domingo, 22 de maio de 2022

Rodrigo Pacheco: Em defesa da democracia e da harmonia entre os Poderes

O Globo

Os artigos 1º e 2º da Constituição Federal são concisos e guardam conceitos oriundos de uma longa evolução histórica. Ambos resgatam doutrinas que se opõem ao autoritarismo e que, atualmente, representam características de nações civilizadas. O Artigo 1º define que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. O Artigo 2º determina que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deverão ser harmônicos e independentes. Desses conceitos, quero me ater à interligação de democracia e harmonia entre os Poderes, com o objetivo de reafirmar esses valores constitucionais como imperativos da proteção aos direitos e às liberdades da população.

Na Grécia Antiga, o incômodo com o governo tirânico deu origem a um novo regime de governo, chamado democracia. Em grego, democracia significa poder político (kratos) do povo (demo). O conceito do que é um governo democrático não é único. Passou por amplo desenvolvimento histórico até chegar ao que hoje entendo mais adequado: a democracia constitucional. Em poucas palavras, na democracia o titular do poder soberano é o povo, que o exerce diretamente (democracia direta) ou por meio de seus representantes eleitos (democracia representativa). A democracia constitucional adiciona à soberania popular a necessidade de que sejam respeitados os direitos fundamentais, sobretudo das minorias, e de que o poder seja limitado pela Constituição.

Tal limitação, no nosso sistema constitucional, dá-se pela separação dos Poderes, que devem atuar com independência e harmonia. Como a democracia, a separação dos Poderes também foi desenvolvida em oposição ao autoritarismo. Locke e Montesquieu são os idealizadores modernos dessa teoria, cujo objetivo era impedir o poder sem limites. Tal sistema determina que os depositários do poder do Estado tenham algum nível de harmonia e cooperação, além de estabelecer mecanismos recíprocos de controle (sistema de freios e contrapesos, ou checks and balances).

Vivemos atualmente uma espécie de crise de confiança nessas estruturas de poder. Trata-se de fenômeno mundial, é verdade, mas que deve preocupar a todos os cidadãos brasileiros. É papel de todos, principalmente dos agentes políticos, robustecer nossa democracia constitucional. Isso porque o sistema democrático é o único regime político que propõe soluções legítimas e institucionalizadas aos conflitos políticos e sociais. Nele, a solução dos dissensos possui regras e limites claros, estabelecidos na Constituição. As instituições devem funcionar como fatores de estabilização das tensões políticas para garantir elementos caros às democracias modernas, como o processo eleitoral, atual foco de questionamento. Não há motivo razoável ou justa causa para contestar sua lisura no Brasil. A modernização tecnológica veio para sanar as fraudes do voto em papel, superando práticas como o voto de cabresto ou o abuso do poder econômico. As mudanças promovidas pela Justiça Eleitoral a partir da redemocratização, sobretudo com o advento das urnas eletrônicas, conferiram ao processo eleitoral mais confiabilidade e transparência, um motivo de orgulho para nosso país.

Todos nós, cidadãos brasileiros, temos a missão de evitar o que se tem chamado de erosão democrática, garantindo que não haverá retrocesso civilizatório em nossa nação. O caminho oposto leva ao autoritarismo, à restrição de liberdades e à aniquilação de direitos. Não queremos isso. Lutamos contra isso para chegar ao que somos hoje. Uma democracia jovem, é verdade, mas que já mostra sua resiliência e força. O caminho para preservar os direitos fundamentais, impedir o poder ilimitado e assegurar a estabilidade, nós já sabemos. Vamos confiar na legitimidade dos nossos Poderes, que atuam dentro de suas funções independentes, previstas na Constituição. Vamos conservar as relações harmônicas entre eles, priorizando o diálogo. Respeitemos os mecanismos de contenção usados dentro das balizas constitucionais. Devemos, por fim, assegurar a higidez do processo eleitoral, com eleições periódicas, cujo resultado legítimo e confiável deve ser apurado pela Justiça Eleitoral por meio das urnas eletrônicas.

Reafirmo que a democracia não está em risco, pois temos instituições sólidas que estão em busca do equilíbrio institucional por intermédio de um pacto republicano. A harmonia entre os Poderes é essencial para que possamos preservar a democracia e o Estado de Direito, garantir as eleições gerais em outubro de 2022 e avançar em busca do país cada vez mais civilizado que queremos e merecemos.

*Presidente do Senado (PSD-MG) e do Congresso Nacional

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