O Globo
Três institutos com forte presença militar
lançaram na última semana o documento “Projeto de nação, o Brasil em 2035”, um
plano de militares alinhados ao governo Bolsonaro para governar o Brasil por
mais três mandatos presidenciais. O projeto foi coordenado pelo general Rocha
Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais, e contou com a revisão do
general Mendes Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
no governo FH, do general Santa Rosa, ex-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos
de Jair Bolsonaro, do embaixador aposentado Marcos Henrique Camillo Cortes e do
professor Timothy Mulholland, ex-reitor da UnB. A cerimônia de lançamento
oficial contou ainda com a presença do vice-presidente, o general Hamilton
Mourão.
O projeto é uma espécie de plano de ação para os próximos mandatos presidenciais —esperando um governo Bolsonaro 2, seguido de outros dois de um sucessor, como fez Lula. O documento é um vislumbre da visão de mundo dos militares bolsonaristas.
Um dos aspectos mais preocupantes do
projeto é que ele está tomado, do começo ao fim, pelo modo de pensar
conspiratório, “antiglobalista” e “antiesquerdista”. “Globalismo” é definido no
documento como o movimento internacionalista da elite financeira mundial para
controlar nações e cidadãos por meio de intervenções autoritárias disfarçadas
como socialmente corretas. O interesse dos “globalistas” seria transferir a
soberania dos Estados a grandes potências, organismos internacionais e ONGs,
para que esses atores possam decidir melhor sobre temas complexos como meio
ambiente e direitos humanos. Por isso o projeto se propõe a conter o avanço do
“globalismo”, com um grande esforço de conscientização nacional. A luta contra
o “globalismo” é ideológica.
Também é ideológica a luta contra a
esquerda, vista como a principal responsável pelas mazelas da educação
brasileira, com a pregação facciosa e ideológica de professores radicais. Seria
deles a culpa pelo subdesenvolvimento e pela baixa produtividade brasileira.
Nada que não se resolva com civismo, disciplina e bons valores morais. Afinal,
ideológicos são os outros.
A ideia paranoica de que uma elite
financeira “globalista” quer controlar o Brasil por meio da ONU e das ONGs
permite resolver a contradição entre duas filiações ideológicas contraditórias
do documento, o nacionalismo e o liberalismo. Como em nenhum momento o projeto
é propriamente nacionalista — defende a cultura, os empregos ou a indústria
nacionais — e, ademais, em termos econômicos, enfatiza sempre uma abordagem
bastante liberal, é com o combate ao “globalismo” que afirma seu nacionalismo,
ainda que numa chave conspiratória.
O liberalismo aparece na defesa da
flexibilização da entrada de capital estrangeiro no país para gerar emprego e
renda, mas é aberta uma exceção para garantir o capital nacional na
agricultura, dada sua “alta relevância estratégica”. Ficamos sem entender por
que não seriam também estratégicos os setores de energia, infraestrutura ou
comunicações —e fica a desconfiança de que o protecionismo ao agro é apenas
para retribuir seu tradicional apoio ao conservadorismo.
No documento, chama a atenção também aquilo
que pouco aparece ou fica de fora. Embora as principais tarefas do Estado
brasileiro — pelo menos se medidas pelo gasto público —sejam o SUS, a
Previdência e a educação, o projeto não tem nada de muito relevante a dizer
sobre eles. O documento não pensa os inúmeros desafios para pôr fim à evasão no
ensino médio ou ampliar a cobertura da rede de saúde. Apenas insiste na ideia
boba de cobrar pelo atendimento no SUS e para cursar as universidades federais.
Há um capítulo inteiro sobre defesa cibernética, mas não há palavra alguma
sobre os programas de transferência de renda que são nosso principal
instrumento de combate à pobreza extrema.
O documento mostra como os militares que se
lançaram na política estão tomados de ideias paranoicas “antiglobalistas” e
anticomunistas, mas, quando se trata de gerir o Estado brasileiro, não têm um
plano de ação que pare de pé. Seu “Projeto de nação” é uma mistura de delírio
ideológico com amadorismo na gestão das políticas públicas.
Os militares se atolando na lama.
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