelos partidos. Um instituto como o Datafolha
imprime um selo de independência no resultado, mas os políticos, mesmo aqueles
que vociferam contra as pesquisas, medem o pulso dos eleitores com
levantamentos próprios.
Daí por que Bolsonaro, ciente de que seu
mau governo se transforma no maior obstáculo da corrida eleitoral, aposta no
discurso contra as urnas. A eleição, por óbvio, está longe de decidida, e o adversário
petista tem consideráveis fragilidades a serem exploradas. Mas é certo que o
retrato do momento desfavorece o incumbente.
Fome de crescimento
Folha de S. Paulo
Sem expansão econômica e com inflação em
alta, ação social tem eficácia reduzida
Miséria e fome são conceitos associados,
embora as medidas de uma e outra variem. Define-se comumente a miséria como a
falta da renda necessária para um consumo mínimo de nutrientes, o que envolve
cálculos complexos. De modo mais simples, pode-se detectar a fome apenas
perguntando a quem a vivencia ou a teme.
Com base em questionários globais, a ONU
detectou o aumento da insegurança alimentar no mundo e no Brasil. Segundo o mais
recente relatório da entidade, o percentual de pessoas que declaram
ter tido dificuldade para comprar comida nos últimos 12 meses subiu no planeta
de 23%, no período 2014-16, para 27,6% em 2018-20.
Na mesma comparação, a taxa brasileira
passou de 18,3% a 23,5%. Se levada em conta apenas a insegurança considerada
severa, as taxas mais recentes no documento são de 10,5% no mundo e 3,5% aqui.
O impacto devastador da pandemia de
Covid-19 foi a explicação mais óbvia e geral para a piora no ano retrasado. Mas
há fatores que variam conforme a região, incluindo guerras, turbulências
políticas, mudanças climáticas e catástrofes naturais. No Brasil, a causa
principal é o mau desempenho econômico desde a recessão de 2014-16.
Um novo trabalho da FGV Social, a partir de
dados da pesquisa global Gallup (que também é referência para a ONU), aponta
uma insegurança
alimentar de 36% no país ao final de 2021, ligeiramente acima
da média mundial de 35%.
As cifras podem variar conforme a
metodologia, mas a tendência é indiscutível —e coerente com a fragilidade da
economia. Nos últimos oito anos, o Produto Interno Bruto nacional encolheu em
1,6%. No mesmo período, a renda média por habitante, em valores corrigidos pela
inflação, caiu de R$ 44,1 mil para R$ 40,7 mil anuais.
Depois da crise provocada pelo colapso das
finanças públicas sob Dilma Rousseff (PT), o PIB apresenta taxas baixas de
crescimento, o que deve se repetir neste ano depois de superada a contração da
pandemia. Agora, é Jair Bolsonaro (PL) quem segue a trilha da
irresponsabilidade econômica.
A agravar o quadro, a inflação crescente no
mundo como efeito da Covid-19 e da guerra na Ucrânia atinge com força os
alimentos e, portanto, a população mais pobre do país. Em tal contexto,
reduz-se drasticamente a eficácia dos programas de seguridade social, em
particular do Auxílio Brasil, na superação da miséria e da fome.
Paulo Guedes na Montanha Mágica
O Estado de S. Paulo
Em Davos, o ministro da Economia falou em nome de um estranho país, mais próspero, bem governado e com inflação em firme declínio
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou
a Davos como representante do Brasil, mas acabou falando em nome de outro país,
mais ajustado e com perspectivas bem melhores que as indicadas pelas
deploráveis condições brasileiras. A cidade alpina onde se reúne o Fórum foi
celebrizada por Thomas Mann num romance publicado há quase um século, em 1924.
O título do livro, A Montanha Mágica, parece ganhar novo sentido com as
palavras de Guedes, criadoras de um país muito diferente daquele produzido pelo
desgoverno de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Neste mundo mais
conhecido, onde milhões batalham duramente para sobreviver, o dia a dia é
marcado pelo desemprego, pela inflação acelerada, pelo empobrecimento, pelo uso
inepto e irresponsável do poder público e por ameaças frequentes à ordem institucional.
“O pesadelo de vocês está apenas
começando”, disse o ministro a um grupo de jornalistas, numa referência aos
sinais de enfraquecimento econômico dos países mais desenvolvidos. “Vai começar
a recessão aqui fora”, acrescentou. “Eles estão começando a entrar no inferno e
estamos saindo.” Mas o desemprego no Brasil, no primeiro trimestre, ficou em
11,1% e pouco deve ter mudado a partir daí. Os desocupados nos Estados Unidos,
em abril, eram 3,6% da força de trabalho urbana (no campo o desemprego é pouco
significativo). Na maior parte dos países desenvolvidos a taxa raramente
alcança ou supera 7%. Além disso, o desempregado, nesses países, tem condições
de vida geralmente melhores que as de boa parte dos brasileiros empregados.
Quanto ao dinamismo econômico, o País fica
bem atrás de outros emergentes e também de muitos avançados. Se o País crescer
2% neste ano, como sugere o ministro da Economia, pouco se afastará do
desempenho médio dos últimos do último decênio ou do período bolsonariano. Mas
a última projeção oficial do governo indica uma expansão de apenas 1,5%, número
próximo das últimas estimativas do mercado. Segundo a projeção recém-divulgada
pela ONU, a produção mundial aumentará 3,1% em 2022, bem acima das taxas mais
otimistas calculadas no Brasil.
Guedes também mostrou otimismo em relação à
alta de preços. A inflação brasileira, segundo ele, pode ter atingido o pico e
em seguida começar a diminuir. “Fomos os primeiros a combater a inflação,
zeramos o déficit e subimos os juros”, afirmou. Seu comentário incluiu uma
crítica ao atraso dos bancos centrais do mundo rico. Não há sinais claros, no
entanto, de recuo duradouro da inflação.
A taxa apontada pela prévia deste mês, de
0,59%, é menor que a de abril, mas é também a mais alta para um mês de maio
desde 2016. Além disso, o aumento de preços em 12 meses chegou a 12,20%,
superando a variação acumulada até o mês anterior, 12,03%. Se o recuo começar
agora, quanto tempo será necessário para a inflação anual chegar a níveis
toleráveis?
O aumento de juros de fato começou mais
cedo no Brasil do que nos Estados Unidos, mas isso ocorreu, obviamente, porque
a inflação brasileira já era bem mais alta. Mas o Banco Central do Brasil
também insistiu, por muito tempo, em avaliar como passageiro o surto
inflacionário, e nesse ponto errou tanto quanto o Federal Reserve, seu par
americano.
O ministro Guedes também falou de um país
diferente do Brasil ao proclamar uma vitória da política fiscal. A melhora das
contas públicas foi claramente facilitada pela inflação e em grande parte
reflete, portanto, um desarranjo da economia brasileira. Também é preciso
lembrar o dinheiro engolido, neste ano, pelo sumidouro do orçamento secreto e a
transferência das decisões sobre gastos ao ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, representante principal do Centrão no Executivo. Enfim, ninguém
deveria esquecer as bondades eleitoreiras deixadas como custos para o próximo
governo. Nenhum desses desarranjos parece existir no país apresentado pelo
ministro Guedes na Montanha Mágica. Mas neste outro país onde vivem os
brasileiros a única façanha com jeito de mágica é a sobrevivência da maioria
das famílias no dia a dia.
A urgência de uma educação digital
O Estado de S. Paulo
Sobram planos e recursos, faltam foco e competência: nem um gênio como Musk será capaz de ajudar se o País continuar a tratar conexão de escolas à internet como um fim em si mesmo
Transformada em palanque eleitoral para
Jair Bolsonaro, a visita de Elon Musk ao Brasil expõe como poucas as falhas nas
políticas públicas nacionais e os motivos pelos quais mazelas históricas como a
falta de conectividade de escolas públicas seguem sem solução. O empresário,
dono da Starlink, que opera satélites capazes de oferecer internet, esteve em
Porto Feliz (SP) e pouco falou com Bolsonaro, concentrando suas atenções em
conversas com executivos das operadoras de telecomunicações em atuação no País.
Como mostrou o Estadão, foi apenas um encontro de negócios de um
bilionário interessado em vender serviços.
Até aí, tudo bem – não há nada irregular
nessas reuniões. A Starlink já obteve autorização da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) para operar satélites de baixa órbita no Brasil, de
forma que procurar as teles para apresentar sua companhia seria o próximo
passo. A oferta de internet satelital pode ser uma boa alternativa para escolas
em regiões isoladas no Norte, mas não exclui a necessidade de uma estrutura
mínima de equipamentos de conexão em terra – nada impossível, ainda que
dispendioso. O que passou despercebido na visita de Musk, no entanto, foi a
crônica incompetência do Executivo para resolver um tema que está em debate há
quase 15 anos no País.
A origem da história remete a 2008, quando
o hoje candidato e então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou o
Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), para conexão de unidades de ensino
urbanas. Em 2010, a proposta foi incluída dentro do Plano Nacional de Banda
Larga (PNBL), que, a pretexto de universalizar o acesso à internet, justificou
a reativação da Telebras – a empresa recebeu um aporte de R$ 3,2 bilhões para
gerir a iniciativa. Mesmo sem cumprir os objetivos iniciais, Dilma Rousseff dobrou
a aposta na estatal ao lançar a segunda edição do PNBL em 2014, versão
turbinada do plano que pretendia alcançar todas as escolas públicas até – vejam
só – o fim deste ano de 2022.
Em 2017, ao custo de R$ 2,8 bilhões, a
gestão Michel Temer lançou um satélite em órbita; meses depois, anunciou o
programa Internet para Todos, para prover banda larga satelital aos municípios
desconectados. Bolsonaro, por sua vez, lançou algumas iniciativas, entre elas o
Wi-Fi Brasil, que ficou célebre ao obrigar os alunos a assistir a propagandas
do governo a cada conexão. Mais recentemente, por sugestão do Tribunal de
Contas da União (TCU), a Anatel direcionou parte da arrecadação do leilão do 5G
– R$ 3,1 bilhões – para a conectividade das escolas.
Com todo esse histórico de programas
lançados por administrações tão distintas, fica claro que não faltaram planos
nem recursos para conectar o ensino público. Mas o fato é que o País ainda tem
30 mil escolas sem acesso à internet, segundo dados da Anatel – 4,1 mil em
regiões urbanas e 25,9 mil em áreas rurais; 15 mil no Nordeste e 11 mil no
Norte. Vários motivos ajudam a explicar o problema, como a ausência de
continuidade das ações, a desarticulação com Estados e municípios e a
inexistência de avaliações de desempenho e resultado de cada proposta.
Em comum a todas elas, há algo que nenhum
governo – e, lamentavelmente, nenhum pré-candidato – ousou enfrentar. A
conectividade das escolas não deveria ser um fim em si mesmo, mas parte de uma
política pública que ofereça uma educação verdadeiramente digital para alunos
que, no futuro, vão enfrentar um mercado de trabalho competitivo. Isso passa
pela capacitação de professores e por uma base curricular adaptada às
exigências de um mundo tecnológico, entre muitas outras questões. A baixa
qualificação do trabalhador brasileiro está diretamente ligada à também baixa –
e decrescente – produtividade da economia e ao seu desempenho instável. Partir
de um problema mal definido é caminho certeiro para chegar a uma solução
ineficaz. Nesse sentido, é até positivo que nenhum contrato tenha sido fechado
pelo governo com Musk e a Starlink. Muito provavelmente seria apenas mais um
exemplo de desperdício e má alocação de recursos.
Putin usa a fome como arma
O Estado de S. Paulo
Depois de agressão à Ucrânia, ameaças nucleares e atrocidades contra civis, Putin quer chantagear o mundo com a fome
Já virou folclore: o “Putin Versteher”,
como dizem os alemães. Literalmente, um “entendedor” de Putin. Eles creem poder
justificar os motivos e a visão de mundo do autocrata russo e projetam vastos
mosaicos geopolíticos para extrair lógica do caos precipitado na Ucrânia. Os
mais iconoclastas culpam o Ocidente pela catástrofe, os moderados equiparam as
responsabilidades. Alguns condenam a agressão. Mas há sempre um “mas”.
A verdade incontestável é que a guerra foi
não provocada. O próprio Vladimir Putin o admite, ao manufaturar o conceito de
“agressão preventiva”. E nenhum “realismo” geopolítico pode justificar as
atrocidades em Bucha ou Mariupol. Mesmo que, em tese, a guerra fosse
inevitável, crimes de guerra nunca deixarão de ser crimes.
Abalos nas cadeias de fornecimento talvez
fossem inevitáveis. Mas a escassez de alimentos não era. Putin não precisava
usar a fome como arma. Tendo falhado em dominar militarmente a Ucrânia, quer
estrangulá-la economicamente, confiscando grãos e maquinários. Mais do que
isso, está bloqueando o Mar Negro e retendo grãos na Rússia para chantagear o
mundo.
O secretário-geral da ONU prevê um “furacão
de fome”. Estima-se que em novembro até 243 milhões de pessoas podem se juntar
ao atual 1,6 bilhão em insegurança alimentar, especialmente em países da África
e Oriente Médio sem parte no conflito.
Resolver o problema é responsabilidade de
todos. As nações devem manter os mercados abertos. A Europa deve ajudar a
Ucrânia a escoar seus grãos por terra. Suprimentos emergenciais devem ser
dirigidos aos pobres.
O verdadeiro alívio viria do fim do
bloqueio. Uma concertação, talvez envolvendo finalmente China e Índia,
precisaria garantir que a Turquia permita escoltas navais no Bósforo, e a
Ucrânia retire suas minas em Odessa. Mas tudo depende de que a Rússia autorize
os embarques.
A julgar, porém, pelo diagnóstico de Boris
Bondarev, que até esta semana integrava a missão russa na ONU, há poucas
chances de negociação. “Hoje, o Ministério do Exterior da Rússia não trata de
diplomacia. É tudo sobre belicismo, mentiras e ódio”, disse, ao renunciar à
carreira diplomática. “Aqueles que conceberam esta guerra querem só uma coisa –
permanecer no poder para sempre, viver em pomposos palácios de mau gosto,
velejar em iates comparáveis em custo e tonelagem à Marinha Russa, gozando de
poder ilimitado e impunidade completa. Para isso estão dispostos a sacrificar
quantas vidas forem necessárias.”
Bondarev disse que nunca sentiu tanta
vergonha. “A guerra agressiva desencadeada por Putin contra a Ucrânia, e de
fato contra todo o Ocidente, não é só um crime contra o povo ucraniano, mas
também, talvez, um crime ainda mais grave contra o povo da Rússia, com uma
grossa letra Z riscando as esperanças e perspectivas de uma sociedade livre e
próspera.”
Em meio à guerra de opiniões, o testemunho
de alguém credenciado para se dizer um genuíno “entendedor de Putin” é um
choque de realidade a ser assimilado pelas lideranças empenhadas em estratégias
para mitigar o impacto dos crimes russos, como a fome mundial.
É hora de debater fim da gratuidade nas
universidades
O Globo
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
que institui mensalidades na universidade pública, apresentada
pelo deputado General Peternelli e relatada pelo deputado Kim Kataguiri (ambos
do União-SP), pode estar cheia de problemas, mas tem um mérito inegável: pôs em
evidência a distorção no financiamento, pelo Estado, do ensino universitário,
que custa ao Brasil 1,1% do PIB.
Por vários motivos, as universidades
públicas são um patrimônio brasileiro. Reúnem o quadro de professores mais
preparado. São responsáveis por quase toda a produção científica nacional. Num
país em que só 21% dos adultos com até 34 anos têm formação superior, a cada
ano oferecem ao mercado de trabalho por volta de 160 mil novos profissionais
diplomados e qualificados. Garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dessas
instituições é essencial para o futuro do país. E exige investimento.
Ao mesmo tempo, a maior carência da
educação brasileira está no ensino básico. Em 2018, o Estado brasileiro gastava
US$ 3.750 por aluno nos ensinos fundamental e médio, 63% abaixo da média dos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No
ensino universitário, eram US$ 14.500, ou 4% acima da média dos países da OCDE.
Considerando a crise fiscal crônica que atravessamos e o fato de nosso gasto
por aluno estar próximo ao de países com o dobro do PIB per capita, é urgente
buscar outras fontes de receita.
Se parece justo reservar vagas gratuitas a
grupos historicamente prejudicados ou pobres, não é absurdo nenhum cobrar de
quem pode pagar. O número real de alunos abastados nas universidades públicas é
desconhecido. É verdade que elas já foram muito mais elitistas. As ações
afirmativas aumentaram a diversidade e deram acesso a camadas mais pobres.
Apesar disso, ainda há muitos filhos de famílias ricas recebendo subsídio (em
cursos como medicina, equivalente a um carro zero por ano). Uma pesquisa da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(Andifes), embora padeça de problemas metodológicos, estimou esse contingente
em 30% do total de alunos.
Diante disso, a saída mais simples e justa
seria cobrar mensalidades deles, como propõe a PEC. O problema está em definir
a linha de corte da gratuidade. O pior para o país seria desestimular os jovens
a buscar um diploma universitário por medo de se endividar ou por achar que não
vale financeiramente. Quem conhece o Congresso não se assustaria com prováveis
isenções para os filhos dessa ou daquela categoria.
Uma alternativa inspiradora é a adotada na
Austrália. Lá, todos os que passaram pela universidade pública (ricos e pobres)
pagam um valor proporcional à renda pela educação que tiveram. Quando ficam
desempregados, não contribuem. Se demoram a entrar no mercado de trabalho, não
é problema. Tal sistema não leva ninguém a desistir do diploma nem a se
preocupar com dívidas impagáveis. No Brasil, a Receita Federal poderia
controlá-lo a partir do Imposto de Renda. Pelos cálculos de Paulo Meyer
Nascimento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que leva em
conta apenas instituições federais, adotá-lo resultaria numa arrecadação anual
de algo entre R$ 3,4 bilhões e R$ 7,1 bilhões, suficiente para mais que
duplicar o orçamento para despesas discricionárias das universidades.
Morte por asfixia em Sergipe exige
investigação e punição a policiais
O Globo
São sufocantes as imagens da abordagem
truculenta, desumana e inaceitável da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao negro
Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. Genivaldo, segundo
a família portador de transtornos mentais, foi detido por três agentes quando
passava de moto pela BR-101. Foi imobilizado e posto no porta-malas da viatura,
de onde saía uma fumaça branca. De acordo com o relato do sobrinho, Wallison de
Jesus, os policiais jogaram um gás dentro do veículo. No vídeo gravado por um
morador, é possível ouvir os gritos. Levado pelos policiais ao hospital Dr.
José Nailson Moura, ele chegou morto. Era casado e tinha um filho.
O Instituto Médico Legal de Sergipe apontou
asfixia e insuficiência respiratória como causas da morte, investigada pela Polícia Federal. Em nota, a PRF alegou
que os agentes usaram “técnicas de imobilização e instrumentos de menor
potencial ofensivo” para conter Genivaldo. Desde quando trancar alguém no
porta-malas, num ambiente irrespirável, representa “menor potencial ofensivo”?
A corporação argumenta ainda que Genivaldo resistiu à abordagem e foi
agressivo. Não é o que o vídeo dá a entender.
A morte brutal de um cidadão cujo erro foi
passar pela blitz onde estavam policiais despreparados e cruéis não pode ser
ignorada. Os responsáveis precisam ser punidos com rigor. Imagens gravadas
mostram a ação, há testemunhas da abordagem. Tudo isso ajuda a montar o
quebra-cabeça do crime. Os agentes precisam ser afastados enquanto durarem as
investigações.
A ação chocante em Sergipe chama a atenção
para a truculência das forças de segurança do país. Um dia antes, no Rio de
Janeiro, uma operação da Polícia Militar fluminense com a mesma PRF na favela
da Vila Cruzeiro deixou ao menos 23 mortos, entre eles uma moradora atingida
por uma bala perdida dentro de casa. Não se pode achar isso normal.
A violência policial não é problema
exclusivo do Brasil. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta
semana uma reforma da polícia, pondo em prática um compromisso de campanha.
Golpes letais como o estrangulamento do negro George Floyd por um policial
branco em 2020 não serão mais admitidos. As novas normas valerão para os
agentes federais, uma minoria, mas ao menos são um sinal na direção desejável.
No Brasil, após o morticínio da Vila Cruzeiro, o presidente Jair Bolsonaro
parabenizou o Bope e a PRF.
É boa notícia que tenha havido redução do número de civis mortos por policiais no Brasil em 2021, embora estados como o Rio ainda mantenham Forças altamente letais. Na análise de pesquisadores, isso se deveu também a políticas públicas como a instalação de câmeras em fardas, iniciativa que deveria ser adotada por todas as corporações do país. É urgente que as polícias mudem o treinamento de seus agentes, tenham metas para reduzir letalidade e truculência e usem ferramentas como as câmeras para aumentar a segurança das operações. Caso contrário, não demorarão a surgir novos Genivaldos.
Sob o comando do Centrão, mais negócios
suspeitos
Valor Econômico
O Centrão meaça ter mais controle sobre o
Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições
Assim como Jair Bolsonaro, por atitudes e
palavras, desvaloriza a função de presidente, o Centrão, que domina a Câmara
dos Deputados, desmoraliza o Legislativo, tornando-o um balcão de negócios
suspeitos e sem controle. As emendas secretas são a essência da forma de
atuação de PP, PL e demais siglas fisiológicas - bilhões de reais transferidos
em segredo, sem que se saiba quem pediu e quem recebeu. O presidente da
República, que sempre foi do Centrão em seus 28 anos de inútil carreira
parlamentar, pagou sorrindo o preço de ter a tranquilidade de que não
enfrentaria um processo de impeachment.
Aos poucos, a reação ao escândalo das
emendas do relator cresceu. Alvejada pela ministra Rosa Weber, do STF, a Câmara
foi obrigada a traçar a rota dos recursos: quem pediu, quanto, a quem se
destinava e com qual objetivo. O Legislativo cumpriu pela metade a exigência,
enviando um cartapácio de relatórios listando 330 deputados, com muitas
lacunas. Agora foi a vez do Tribunal de Contas da União entrar em ação e
bloquear parte da farra com o dinheiro das emendas destinadas à Codevasf,
dirigida por Marcelo Pinto, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, da Casa
Civil.
A estatal, que no governo Bolsonaro ganhou
como área de atuação o Norte do país, deixou de ser uma empresa que cuidava dos
recursos hídricos do Vale do São Francisco e Parnaíba para tornar-se outra, que
faz pavimentação de rodovias e compra máquinas agrícolas, por exemplo. Desde
que o Centrão assumiu o poder, jorrou dinheiro para a Codevasf. As emendas de
parlamentares saltaram de R$ 300 milhões em 2018 para R$ 2,1 bilhões em 2021,
já sob a égide da emenda secreta. A dotação para pavimentação passou de R$ 1,3
bilhão para R$ 3,4 bilhões no mesmo período.
A Codevasf tem projetos rápidos para gastos
imediatos, receita que sempre atrai os políticos, especialmente os do Centrão.
Os resultados aparecem há meses. Houve superfaturamento na compra de centenas
de tratores e máquinas agrícolas pela empresa.
Em seguida vieram as pavimentações de
quinta categoria, feitas por uma empresa do Maranhão que nas licitações
concorria com outra, dos mesmos sócios. Foram criados “contratos guarda-chuva”,
com definições genéricas baseadas em modelos de rodovias que não existem e que
podem valer para um Estado inteiro. O TCU sentiu que havia algo errado nisso e
suspendeu novas ordens de serviços a partir de 29 pregões eletrônicos
realizados em 2020. (Folha de S. Paulo, ontem).
Segundo o TCU, a Codevasf deixou abertos
espaços para “direcionamento indevido da realização de obras e ocorrência de
conluio entre empresas e agentes públicos e políticos”. O zelo dos deputados é
digno de nota. Em 35% dos 78 ofícios examinados, constatou-se que os
parlamentares faziam referência até sobre o tipo de pavimento a ser utilizado e
a via a ser reparada. Há entre as obras estradas em bom estado, que não
precisavam de reforço de pavimentação algum.
Essa conduta se repetiu em outra frente de
negócios suspeitos, a do superfaturamento dos caminhões compactadores de lixo,
que viveram o milagre da multiplicação, depois do surgimento das emendas do
relator - entrega de 85 antes e 488 agora (O Estado de S. Paulo, 22 de maio).
Há diferença de preços estimada em R$ 109 milhões. Os chefões do Centrão
aparecem nelas. Barra de São Miguel, cujo prefeito é o pai de Arthur Lira,
presidente da Câmara, aparece mais uma vez como aquinhoado - em um par de anos
foram 3 caminhões para uma cidade de 8 mil habitantes. Os técnicos consideram
que o uso deste tipo de veículo é antieconômico em lugares com menos de 17 mil
pessoas.
Há cidades que não têm sequer aterro
sanitário, mas que receberam caminhões. O ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, empenhou-se com afinco para fornecer à cidade de Brasileira (PI),
dirigida por uma correligionária do PP, um caminhão, vendido por empresa de uma
amiga que costuma frequentar seu gabinete.
A desfaçatez do Centrão com as emendas
secretas é estimulada pela certeza da impunidade. Com seu apoio, a lei de
improbidade administrativa foi modificada e uma das principais mudanças foi a
necessidade de comprar intenção nos atos lesivos ao patrimônio público. O
número de inquéritos caiu à metade depois disso.
O Centrão, como Bolsonaro, só se preocupa com familiares, amigos, correligionários e, claro, intermediação de obras. Ameaça ter mais controle sobre o Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições.
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